A questão da autoria em textos literários que circulam na internet

Nivana Silva, Doutoranda em Literatura e Cultura na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil

Os artigos publicados em “Autoria e cultura do presente”, dossiê publicado no n. 55 da Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea e organizado pelos professores Cristian Molina, Luciene Azevedo e Paloma Vidal, exploram a frequência com que os autores têm se transformado em personagens de si mesmos em diferentes obras do século XXI, recorrendo frequentemente a registros e gêneros que excedem o campo da especificidade artística. Nesse sentido, o artigo “Textos que dão voltas por aí: Borges, Katchadjian, obra e autoria na literatura contemporânea” de Rejane Cristina Rocha (2018), que analisa a polêmica em torno do livro “El aleph engordado”, do argentino Pablo Katchadjian, considera a web como um circuito que altera a produção da obra e a própria figura do autor. Rocha aposta que os circuitos de circulação do literário em contexto digital podem contribuir para questionarmos os conceitos de autoria, autor e obra na contemporaneidade, concluindo que os elementos que compõem esses circuitos têm seus significados alterados quando passam a existir em rede.

A hipótese de Rocha é comprovada a partir da análise de um caso cujo ponto de partida foi a publicação de “El aleph engordado”, de Pablo Katchadjian (2009), seguida do processo judicial impetrado por Maria Kodama, viúva de Jorge Luis Borges – autor de El aleph (1945) – e da criação da página no Facebook “Apoyo a Pablo Katchadijan”, movimento que vinculou-se ao já existente #YoBorges, site criado por Diego de la Fuente, em 2014.

Mesmo lançando mão dos posicionamentos de Roland Barthes, Michel Foucault e Roger Chartier sobre autoria, Rocha considera que a discussão do conceito, no contemporâneo, demanda especificidades que não estavam postas à época em que os teóricos franceses desenvolveram suas reflexões, ou seja, se por um lado suas obras sobre o tema são pontos de partida para a análise, por outro, devem ser colocadas à prova, exigindo do analista flexibilidade para a discussão sobre o tempo presente. Uma dessas especificidades é a tecnologia digital. Nesse contexto, pode ser improdutivo empregar as categorias críticas do pós-estruturalismo sem levar em conta que

o contexto digital e a cibercultura levam ao paroxismo tais questionamentos e rasuras, já que artistas plásticos, músicos, escritores e leitores adquirem, cada vez mais, possibilidades técnicas e posturas ideológicas que fazem com que o compartilhamento, os recortes, as montagens não sejam mais – talvez não apenas – procedimentos de rebeldia estética, mas o ramerrão da produção cultural da atualidade (ROCHA, 2018, p. 90).

Nesse sentido, a crítica sente-se desafiada diante de El aleph engordado, que amplia o conto borgiano de 4.000 palavras para 5.600 e deixa Katchadjian em uma “posição intermediária”, ou conforme ele mesmo afirma, “não ser eu nem ser Borges, isto é, não perdê-lo nem me perder. Sim, eu poderia deslizar às vezes mais para um ou outro lado, mas sem chegar a ser paródico” (KATCHADJIAN, 2009).

Como lembra-nos a pesquisadora, a empreitada do argentino faz ressoar não só a investida de Borges em “Pierre Menard, autor de Quixote”, mas também – e citando Beatriz Sarlo (2008, p. 21) – a reafirmação da necessidade de “reler Borges nos dias de hoje”, por ser ele um “escritor que, paradoxalmente, constrói sua originalidade por via da citação, da cópia, da reescrita de textos alheios, porque desde sempre pensa a escrita a partir da leitura e desconfia da representação literária do real”.

Para Rocha, uma reação contrária a esse posicionamento é o próprio processo movido por Maria Kodama contra Katchadjian, que o acusa de ter plagiado Borges. Em apoio ao autor de El aleph engordado, a página do Facebook e a reapropriação do site #YoBorges deram visibilidade aos escritores argentinos, colocando o conto de Borges “em novos espaços de circulação”, sendo lido, “muitas vezes, a partir de Katchadjian e desses novos espaços” (p. 83).

Confrontando a postura de Kodama e o que a pesquisadora denomina de “patrimonialização”, a análise reafirma o lugar da web enquanto circuito de circulação da literatura na contemporaneidade, motivando-nos a pensar nos modos como o digital pode afetar as noções de literatura, obra e autoria.

Referências

BORGES, J. L. El Aleph. Sur, Buenos Aires, 1945.

KATCHADJIAN, P. Entrevista a Juan Terranova. La tercera opini, n. 4, 2009. Available from: https://goo.gl/ZpZ6GC.

SARLO, B. Jorge Luis Borges: um escritor na periferia. São Paulo: Iluminuras, 2008.

Para ler o artigo, acesse

ROCHA, R. C. Textos que dão voltas por aí: Borges, Katchadjian, obra e autoria na literatura contemporânea. Estud. Lit. Bras. Contemp., n. 55, p. 73-93, 2018. ISSN: 1518-0158 [viewed 2 June 2019] DOI: 10.1590/10.1590/2316-4018555. Available from: http://ref.scielo.org/3xpwn3

Para ler os artigos desse dossiê, acesse

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=2316-401820180003&lng=pt&nrm=iso

Links externos

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Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea – www.gelbc.com 

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SILVA, N. A questão da autoria em textos literários que circulam na internet [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/06/25/a-questao-da-autoria-em-textos-literarios-que-circulam-na-internet/

 

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