Os leitores dos leitores: a tradução como exercício de conhecimento da prosa de Machado de Assis

Tiago Seminatti, Assistente editorial da Machado de Assis em linha – revista eletrônica de estudos machadianos, São Paulo, SP, Brasil

A pesquisadora Flora Thomson-Deveaux, da Brown University, nos Estados Unidos, coteja três traduções do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e mostra como tal exercício é produtivo para evidenciar a dificuldade de atribuição de sentido imposta ao leitor pela prosa ficcional de Machado de Assis. No estudo “Reading Machado through the looking-glass: case studies from translations of Memórias Póstumas“, que integra a Machado de Assis em linha número 25, a autora do artigo mostra, com exemplos, que as divergências entre as traduções permitem aprofundar a compreensão do texto em português.

A pesquisadora examina passagens de Memórias Póstumas a partir das traduções que William L. Grossman (1952), E. Percy Ellis (1955) e Gregory Rabassa (1997) fizeram do romance e constata que as dificuldades interpretativas provenientes da abertura de sentidos do texto machadiano ficam mais evidentes quando, além de ler, pretende-se traduzir o texto. Por outro lado, sublinha que as ambiguidades e lacunas da ficção de Machado deixam ainda mais claro o fato de que cada tradução constitui uma diferente leitura do original, já que cada uma delas apresenta diferenças substanciais em relação às outras.

O alvo principal da análise de Thomson-Deveaux está nas passagens descritivas que, segundo nota, são exemplos da abertura do texto machadiano. Por isso, investiga como a caracterização de personagens femininas, com seus gestos e feições, são fontes perenes de ambiguidade, o que exemplifica por meio de passagens envolvendo Virgília, Eugênia, Marcela e Dona Plácida. Conforme a autora explica, a partir delas e diante de impasses interpretativos, os tradutores adotam diferentes estratégias e soluções cujo confronto ressalta a pluralidade de sentido da construção textual do narrador machadiano.

Por fim, a pesquisadora observa que a prosa de Machado opta por palavras pertencentes a um campo lexical amplo e que, uma vez inseridas em descrições concisas, induz a traduções divergentes. Seriam esses os pontos produtivos para uma compreensão mais aprofundada do texto original. Além disso, ressalta que outra dificuldade para a tradução da ficção machadiana advém da profusão de citações feitas pelo escritor, o que pode lançar luzes sobre o modo de composição do texto original. As citações não raro são modificadas por Machado e muitas vezes são ambíguas, colocando um problema para seus leitores e para os leitores de seus tradutores.

Referências

ASSIS, J. M. M. de. Epitaph of a small winner. Trans. William L. Grossman. New York: Noonday, 1952.

ASSIS, J. M. Posthumous Reminiscences of Braz Cubas. Trans. E. Percy Ellis. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1955.

ASSIS, J. M. The Posthumous Memoirs of Brás Cubas. Trans. Gregory Rabassa. New York: Oxford University Press, 1997.

Para ler o artigo, acesse

THOMSON-DEVEAUX, F. Reading Machado through the looking-glass: case studies from the translations of Memórias Póstumas. Machado Assis Linha, v. 11, n. 25, p. 96-111, 2018. ISSN: 1983-6821 [viewed 17 December 2018]. DOI: 10.1590/1983-6821201811256. Available from: http://ref.scielo.org/g3ysc5

Link externo

Machado de Assis em Linha – MAEL: www.scielo.br/mael

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SEMINATTI, T. Os leitores dos leitores: a tradução como exercício de conhecimento da prosa de Machado de Assis [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/02/27/os-leitores-dos-leitores-a-traducao-como-exercicio-de-conhecimento-da-prosa-de-machado-de-assis/

 

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