A importância da metalepse na ficção de Machado de Assis

Tiago Seminatti, Assistente editorial da Machado de Assis em Linha – revista eletrônica de estudos machadianos, São Paulo, SP, Brasil.

Imagem: Arquivo MAEL

Sara Grünhagen, pesquisadora da Université Sorbonne Nouvelle, apresenta em “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa”: metalepse em Machado de Assis” publicado no periódico Machado de Assis em linha (vol. 13, no. 29), uma reflexão acerca da metalepse – recurso que consiste em orientar o leitor a não proceder de determinada maneira, motivando-o a fazer o contrário –, na ficção de Machado de Assis. A partir da análise de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), ela conclui que o narrador machadiano dialoga explicitamente com certa linhagem da tradição literária europeia, para revelar os bastidores da ficção e chamar à cena um leitor que, entretanto, não corresponde àquele convocado pela forma romanesca que lhe serviu de modelo.

No ensaio, Grünhagen parte de um interesse pelas interações com o leitor efetuadas pelo narrador machadiano para analisar o que classifica como metalepse. O procedimento opera como “uma espécie de placa de sinalização que aponta para algum elemento do caminho que, do contrário, poderia passar despercebido” (p. 191). Assim, amparada pelos teóricos Gérard Genette (2004) e Marie-Laure Ryan (2005), Grünhagen mostra que Machado de Assis, por meio desse recurso metaficcional, inclui o leitor na narração para expor o maquinário dela, chamando a atenção para o que há de artifício na ficção.

A pesquisadora concentra sua atenção fundamentalmente em Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), analisando como esse romance retoma a tradição narrativa que convoca o leitor à cena e também explicitando a filiação da obra a autores mencionados nela, como Laurence Sterne (1713-1768), Xavier de Maistre (1763-1852) e Almeida Garrett (1799-1854). Todos eles, conforme Grünhagen observa, constituem uma linhagem de escritores que estabelecem certo tipo de narrativa metarreferencial em que o leitor ocupa espaço significativo e que coloca em questão os limites do gênero romanesco.

Por meio de uma articulação com a obra de autores tidos como referência para Machado, Grünhagen defende que a metalepse presente na ficção machadiana recupera o modelo europeu e vai além dele, uma vez que o autor lida criticamente com as questões de sua época e lugar: “a figura metaléptica do leitor em Memórias póstumas é um elemento-chave que marca esse diálogo que Machado estabelece com a sociedade e a cultura de seu tempo, mas também com a tradição que ele admira e reinventa e ainda com uma posteridade que ele só pode prever e que já deseja provocar” (p. 199).

Referências

GENETTE, G. Métalepse: de la figure à la fiction. Seuil: Paris, 2004.

RYAN, M. L. Logique culturelle de la métalepse ou la métalepse dans tous ses états. In: PIER, J. and SCHAEFFER, J.-M. (orgs.). Métalepses: entorses au pacte de la représentation. Paris: Éd. de l’EHESS, 2005. p. 201-223.

Para ler o artigo, acesse

GRUNHAGEN, S. “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa”: metalepse em Machado de Assis. Machado Assis Linha [online]. 2020, vol. 13, no. 29, pp. 190-200, ISSN: 1983-6821 [viewed 21 July 2020]. DOI: 10.1590/1983-68212020132914. Available from: http://ref.scielo.org/rkdsh5

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

SEMINATTI, T. A importância da metalepse na ficção de Machado de Assis [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/08/06/a-importancia-da-metalepse-na-ficcao-de-machado-de-assis/

 

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