Nathálya Aparecida Ferreira, bolsista voluntária na Varia Historia e graduanda do curso de História da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil
A América Latina tem chamado a atenção de historiadores, sociológicos e cientistas políticos, sobretudo em função do crescimento e da chegada ao poder de grupos e governantes ligados à direita e à extrema-direita. Buscando contribuir para o entendimento desse cenário político, Varia Historia apresenta um conjunto de três entrevistas que formam a série “As Direitas na América Latina”. Os vídeos, que se encontram disponíveis no canal do YouTube do periódico, trazem uma interessante conversa entre a equipe Varia Historia e os professores Stéphane Boisard, Ernesto Bohoslavsky e Gerardo Caetano. Os três estudiosos atuam em instituições de ensino e pesquisa na América Latina e na Europa e vieram ao Brasil para participar do III Colóquio Internacional Pensar as Direitas na América Latina do século XX, evento sediado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em agosto de 2018.
A primeira sessão foi gravada com Stéphane Boisard, que é docente na Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3, na França, e autor do artigo “Pensando as direitas na América Latina: objetivos científicos, sujeitos e temporalidades” (v. 30, n. 52). Na conversa, Boisard apontou para a complexidade em se definir o que pode e o que não pode ser entendido como “direita”. Para ele, a identificação de partidários ou apoiadores da esquerda ocorre, geralmente, de forma mais natural do que a identificação por parte da direita. Outro fator que dificulta a definição do termo é sua amplitude e maleabilidade. Por exemplo, enquanto na Europa a direita nasce de uma tradição contra-revolucionária, na América Latina, ela surge de um movimento anti-colonial. Essa mesma direita latino-americana passa a se identificar, a partir da década de 1930, com vias nacionalistas e autoritárias. Além disso, ela se caracteriza pela divisão entre liberais e conservadores, conseguindo se unir graças ao forte catolicismo desta parte do continente que, nas palavras de Boisard, permitiu “uma conexão entre correntes conservadoras de direita que antes se opunham”. Apontando para questões bastante atuais, o professor Boisard credita a retomada de poder da direita e da extrema-direita no mundo a alguns fatores de crises, como a imigração, no caso europeu, e a insegurança e a corrupção – geralmente associada a partidos de esquerda – no caso da América Latina. Ele explica também o porquê do caso mexicano nadar contra essa tendência global.
Ernesto Bohoslavsky, professor da Universidad Nacional General Sarmiento, na Argentina, e autor do artigo “Os partidos de direita e os debates sobre as estratégias anticomunistas (Brasil e Chile, 1945-1950)” (v. 30, n. 52), aponta em sua entrevista para uma “estranha diversidade dentro da direita”, desmistificando a ideia de homogeneidade dos grupos que compõem essa vertente política. Para Bohoslavsky, a consonância entre as ideias liberais e conservadoras da direita se encontra no mesmo local de sua dissolução, ou seja, no debate sobre o comunismo. A similaridade dessas forças está na crença da existência de um suposto “perigo vermelho”, que deveria ser combatido. Sua discordância, entretanto, está no modo como esse combate deve ser feito.
O professor Gerardo Caetano, da Universidad de la República (Udelar), no Uruguai, encerra a série de vídeos explicando a conceituação dos termos “direita” e “esquerda”, vacilantes de acordo com o tempo e o espaço. Seguindo o mesmo argumento apresentado anteriormente por Stéphane Boisard, ele afirma que a negação de uma identificação com os conteúdos de esquerda e de direita, geralmente tende a ser feita por aqueles que se aproximam desse último espectro político. Caetano discorda da conceituação de Noberto Bobbio para esses termos e apresenta uma definição da direita atual como sendo antiliberal e, consequentemente, tendendo a ser antifeminista, antimulticulturalista e, até mesmo, xenófoba. Ele justifica que os discursos a favor da ditadura militar, muito presentes no Brasil dos dias de hoje, têm sua origem na perda de diálogo entre forças de direita e de esquerda na América Latina, decorrente de uma intensa polarização política.
As três entrevistas, portanto, discutem questões bastante importantes para a compreensão do atual cenário latino-americano e mesmo mundial. São também uma maneira de levar a um público mais amplo as discussões e pesquisas realizadas por importantes estudiosos do tema. Os vídeos da série foram produzidos pelas alunas da graduação da UFMG e participantes da Varia Historia, Debora Andrade, Vivian Maria Gomes e Jessica Santomauro, que também roteirizaram suas respectivas entrevistas. O material, assim como os demais vídeos já produzidos, encontram-se disponível no canal que o periódico mantém no YouTube. Os artigos mencionados, publicados pelos professores Stéphane Boisard e Ernesto Bohoslavsky, podem ser acessados, online, gratuitamente e em português, na plataforma SciELO ou pelo site da Varia Historia.
Referências
BOHOSLAVSKY, E. Os partidos de direita e o debate sobre as estratégias anticomunistas (Brasil e Chile, 1945-1950). Varia hist., v. 30, n. 52, p. 51-66, 2014. ISSN: 0104-8775 [viewed 8 November 2018]. DOI: 10.1590/S0104-87752014000100003. Available from: http://ref.scielo.org/xn37p9
BOISARD, S. Pensando as direitas na América Latina objeto científico, sujeitos e temporalidades?. Varia hist., v. 30, n. 52, p. 85-100, 2014. ISSN: 0104-8775 [viewed 8 November 2018]. DOI: 10.1590/S0104-87752014000100005. Available from: http://ref.scielo.org/hh2s29
Links externos
Varia Historia – VH: www.scielo.br/vh
Site Varia Historia – www.variahistoria.org
Canal Varia Historia – https://www.youtube.com/c/RevistaVariaHistoria
Facebook Varia Historia – https://www.facebook.com/variahistoria/
Twitter Varia Historia – https://twitter.com/variahistoria
Sobre Ernesto Bohoslavsky
Professor da Universidad Nacional de General Sarmiento e especialista em História da América Latina no século XX. Dedica-se ao estudo das ideologias de direita, dos partidos políticos e dos intelectuais na Argentina, Brasil e Chile a partir de uma abordagem transnacional. E-mail: ebohos@gmail.com
Sobre Stéphane Boisard
Doutor em história da América Latina Contemporânea e atualmente leciona na Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3, além e atuar em outras instituições de ensino e pesquisa francesas. E-mail: stephane.boisard@univ-jfc.fr
Sobre Gerardo Caetano
Doutor em história pela Universidad Nacional de La Plata e é professor da Universidad de la República, no Uruguai. Seus temas de pesquisa referem-se à história política e à história do Uruguai contemporâneo. E-mail: gcaetano50@gmail.com
Sobre Débora Andrade
Licenciada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária da revista Varia Historia. E-mail: deboracastrocunha@yahoo.com.br
Sobre Jéssica Santomauro
Licenciada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária da revista Varia Historia. E-mail: jsantomauro@live.com
Sobre Vivian Maria Gomes
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária da revista Varia Historia. E-mail: gomes.vivianmaria@gmail.com
Sobre Nathálya Ferreira
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária da revista Varia Historia. E-mail: n-ferreira@ufmg.br
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários