Joao Queiroz, Professor do Instituto de Artes, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.
Ana Luiza Fernandes, Pesquisadora, Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Marta Castello-Branco, Professora do Departamento de Música, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.
POETAMENOS é uma série de seis poemas plurilíngues e policromáticos publicados por Augusto de Campos, a partir de 1952 (ver “dias dias dias” e “lygia fingers”, abaixo). Não se deve subestimar sua importância, que é enorme, e ainda mal avaliada. Trata-se do mais importante precursor do concretismo no Brasil, o movimento artístico-literário mais relevante, entre nós, e até nossos dias, desde a Semana de Arte Moderna, de 1922.
A série de poemas não inova apenas com relação aos protocolos mais experimentais de construção e apresentação visuais. Ela também inaugura novos padrões de oralização. Aguilar (2005, p. 182) afirma, de modo muito preciso, que a série foi a que chegou mais longe, ao “propor uma leitura a várias vozes e ‘cores’ e com cortes abruptos e dissonâncias que escapavam a toda preceptiva poética”.
POETAMENOS é uma adaptação, ou uma tradução (transcriação) intersemiótica, da melodia de timbres (Klangfarbenmelodie) do compositor austríaco Anton von Webern (1883-1945). Proposta por Arnold Schoenberg (1874-1951), a melodia de timbres surge de uma notável desvalorização do timbre, em comparação com outros elementos musicais (ritmo, melodia, harmonia). A exploração de novos usos do timbre acontece no contexto da música serial, especialmente por seus alunos, entre eles, Webern.
Webern fornece, à uma certa “linha evolutiva” defendida pelos poetas concretistas, um método e um modelo criativos bastante rigorosos. É muito mencionado que a Escola de Ulm, os experimentos de Max Bill, o neoplasticismo de Mondrian, tiveram este papel. Mas há um componente adicional, na relação com Webern, que é mais “orgânico” no caso da música, que é um “fetiche da técnica” — os ensaios concretistas “estão sempre organizados em torno de uma revisão das técnicas e procedimentos” (AGUILAR, 2005, p. 180).
POETAMENOS está relacionado ao fim do que é chamado de “ciclo histórico do verso”, do verso como principal artefato cognitivo (ou tecnologia cognitiva) de design e construção do poema. O verso, como unidade formal e ideológica, e a própria sintaxe discursiva, são abandonados. As palavras, impressas em diferentes cores, criam complexas estruturas gráfico-espaciais.
O artigo que publicamos na ALEA – Estudos Neolatinos, Poetamenos, de Augusto de Campos: uma transcriação intersemiótica da Klangfarbenmelodie, de Anton Von Webern, é sobre esta série de poemas.. A série de poemas revela uma tensão radical entre som e silêncio, através de diversos recursos — por meio da espacialização sintática da superfície da página, da pontuação não-ortodoxa, da fragmentação, dispersão e acúmulo de letras, sílabas e estruturas lexicais extraídas de muitas línguas e de diversas tradições literárias. Ela também revela o rigor formal e metodológico elaborado e exercido por Webern em sua pequena, mas fundamental, obra. Finalmente, os poemas revelam os efeitos e as consequências do serialismo weberniano, nos anos 1950, cuja entrada no Brasil deve-se ao professor, flautista e compositor Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005).
Nós concluímos o artigo sugerindo que o uso de procedimentos gráfico-espaciais, plurilíngues e policromáticos não possui uma precisa correspondência com os componentes composicionais do serialismo, nem com qualquer das obras de Webern, em particular, como muitos autores tem defendido nos últimos anos.
Este artigo é resultado de mais uma pesquisa do Iconicity Research Group. Temos investigado o fenômeno da tradução intersemiótica, em diversos domínios — dança, video-dança, música eletrônica, literatura, fotografia, ilustração. Em diversos artigos (ver abaixo), exploramos a ideia de que a tradução intersemiótica funciona, em muitas escalas temporais, como um poderoso artefato cognitivo, ou como um implante cognitivo, destinado a estender, ou apoiar, a criatividade.
Leia mais
AGUIAR, D. and QUEIROZ, J. From Gertrude Stein to dance: repetition and time in intersemiotic translation. Dance Chronicle [online]. 2015, vol. 38, no. 2, pp. 204-232 [viewed 18 January 2022]. https://doi.org/10.1080/01472526.2015.1043801. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01472526.2015.1043801
AGUILAR, G. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo: Edusp, 2005.
QUEIROZ, J. and ATÃ, P. Intersemiotic translation as an abductive cognitive artifact. In: MARAIS, K. and MEYLAERTS, R. (ed.) Complexity Thinking in Translation Studies: Methodological Considerations. London: Taylor & Francis, 2018.
QUEIROZ, J. and ATÃ, P. Intersemiotic translation, cognitive artefact, and creativity. Adaptation [online]. 2019, vol. 12, no. 3, pp. 298–314 [viewed 19 January 2022]. https://doi.org/10.1093/adaptation/apz001. Available from: https://academic.oup.com/adaptation/article-abstract/12/3/298/5433410?redirectedFrom=fulltext
QUEIROZ, J., et al. From Webern’s serialism to concrete poetry — Intersemiotic translation as a generative, anticipative, and metasemiotic tool. Perspectives: Studies in Translation Theory and Practice [online]. 2021, pp. 1-25 [viewed 18 January 2022]. https://doi.org/10.1080/0907676X.2021.1990368. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/0907676X.2021.1990368
SALIMENA, M. and QUEIROZ, J. Intersemiotic translation of El libro de los Seres Imaginarios. Chinese Semiotic Studies [online]. 2015, vol. 11, no. 4, pp. 419-431 [viewed 19 January 2022]. https://doi.org/10.1515/css-2015-0024. Available from: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/css-2015-0024/html
Para ler o artigo, acesse
QUEIROZ, J., FERNANDES, A.L. and BRANCO, M.C. Poetamenos, de Augusto de Campos: uma transcriação intersemiótica da Klangfarbenmelodie, de Anton Von Webern. Alea: Estudos Neolatinos [online]. 2021, vol. 23, no. 3, pp. 249-275 [viewed 18 January 2022]. https://doi.org/10.1590/1517-106X/2021233249275. Available from: https://www.scielo.br/j/alea/a/5NRhQgPYDj5fqWyGq6ThsYp/?lang=pt
Link(s)
João Queiroz – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6978-4446
Revista Alea UFRJ – Twitter: https://twitter.com/RevistaAleaUfrj
Grupo de pesquisa Iconicity Group: Site, Instagram
Alea Estudos Neolatinos – ALEA: https://www.scielo.br/j/alea
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