Elizabeth de Assis Dias, docente do Curso de Graduação em Filosofia e do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém-PA, Brasil
Questões éticas, que envolvem a ciência, têm preocupado cada vez mais, os filósofos contemporâneos, devido o avanço das pesquisas científicas e a ampliação do âmbito de aplicação dos conhecimentos resultantes dessas pesquisas. Dentre essas questões encontramos as que procuram indagar sobre os fins dessas pesquisas, suas consequências, os valores que as norteiam e a responsabilidade dos cientistas com relação aos resultados e aplicações de suas pesquisas.
São comuns indagações, tais como: Os cientistas devem ser livres para escolher o que devem pesquisar? Que valores norteiam suas escolhas? Deve-se impor limites à pesquisa científica, considerando-se certas consequências que pode produzir? Os cientistas podem desenvolver pesquisas envolvendo seres humanos? As pesquisas científicas devem ser reguladas por algum código de ética? Quais são as responsabilidades dos cientistas pelas consequências de suas pesquisas?
Essas questões, dentre outras, nos levam a pensar em uma “ética aplicada” à ciência. Tal ética como bem definiu Adela Cortina, deve ser vista da perspectiva de um “marco de aplicação” e tem a pretensão de estabelecer valores, princípios e procedimentos que os diferentes indivíduos, que se encontram nos limites estabelecidos por esse marco, deverão ter por referência para fazer suas escolhas. Mas, antes de tomarem suas decisões devem avaliar as consequências destas, nas situações concretas que serão afetadas por elas (CORTINA, 2008, p. 167).
Essa “ética aplicada”, ao considerar as consequências das decisões, pressupõe as responsabilidades que podem ser imputadas aos sujeitos por suas escolhas. O artigo Ciência e ética em Popper: a ética da responsabilidade dos cientistas, de minha autoria, recentemente publicado na Trans/form/ação, vol. 44, no. 3 de 2021, procura mostrar através das reflexões do filósofo austríaco Karl Popper, como a filosofia pode pensar uma “ética aplicada à ciência”.
A pretensão é evidenciar, no pensamento do filósofo, uma ética da responsabilidade dos cientistas, alicerçada na ideia de liberdade de escolha e nos compromissos com as decisões tomadas, considerando que estas foram pautadas por certos objetivos, valores e princípios éticos deliberados por eles. E para concretizar tal objetivo, a autora se propõe a analisar algumas obras do filósofo de modo a trazer à tona essa ética da responsabilidade.
Em alguns desses escritos identifica tal ética, esboçada de uma forma incipiente, relacionada a uma lógica da investigação e, em outros, de uma forma mais elaborada, ao tratar dos compromissos e responsabilidades dos cientistas. Considera que a ética, a qual o filósofo vislumbra para a ciência é uma versão atualizada do juramento de Hipócrates.
A autora vem desenvolvendo pesquisas sobre o pensamento do filósofo Karl Popper e recepção de seu pensamento, ao longo de vários anos, junto à Universidade Federal do Pará. A pesquisa que resultou no artigo em questão, é fruto de suas preocupações acerca dos vínculos do filósofo austríaco com o pensamento iluminista, que floresceu no século XVIII, e seu ideal de autolibertação por meio do saber. Nesse sentido é importante ressaltar que algumas ideias herdadas da filosofia das luzes, como as de autonomia, liberdade, critica, falibilismo e tolerância, foram incorporados a sua ética da responsabilidade.
O estudo deixa evidente que ciência e ética estão, intimamente, relacionadas. E que a “ética aplicada” à ciência envolve a liberdade de escolha dos cientistas, o que os torna responsáveis pelas decisões tomadas. Essa responsabilidade diz respeito, não apenas aos procedimentos de pesquisa que decidem utilizar, mas também, aos resultados e aplicações futuras dos conhecimentos produzidos.
Desta forma, os cientistas têm grandes responsabilidades éticas face às pesquisas que desenvolvem, aos direcionamentos dados as mesmas, bem como, às aplicações técnicas que delas decorrem. Suas responsabilidades resultam do fato de que são os únicos capazes de perceber as consequências e implicações de suas descobertas, seja para o bem ou para o mal.
Um exemplo, típico de pesquisa, que trouxe grandes malefícios para a humanidade, foi o Projeto Manhattan, que possibilitou a criação da bomba atômica, coordenado pelo físico americano Julius Robert Oppenheimer. Essas pesquisas tiveram por base os estudos de Albert Einstein, que se mostraram fundamentais para o desenvolvimento da energia atômica. Assim, os cientistas, ao produzirem determinados conhecimentos, devem ter consciência das responsabilidades que terão que assumir face as suas aplicações e não podem se eximir delas, na medida que podem prever os perigos que corre a humanidade, se determinados tipos de pesquisas forem realizadas.
Por fim, o artigo conclui que essa ética da responsabilidade, que o filósofo Karl Popper propõe, requer do cientista um compromisso com a humanidade. Assim, os cientistas têm autonomia para decidir que pesquisas desejam efetuar, como realizá-la e que aplicações decorrem dela, mas ao fazê-lo devem ter em vista que sua grande responsabilidade é para com a humanidade, pois devem ter por fim o alívio do sofrimento e tornar o mal evitável.
Esse dever ético não se restringe ao momento presente, mas tem uma projeção para o futuro, pois os cientistas devem se preocupar também, com as consequências que suas descobertas podem vir a causar para a humanidade, futuramente. É importante salientar que as reflexões apresentadas no estudo são bastante atuais, dão margem a grandes debates sobre a questão das relações entre ciência e ética e continuam abertas a novas abordagens. Encontramos, estudos sobre essa mesma linha de investigação em Hans Jones, filósofo alemão, conhecido por sua obra O principio da responsabilidade.
Referência
CORTINA, A. Ética aplicada e democracia radical. Madrid: Editorial Tecnos, 2008
Para ler o artigo, acesse
DIAS, E. A. Ciência e ética em Popper: a ética da responsabilidade dos cientistas. Trans/Form/Ação[online]. 2021, vol. 44, no. 3, pp. 81-100 [viewed 9 November 2021]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2021.v44n3.06.p81. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/BFhWzkbPhWFLCHd8YgQBYNw/?lang=pt
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