Anna Cristina Rodopiano de Carvalho Ribeiro, Doutoranda do Programa de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), São Paulo, SP, Brasil.
Maria Cristina da Costa Marques, Docente do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), São Paulo, SP, Brasil.
André Mota, Docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, SP, Brasil.
O estudo trata da passagem da epidemia de Gripe Espanhola na cidade de Botucatu (interior paulista), à época conhecida como “Terra dos Bons Ares” e “Capital da Boca do Sertão” e os desafios para o levantamento de vestígios históricos durante a construção historiográfica. Na busca pela conformação da assistência local aos enfermos e suas particularidades no processo de coletivização da saúde, na Primeira República, a pesquisa foi desenvolvida entre os anos de 2018 e 2019 em meio a acervos fragmentados e com materialidade comprometida, desvendando arranjos e tensões entre a Igreja Católica, Maçonaria e Partido Republicano Paulista (PRP) no socorro aos gripados, desconstruindo mitos de origem e contextualizando singularidades regionais.
Fruto da pesquisa de mestrado de Anna Cristina Rodopiano (2020), o artigo “A gripe espanhola pela lente da história local: arquivos, memória e mitos de origem em Botucatu, SP, Brasil, 1918”, publicado no periódico Interface — Comunicação, Saúde, Educação (vol. 24), discute os lugares produtores da memória e como a seleção e a articulação do passado refletem o que se pretende preservar em torno de discursos e representações locais pelos aparelhos de poder. Flagra, nesse jogo dialético entre o passado que não cessou, mas que se presentifica no poder dos arquivos e da memória coletiva, as representações e as expectativas sobre a ordem da cidade e a saúde do corpo, nesse espaço-tempo, possibilitando o surgimento de narrativa regional sobre a epidemia de Gripe Espanhola em suas peculiaridades e estratagemas.
A localização de sentidos e usos para as alcunhas de “Terra dos Ares” e de “Capital da Boca do Sertão” como cordão sanitário e distinção do território botucatuense com o da limítrofe zona noroeste que, se por um lado, encontrava-se tomada por doenças como malária e leishmaniose, por outro, estava em franca exploração e extermínio de indígenas para a ocupação de uma nova elite regional, permitiu a desconstrução de mitos de origem. Ao mesmo tempo, ao historicizar a conjuntura e as respostas sociais à epidemia de Gripe Espanhola em Botucatu, foi possível deslindar contínuas negociações no embate cotidiano entre Igreja Católica, Maçonaria e PRP pela oferta assistencial aos pobres e enfermos da cidade, em período marcado pela formação do Estado Nacional e pelos contornos ainda incipientes de uma proteção social. Considerando a corporeidade relacional com o contexto sócio-histórico vivido, o vasto levantamento documental se mostrou imprescindível não só para o entendimento de arranjos singulares no socorro local aos gripados, mas também ao lugar da saúde e do campo médico, filantrópico e caritativo no esquadrinhamento da cidade e dos corpos pela ação assistencial, entendida como prática social.
Em momento onde se debate atividades essenciais do Estado e garantias sociais em plena emergência sanitária pela pandemia COVID-19, entende-se imprescindível a historicidade dos fenômenos epidêmicos em suas respostas sociais, estratégias e de políticas públicas.
A seguir, assista ao vídeo de Anna Cristina Rodopiano ampliando a discussão do estudo histórico.
Referências
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Para ler o artigo, acesse
RIBEIRO, A.C.R. de C.; MARQUES, M.C. da C. and MOTA, A. A gripe espanhola pela lente da história local: arquivos, memória e mitos de origem em Botucatu, SP, Brasil, 1918*. Interface (Botucatu) [online]. 2020, vol. 24, e190652. ISSN: 1414-3283 [viewed 8 April 2020]. DOI: 10.1590/interface.190652. Avaliable from: http://ref.scielo.org/r2w4xf
Links externos
Interface – Comunicação, Saúde, Educação – ICSE: www.scielo.br/icse
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