Além dos limites da indexação, a questão da produção científica brasileira

Asy Pepe Sanches Neto, Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI-UFF), Niterói, RJ, Brasil

Thaiane Oliveira, Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF), Niterói, RJ, Brasil

O atual contexto político, social e acadêmico e a própria Ciência Aberta têm acentuado a necessidade de avaliarmos o funcionamento científico atual para que possamos avançá-lo.  Esta é uma discussão trazida por Rogério Mugnaini em colaboração com Rafael Jeferson Pezzuto Damaceno, Luciano Antonio Digiampietri e Jesús Pascual Mena-Chalco, em artigo sobre o “Panorama da produção científica do Brasil além da indexação: uma análise exploratória da comunicação em periódicos”, publicado na Transinformação (v. 31). Os autores discutem que grandes bases de dados são, no atual cenário, muitas vezes a principal forma de observar e avaliar a ciência brasileira e expõem que isso representa um verdadeiro problema para a avaliação e observação científica, sobretudo pela amplitude dos tipos e locais de publicação realizada pelos pesquisadores do país. Em diálogo com os trabalhos de Beigel (2014), Rafols (2017) e Sivertsen (2019), os autores buscaram expor, por meio da dispersão da produção de doutores brasileiros, que a ciência brasileira deve ser observada por lentes que consigam abranger as discussões estabelecidas em espaços alheios à corrente principal. Rogerio Mugnaini é estatístico e possui mestrado e doutorado em Ciência da Informação. Durante sua trajetória acadêmica, coordenou projetos de pesquisa nacionais e internacionais e publicou artigos, livros e capítulos sobre bibliometria, cientometria, avaliação da produção científica nacional, indicadores, fontes de informação e política científica.

 

1. Você aponta que o problema do acesso representou grandes dificuldades para pesquisadores de países não-centrais, que apesar de se beneficiarem do formato eletrônico para a disponibilização de conteúdos em ambientes digitais, se depararam com outras barreiras. Que barreiras seriam essas?

As barreiras eram os preços das assinaturas dos periódicos, que configuraram a crise dos mesmos, evidenciando uma mudança radical no modelo. O Acesso Aberto é o início dessa mudança, que até o momento busca viabilizar o acesso por diversas vias, contudo a barreira é ainda significativa. Atualmente no Brasil é minimizada pelas assinaturas de grandes pacotes editoriais, mas ainda persiste em muitos dos países não-centrais.

2. A Ciência Aberta pode romper com essas barreiras?

Considerando que o próprio Acesso Aberto é parte deste movimento maior, que engloba a ciência como um todo, pode-se dizer que já vem influenciado este processo de enfraquecimento de barreiras. Instituições importantes vêm forçando a adesão ao Acesso Aberto, e a Ciência Aberta, que olha além da publicação dos resultados, instala um ambiente favorável, que estimula essas ações institucionais, se consubstanciando em mandatos e políticas.

3. Como vocês enxergam a prevalência de bases comerciais de indexação nas nossas políticas de avaliação de periódicos da Capes?

A relevância dessas bases é inquestionável, por isso é de se esperar que seja assim. E a razão principal é sua seletividade e a disponibilidade de indicadores de citação. Por um lado, seus critérios de seleção precisam ser melhor compreendidos, no sentido de evidenciar as razões específicas de determinado periódico não ser aprovado. Por outro os indicadores que oferecem poderiam ser adaptados, de modo a mensurar a produção nacional de forma mais adequada, mas isto exigiria investimento do país, para acessar os dados brutos das bases.

4. Quais são as consequências da presença dessas bases comerciais em nossas políticas de avaliação de periódicos do país?

A centralização de periódicos de língua inglesa, das editoras comerciais hegemônicas, e o estabelecimento de dois aspectos questionáveis relacionados ao impacto medido por citações: de que o impacto se evidencia em curto período de tempo (ou só importa o impacto rápido); e a ideia de que a publicação em periódicos em alto impacto é garantia de impacto da pesquisa brasileira (ou que o aceite de um manuscrito em periódico de maior impacto é evidência de maior qualidade da pesquisa, do que quando aceito em periódico de menor impacto, pelo simples fato de, como alguns pesquisadores das ciências naturais afirmam, a concorrência ser maior).

5. É possível pensar em avaliações alternativas para os periódicos que se afastem do modelo predominante de presença ou de métricas fornecidas por essas bases de indexação comerciais? Se sim, quais seriam esses caminhos possíveis?

Como especialista em indicadores bibliométricos, eu diria que é preciso investimento para proposição de novos indicadores, tanto para melhor uso de fontes brasileiras (como SciELO e Plataforma Lattes), quanto para uso dos dados brutos de citações, das bases comerciais. Este aspecto também é mencionado no artigo, que tão pouco deixa de sinalizar que fontes como Dimensions, que sinaliza novas possibilidades, mas deve ser testada pela comunidade especialista. Ao meu ver, este é um ponto importante: há um descompasso entre os resultados de pesquisa desta comunidade e a política científica. Mas este tipo de distância não é novidade nos vários setores do mundo da política, sendo usualmente um aspecto claramente limitador das mesmas.

Referências

BEIGEL, F. Publishing from the periphery: Structural heterogeneity and segmented circuits: The evaluation of scientific publications for tenure in Argentina’s CONICET. Current Sociology, v. 62, n. 5, p. 743-765, 2014. e-ISSN: 1461-7064 [viewed 11 November 2019]. DOI: 10.1177/0011392114533977. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0011392114533977? journalCode=csia

RAFOLS, I. Rumo a indicadores para ‘abertura’ de políticas de ciência e tecnologia. In: MUGNAINI, R.; FUJINO, A.; KOBASHI, N. Y. (Org.). Bibliometria e cientometria no Brasil: infraestrutura para avaliação da pesquisa científica na Era do Big Data. São Paulo: ECA/USP, 2017.

SIVERTSEN, G. Understanding and evaluating research and scholarly publishing in the Social Sciences and Humanities (SSH). Data and Information Management, v. 2, n. 3, p. 1-11, 2019. ISSN: 2543-9251 [viewed 11 November 2019]. DOI: 10.2478/dim-2019-0008. Available from: https://content.sciendo.com/configurable/contentpage/journals$002fdim$ 002f3$002f2$002farticle-p61.xml

Para ler o artigo, acesse

MUGNAINI, R. et al. Panorama da produção científica do Brasil além da indexação: uma análise exploratória da comunicação em periódicos. Transinformação, v. 31, e190033, 2019. ISSN: 0103-3786 [viewed 11 November 2019]. DOI: 10.1590/2318-0889201931e190033. Available from: http://ref.scielo.org/qj3cn9

Link externo

Transinformação – TINF: www.scielo.br/tinf

Sobre Asy Pepe Sanches Neto

Asy Pepe Sanches Neto

Asy Pepe Sanches Neto

Asy Pepe Sanches Neto é Doutorando e Mestre em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI-UFF). Integrante do Grupo de Pesquisa Integridade da Pesquisa, ética da ciência e da informação. E-mail: asy.sanches@gmail.com

Sobre Thaiane Oliveira

Thaiane Oliveira

Thaiane Oliveira

Thaiane Oliveira é professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF), coordenadora do Laboratório de Investigação em Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação (Cite-Lab/UFF) e do Fórum de Editores e Comunicação Científica (Foco/UFF), ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da universidade (Proppi/UFF). É também organizadora da conferência anual LATmetrics: métricas alternativas e Ciência Aberta na América Latina. E-mail: thaianeoliveira@id.uff.br

Sobre Rogério Mugnaini

Rogerio Mugnaini

Rogerio Mugnaini

Rogerio Mugnaini é estatístico e possui mestrado e doutorado em Ciência da Informação. Compõe o corpo docente do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), é membro filiado da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) e International Society for Scientometrics and Informetrics (ISSI). Exerceu atividade profissional na BIREME/OPAS/OMS (2003-2009), tendo desenvolvido o Módulo de Bibliometria do Projeto SciELO. E-mail: rogerio.mugnaini@gmail.com

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NETO, A. P. S. and OLIVEIRA, T. Além dos limites da indexação, a questão da produção científica brasileira [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/12/04/alem-dos-limites-da-indexacao-a-questao-da-producao-cientifica-brasileira/

 

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