O reconhecimento de pessoas no processo penal: como minimizar erros e evitar condenações injustas

Prof. Dr. Bruno Augusto Vigo Milanez, Editor Assistente da Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil. 

No artigo “A investigação criminal, reconhecimento de pessoas e erros judiciais: considerações em torno da nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro do STJ, Rogério Schietti Cruz, demonstra que a investigação da criminalidade de rua – a exemplo de furtos, roubos, crimes violentos e o pequeno tráfico de drogas – é desenvolvida, no Brasil, essencialmente, através de prisões em flagrante e da oitiva dos policiais que realizaram a diligência. Quando isto não ocorre, a vítima do crime assume especial função de auxílio das atividades investigativas, através de suas declarações e mediante o reconhecimento formal do autor dos fatos.

Quanto a este último aspecto, a regra do art. 226 do Código de Processo Penal (CPP) determina um conjunto de formalidades a serem observadas por ocasião da realização do reconhecimento, como, por exemplo, a descrição do autor dos fatos pela vítima antes da realização do reconhecimento propriamente dito.

O texto legal, ao disciplinar a forma como o reconhecimento deve ser realizado, destina-se a evitar – tanto quanto possível – vícios, induções ou interferências indevidas neste relevante ato investigativo, mormente a se considerar o peso que um reconhecimento pessoal ostenta no processo judicial para fins de condenação do suspeito reconhecido.

Contudo, durante muitos anos os Tribunais entenderam – e em largos espaços ainda compreendem – que a regra do art. 226 do CPP não possui um conteúdo imperativo, mas que as formalidades do reconhecimento seriam meras recomendações. A partir dessa interpretação, diversos são os casos em que o reconhecimento formal possui vícios – aptos a retirarem a sua credibilidade probatória – que não eram reconhecidos, culminando com sentenças condenatórias extremamente frágeis.

Vetor de suspeitos contra a parede

Imagem: Pixabay.

Essa situação sofreu significativa alteração a partir de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, que na análise de casos concretos reconheceu vícios em reconhecimentos formais realizados à margem da lei, anulando-os e reformando decisões condenatórias. No julgado mais significativo, afirmou-se que:

precedentes dos Tribunais (…) tem tolerado essas irregularidades, sob o argumento de que o art. 226 do CPP constitui ‘mera recomendação’, não ensejando nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos. (…) proponho que sejamos capazes de abandonar essa interpretação, mercê da qual se convalida, de algum modo, o reconhecimento – tanto pessoal quanto fotográfico – feito em desacordo com o modelo legal, ainda que sem valor probante, e que pode estar dando lastro a condenações temerárias” (STJ – HC 598.886).

Esta orientação aponta para a necessidade de se promover modificações estruturais no sistema de investigação preliminar brasileiro, o qual, em muitos casos, direciona-se apenas à obtenção de confissões e reconhecimentos pessoais, muitas vezes tomados como provas absolutas.

Dentre as possibilidades de aprimoramento das atividades investigativas, notadamente naquilo que se refere ao reconhecimento de pessoas, propõe-se, desde logo, que quaisquer reconhecimentos pessoais realizados em desconformidade com o art. 226 do CPP não mais sejam utilizados pelo Ministério Público como fundamento a uma denúncia e que também não sejam admitidos pelo Judiciário como atos investigativos válidos. Ainda que isso possa implicar na absolvição de alguns culpados, é certo que também acarretará na redução de erros judiciários no sentido oposto, vale dizer, evitando-se a odiosa condenação de inocentes.

Referências

MATIDA, J. Considerações epistêmicas sobre o reconhecimento de pessoas: produção, valoração e (in)satisfação do standard probatório penal. In: MADEIRA, G., BADARÓ, G. and SCHIETTI CRUZ, R. (Coords.). Código de Processo Penal: estudos comemorativos aos 80 anos de vigência: vol. 2. São Paulo: RT, 2021.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus no. 598.886, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe 18.12.2020.

Para ler o artigo, acesse:

CRUZ, R. S. M. Investigação Criminal, reconhecimento de pessoas e erros judiciais: considerações em torno da nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rev. Bras. Direito Processual Penal [online]. 2022, vol. 8, no. 02. DOI: https://doi.org/10.22197/rbdpp.v8i2 Available from: https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/717/445.

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MILANEZ, B.A.V. O reconhecimento de pessoas no processo penal: como minimizar erros e evitar condenações injustas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/11/23/o-reconhecimento-de-pessoas-no-processo-penal-como-minimizar-erros-e-evitar-condenacoes-injustas/

 

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