Ádamo B. E. da Veiga, Estagiário de Pós-Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
O artigo O Fascismo Transindividual procura mobilizar as filosofias do transindividual na compreensão do fascismo enquanto movimento de subjetivação política, pessoal, social e afetiva. As filosofias do transindividual, como aquelas desenvolvidas por Étienne Balibar, Vittorio Morfino e Jason Moore, entre outros, negam a disjunção parte-todo, indivíduo e sociedade – ambos os polos se constituem imanentemente um ao outro a partir precisamente do transindividual enquanto aquilo que é, ao mesmo tempo, produção do indivíduo e do campo social.
A fim de aplicar este referencial teórico ao problema do fascismo, recorremos à filosofia política de Deleuze e Guattari. No pensamento dos autores, encontramos o desejo como transindividualidade, anterior e produtor em relação aos indivíduos e às formações sociais. Somos produzidos pelo desejo, tal como o mundo em que vivemos e a sociedade que habitamos e nos habita. O fascismo, assim, seria um fenômeno no nível do desejo: o desejo que, desejando a sua própria repressão, torna-se um niilismo realizado, paixão de abolição e da destruição do outro e de si mesmo.
A pesquisa que resultou no presente artigo foi resultado de um Estágio de Pós-Doutorado realizado na PUC-Rio sob supervisão do prof. Rodrigo Guimarães Nunes. A metodologia utilizada foi a revisão de bibliografia com uma análise do conceito de transindividualidade a partir dos autores mais importantes desta corrente filosófica a fim de aplicá-lo à compreensão do fascismo em Deleuze e Guattari.
Como conclusão, identificamos na filosofia política de Deleuze e Guattari uma compreensão transindividual da vida política e social e uma teoria transindividual do fascismo. Para os autores, o desejo é produção e criação imanente: a produção coextensiva àquilo que é produzido. Esta criação, ainda que imanente, excede tudo que ela mesmo cria, impedindo que o desejo se cristalize em definitivo em uma formação social ou individual. A linha de fuga, assim, é o conceito mobilizado para expressar este excesso do desejo em relação ao mundo que ele produz: a diferença sempre retorna, arrastando as identidades individuais e coletivas em direção à novidade.
Figura 1. “Uninvited Guest” – Edvard Munch, 1932-1935, Museu Munch, Oslo/Noruega.
O fascismo, enquanto movimento do desejo, é a linha de fuga revertida e traída: o fascismo segue a linha de fuga em uma revolução conservadora, que quer destruir este mundo para fazer, das suas ruínas, emergir um novo mundo identificado a um passado glorioso ou a valores eternos. Mas, se revolucionário, o fascismo nega a criação do desejo no próprio desejo, colocando sua potência de criar e produzir a serviço do Mesmo e do Semelhante, de valores postos como eternos na memorabilidade de um passado a ser resgatado a todo custo.
E, assim, ao colocar a criação a serviço da conservação, a diferença revolucionária a serviço da identidade, o fascismo reverte a linha de fuga e faz dela, a linha de morte. Destruir o mundo, em um horizonte ilimitado: vontade de tudo matar e morrer. Eis o fascismo: desejo que se volta contra si, a produção do novo a serviço do mesmo, a potência da vida à serviço da morte. Suicídio generalizado.
A compreensão transindividual do fascismo coloca questões desafiadoras. Se o fascismo é desejo, anterior e produtor de subjetividades individuais e sociais, ele permanece, mesmo que seus líderes não sejam eleitos, sejam presos ou se exilem; ele permanece, mesmo que o mundo colapse, mesmo que os líderes e políticos fascistas nada entreguem além da simples destruição.
Como combater o desejo fascista, como combater isto que circula para além do cálculo e do interesse, para além da consciência e das representações? Como combater a vontade de tudo destruir? Como impedir que o niilismo fascista, por fim, se realize? Deleuze e Guattari escrevem que esta linha de fuga revertida é o pior dos perigos, o “grande desgosto” – e, décadas depois, este perigo continua atual.
Referências
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Para ler o artigo, acesse
https://doi.org/10.1590/0101-3173.2022.v45n1.p39
https://www.scielo.br/j/trans/a/wt5MStWgsLhq5XPdLrxjGzf/
Links externos
Trans/Form/Ação – TRANS: https://www.scielo.br/j/trans
Site da Trans/formação: Revista de Filosofia: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/transformacao
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