Marlon Dalmoro, professor do Programa de Pós-graduação em Sistemas Ambientais Sustentáveis, Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, RS, Brasil.
Abandonar o consumo de um alimento em virtude dos riscos associados à saúde ou ao meio-ambiente parece ser uma escolha simples e inerentemente concentrada no consumidor. Contudo, quando tentamos parar de beber refrigerantes ou mesmo adotar uma dieta vegetariana e, essas escolhas demonstram ser mais complexas do que parecem.
A pesquisa Agency of Objects in the Food Consumption Abandonment realizada por Marlon Dalmoro e Ivana Graziele Gregory da Universidade do Vale do Taquari e publicada na Revista de Administração Contemporânea ouviu consumidores que abandonaram o consumo de refrigerantes e carnes para entender como estes objetos exercem influência neste processo. O estudo identificou que parar de consumir determinado alimento não é uma mera decisão individual, mas implica no rompimento de uma relação processual entre os alimentos e os consumidores que pode assumir diferentes níveis de complexidade de acordo com o alimento em questão.
Os pesquisadores tomaram como ponto de partida uma perspectiva teórica, oposta àquela predominante na área de marketing, interessada em estudar o porquê do consumo de determinado alimento. Neste estudo, adotou-se a lente teóricas do “anticonsumo” para estudar as motivações e estímulos que levam os indivíduos a rejeitar o consumo.
O primeiro ponto que ficou evidente na rejeição do consumo de alimentos é o fato de que as características nutricionais e de produção dos alimentos industrializados funcionam como gatilhos para o abandono. Assim, o abandono inicia quando o consumidor reconhece que alguma característica do alimento passa a impactar de forma negativa sua vida, outros seres vivos e a natureza. Para mitigar esse impacto, os consumidores adotam práticas de abandono na tentativa de romper com a relação processual e os efeitos desses objetos em suas vidas e na natureza.
Contudo, um segundo ponto identificado no estudo demonstra que a consciência de que algum alimento não é saudável pelo excesso de açúcar ou de gordura, ou mesmo que a produção de determinado alimento causa maior impacto ambiental do que o consumo de substitutos, não significa que o consumidor consiga abandonar o consumo desse tipo de alimento.
Esse ponto intrigou os pesquisadores, especialmente pelo fato de que a literatura da área de consumo responsável tende a apontar os consumidores como os únicos responsáveis (e capazes) por realizar melhores escolhas para si e para o meio-ambiente. Ao confrontar as explicações dadas pelos consumidores entrevistados com perspectivas teóricas contemporâneas que reconhecem que os objetos estão interconectados com os indivíduos em uma espécie de rede, foi possível reconhecer que o abandono não é uma mera decisão do consumidor. Os objetos possuem agência nesta rede, ou seja, produzem efeito na rede e reduzem a capacidade de indivíduos em agirem independentemente e fazerem suas próprias escolhas livremente.
As conclusões indicam que a capacidade de agência dos alimentos se constitui numa relação processual com os consumidores, ou seja, o objeto em si não tem agência, mas os alimentos passam a exercer influência nos consumidores quando criam uma relação. Assim, para abandonar o consumo de alimentos indesejados, como, por exemplo, os não-saudáveis, é preciso reconfigurar a relação que o consumidor tem com o alimento. Nesse sentido, alguns alimentos, como o refrigerante, são abandonados facilmente por não operarem numa relação ideológica. Basta substituir o refrigerante por um suco ou água. Agora, alimentos como a carne envolvem uma relação cultural, o seu abandono representa a quebra de um sistema relacional que se sustenta ao redor daquele alimento.
Esta relação pode ser visualizada quando observamos a dificuldade de ir a um churrasco e não comer carne, dado que naquele local a carne possui centralidade tanto na refeição quanto na própria socialização durante o evento. A explicação para a complexidade no abandono de alguns alimentos está na relação ideológica que estes alimentos estabelecem com os consumidores. O seu abandono exige dos consumidores práticas capazes de romper com a centralidade daquele objeto na rede, construindo uma nova relação ideológica.
O estudo permite avançar na compreensão das dificuldades que os consumidores têm em abandonar um determinado produto. Isso gera uma série de implicações em porque os consumidores não adotam hábitos alimentares mais saudáveis e sustentáveis. Nem sempre esse abandono depende do consumidor, visto que os objetos possuem capacidade de agência nas práticas de abandono. Isso torna o abandono de alguns alimentos, mesmo que indesejados, muito difícil.
Os resultados da pesquisa também permitem propor algumas implicações gerenciais, tendo em vista que o abandono de alimentos impacta as empresas de diferentes formas. Fabricantes de produtos de fácil abandono, por incrível que pareça, se beneficiam, pois geralmente ocorre substituição por produtos de linhas similares. Por exemplo, o refrigerante de uma marca é substituído por um suco ou água da mesma marca. Agora, os produtos de abandono complexo geralmente envolvem o abandono das marcas, pois exigem um rompimento ideológico com o produto e tudo que está à sua volta, incluindo a marca. No caso da carne, os consumidores abandonam a carne e todos os produtos associados aos frigoríficos.
Para ler o artigo, acesse
GREGORY, I.G. and DALMORO, M. Agency of Objects in the Food Consumption Abandonment. Rev. adm. contemp. [online]. 2023, vol. 27, n0. 1, e210255 [viewed 22 November 2o22]. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210255.en. Available from: https://www.scielo.br/j/rac/a/6jbh39JXnm4X7pcLtyvrTmB/
Links externos
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