Isabel Seelaender, mestranda no Depto. de Ciência Política da USP, São Paulo, SP, Brasil.
A pandemia da Covid-19 assolou o país, tendo resultados devastadores. O Brasil foi palco, durante este período, de disputas acirradas entre o Governo Federal, os governos estaduais e municipais no que diz respeito aos esforços de mitigação da pandemia. No centro deste debate, os discursos, as políticas e a atuação do Presidente Jair Bolsonaro foram considerados como aspectos decisivos para que o Brasil alcançasse a segunda posição no ranking mundial de países com maior número de óbitos por Covid-19.
O artigo The Relationship between Ideology and COVID-19 Deaths: What We Know and What We Still Need to Know discute os desafios metodológicos de estudos voltados para a compreensão das maneiras pelas quais o apoio à Bolsonaro no eleitorado pode ter contribuído para os resultados observados durante os primeiros anos da pandemia da Covid-19 no país. Especificamente, o artigo questiona as conclusões que associam o número de mortes pela Covid-19 com o voto em Bolsonaro em 2018, apontando para a necessidade da exploração de estudos que não se baseiem em dados agregados ao nível municipal.
Uma fragilidade importante na maioria dos estudos que tem reportado correlação entre o voto em Bolsonaro e os desfechos da pandemia, refere-se à adoção de inferências ecológicas – inferências acerca de padrões observados no comportamento dos indivíduos, utilizando como base dados agregados. Publicado no Brazilian Political Science Review, o artigo coloca em xeque a utilização desta técnica para testar a hipótese de que o voto em Bolsonaro em 2018 tenha contribuído para o aumentou do risco de infecção e morte pela Covid-19 em 2020 e 2021.
O artigo também ressalta a fragilidade da mensuração de conceitos tais como o pressuposto de que o voto na eleição capta a ideologia do eleitor e a desconsideração das diferenças entre a votação no primeiro e segundo turnos nas eleições majoritárias. Somado a estes problemas, ressalta-se como os estudos devem estar preocupados com o viés de variáveis omitidas, causado, por exemplo, ao se negligenciar tendências regionais e geográficas. Assim também, destaca-se o papel definitivo das dinâmicas temporais nos estudos que procuram compreender fenômenos em momentos distintos. Finalmente, o artigo também apresenta evidência empírica que reforça conclusões no sentido contrário daquele apresentado por estudos diversos. Nesse sentido, por exemplo, demonstra-se que os índices de permanência em casa durante a pandemia permaneceram similares em localidades onde Bolsonaro obteve e onde não obteve maiorias eleitorais em 2018.
Em suma, o artigo realiza uma discussão rigorosa sobre a fragilidade de estudos baseados no voto agregado nos municípios em 2018 e enfatiza as limitações dos desenhos comumente adotados no que se refere à sua capacidade de explicar de que maneira a ideologia dos indivíduos em 2020 e 2021 pode estar associada aos desfechos agregados nas mesmas localidades após um período de meses. Ao ressaltar os desafios metodológicos fundamentais, o artigo reforça perguntas importantes que merecem ser abordadas para que as inferências apresentadas sejam válidas e livres de viés em estudos voltados a entender como a ideologia pode contribuir para explicar os desfechos observados no caso brasileiro durante os primeiros anos da pandemia da COVID-19.
Para ler o artigo, acesse
BARBERIA, L. The Relationship between Ideology and COVID-19 Deaths: What We Know and What We Still Need to Know. Braz. political sci. rev. [online]. 2022, vol. 16, no. 3, e0002 [viewed 02 December 2022]. https://doi.org/10.1590/1981-3821202200030001. Available from: https://www.scielo.br/j/bpsr/a/LZrBWxfkNRFYDGBhD8Mxp3C/.
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