Marina Lemle, jornalista, Blog de HCS-Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
No início do século XIX, fenômenos psíquicos/espirituais, como transes e supostas comunicações por canais sensoriais desconhecidos, geraram grande debate no meio científico. No artigo “As investigações dos fenômenos psíquicos/espirituais no século XIX: sonambulismo e espiritualismo, 1811-1860”, que será publicado em HCS-Manguinhos, volume 23, número 4, Marcelo Gulão Pimentel, Klaus Chaves Alberto e Alexander Moreira-Almeida discutem as principais explicações oferecidas pelos pesquisadores da época a respeito dos fenômenos.
Gulão Pimentel é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Chaves Alberto é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); e Moreira-Almeida é professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFJF e fundador e diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes/UFJF).
Os autores deram entrevista exclusiva para a Semana Especial de HCS-Manguinhos no Blog SciELO em Perspectiva | Humana.
1. O artigo publicado em HCS-Manguinhos aborda dois movimentos principais no período: o sonambulismo magnético e o espiritualismo moderno. Como era a visão de cada um sobre os fenômenos e as pessoas que os apresentavam?
Relatos sobre fenômenos psíquicos/espirituais são encontrados em todas as culturas ao longo da humanidade. Esses fenômenos geralmente envolvem a ideia de que a mente (espírito ou alma, dependendo da abordagem de cada autor) poderia transcender o corpo físico, gerando vivências como relatos de comunicação direta entre mente e mente (telepatia), aquisições de informações indisponíveis aos canais sensoriais normais (clarividência), previsões de acontecimentos futuros (precognição), curas a distância e de comunicação ou aparição de pessoas já falecidas.
No início do século XIX, o sonambulismo magnético e espiritualismo moderno foram dois movimentos ligados aos fenômenos psíquicos/espirituais que despertaram o interesse da comunidade científica nascente através de alguns dos principais investigadores do período, como Michael Faraday, físico e químico considerado um dos cientistas mais influentes da história; o médico e naturalista William Carpenter, um dos primeiros estudiosos a explorar a existência de mecanismos inconscientes na mente humana; o físico e primeiro-ministro francês François Arago; e o médico cirurgião James Braid, iniciador da hipnose científica. Além desses nomes consagrados, havia ainda diversos intelectuais que se debruçaram sobre o tema, como Hippolyte León Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec, que criou uma teoria abrangente a partir da observação desses fenômenos, chamada de espiritismo (que é um dos ramos do espiritualismo moderno). Um dos principais objetivos desses pesquisadores era entender as causas desses fenômenos e suas implicações para a compreensão da mente, de seus transtornos e da própria natureza humana.
Na segunda metade do século XIX, herdeiros desse debate, o fisiologista Hippolyte Bernheim e o neurologista Jean Martin Charcot, por exemplo, se envolveram em um intenso debate representando a Escola de Nancy e a Escola de Salpêtrière sobre se esses fenômenos deveriam ser considerados patológicos ou não.
2. Que concepções surgiram por volta de 1850 e como elas explicavam os fenômenos?
Houve basicamente duas abordagens na comunidade científica da época. A primeira buscava combater o sonambulismo magnético e o espiritualismo moderno, pois os considerava manifestações ou causas de doenças mentais, ou os julgava serem movimentos místicos e supersticiosos que não resistiriam a uma análise metodológica mais rigorosa. Uma segunda concepção, reconhecia a importância do estudo desses fenômenos para o melhor entendimento do funcionamento da mente humana. Nesta segunda categoria havia pesquisadores que achavam que todos estes fenômenos psíquicos/espirituais seriam explicáveis pela atuação do cérebro e/ou da mente inconsciente, enquanto outros aceitavam a possibilidade de que a mente teria capacidade de perceber e atuar além do corpo físico e dos cinco sentidos, através de uma real telepatia ou até mesmo da sobrevivência da mente após a morte do corpo físico. Tais estudos geraram muitos avanços na compreensão abordagem da mente humana, a partir de seus mecanismos involuntários ou inconscientes. Também houve espaço para que, no Brasil, essas discussões tivessem contribuído para o desenvolvimento de terapias complementares, como as que são aplicadas por grupos e hospitais psiquiátricos espíritas que ainda hoje possuem uma significativa presença do país.
3. Até hoje o tema intriga a sociedade, pauta a mídia e gera tensões. O que mudou nestes dois séculos?
A grande mudança tem sido o retorno de pesquisas na área de espiritualidade, ciências e saúde que foram negligenciadas ao longo da maior parte do século XX. Nos últimos 20 anos, tem aumentado o interesse na comunidade acadêmica, o que se demonstra pelo crescente número de artigos científicos indexados nas principais plataformas de buscas do mundo. Hoje percebemos uma maior receptividade a essas pesquisas do que, provavelmente, tiveram os pesquisadores do século XIX. Ainda assim, muitos especialistas afirmam que o tema se configura como um dos tabus científicos do século XXI. Há um rico campo a ser explorado, com uma série de lacunas a serem preenchidas, como nas investigações históricas, filosóficas e metodológicas das pesquisas sobre o tema.
Para ler o artigo, acesse
PIMENTEL, M. G., ALBERTO, K. C. and MOREIRA-ALMEIDA, A. As investigações dos fenômenos psíquicos/espirituais no século XIX: sonambulismo e espiritualismo, 1811-1860. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. In press. [viewed 19th October 2016]. ISSN 0104-5970. DOI: 10.1590/S0104-59702016005000010. Available from: http://ref.scielo.org/bsyvjb
Link externo
História, Ciências, Saúde – Manguinhos – HCSM: www.scielo/hcsm
Sobre Marina Lemle
Marina Lemle é jornalista e mestranda em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Tem experiência como editora, repórter e redatora nas áreas de saúde, meio ambiente, segurança pública, segurança no trânsito, ciências sociais e humanas e tecnologia e inovação. Trabalha com jornalismo, gestão de conteúdo online e redes sociais. e-mail: marinalemle@gmail.com
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Quando fiz faculdade de Psicologia alguns professores tentavam fazer a gente acreditar que o espiritual não existe, o que é um absurdo, mas acontece.