O que as vivências de mulheres trans nos ensinam sobre atenção à saúde?

Mariana Karolina Martins Rosa de Jesus, Departamento de Puericultura e Pediatria, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – Campus Universitário, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Logo do periódico InterfaceExperiências de mulheres transexuais no sistema de saúde: visibilidade em direção à equidade, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação, vol. 27 (2023), trata-se de um artigo que busca compreender as experiências de mulheres transexuais no Sistema Único de Saúde (SUS). Ao nascer, o gênero de um ser humano é designado (homem ou mulher) de acordo com sua genitália e moldado pela construção social vinculada a ela. As pessoas que não se identificam com os padrões sociais heteronormativos – lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queer, intersexo, assexuais, pansexuais, não-binários e outros (LGBTQIAPN+) – sofrem diversas represálias e violências. Nessa perspectiva, corpos travestis, transexuais e transgêneros (trans) são pejorativamente considerados “anormais”, descartáveis socialmente, sendo o principal alvo de inúmeras formas de violência, enfrentadas por todos os membros da comunidade LGBTQIAPN+.

Pensando nas desigualdades e vulnerabilidades que a população trans sofre, esse estudo buscou compreender como mulheres transexuais têm sido atendidas em instituições da Rede do Sistema Único de Saúde (SUS) de um município do interior de Minas Gerais. O estudo foi realizado por duas graduandas do curso de Enfermagem e de Psicologia, e por dois professores doutores do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Para realizar a coleta de dados, foi constituído um Grupo Focal (GF) em novembro de 2019. O GF consistiu em uma reunião com a presença de quatro mulheres trans convidadas via ambulatório de Endocrinologia de um hospital de ensino do interior de Minas Gerais. O GF foi norteado por um roteiro que visava aprofundar e compreender as seguintes questões: “Ao procurar o serviço de saúde me sinto”; “Quando eu procuro o serviço de saúde, eu sou tratado com”; “Eu não procuro o serviço de saúde, pois”; “Eu tenho os meus problemas resolvidos quando”; “Conhece algum programa/ação municipal que aborde os direitos de igualdade social da população LGBT?”; “Que sugestões faria para melhorar o atendimento à população LGBT no SUS?”.

Esse público foi escolhido pelos pesquisadores com a finalidade de dar voz para essa população contar suas vivências. Tratou-se de um estudo de abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, desenvolvido segundo os preceitos do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e que cumpriu todos os aspectos éticos.

Foto de um protesto em defesa dos direitos LGBTQIA+ nos Estados Unidos.

Imagem: Unsplash.

O processo de análise dos dados levantados pelo GF resultou em três categorias para seu norteamento: a) Utilização dos serviços de saúde por mulheres trans; b) Violência na Atenção à Saúde e; c) Falta de atendimento especializado. Os resultados são apresentados de acordo com essas categorias.

Em relação à primeira categoria, sobre a utilização dos serviços de saúde da Rede SUS, as participantes mencionaram não possuir vínculos com a Atenção Primária à Saúde (APS), devido a experiências marcadas por barreiras no acesso aos serviços. As participantes também destacaram a importância de avanços na despatologização, vistos como necessários para a superação da transfobia, e no reconhecimento de direitos.

A respeito da segunda categoria, a violência na Atenção à Saúde pode ser velada ou não se manifestar em meio a situações preconceituosas e negligentes, como a violação ao direito do uso do nome social. Tentativas de autoextermínio foram relatadas por três das participantes, inclusive, nesses momentos delicados, em vez de se sentirem acolhidas, relataram atendimentos cobertos por preconceitos, descaso e punições.

Já na terceira categoria, sobre a falta de atendimento especializado para o público trans na Rede SUS local, as participantes demonstraram conhecer as diretrizes nacional sobre o processo transexualizador. Queixaram-se de falta de atendimento especializado, e sugeriram ações para incentivar e qualificar profissionais para combater as situações de violência e negligência vividas.

A elaboração da pesquisa, com amplo processo de escuta de mulheres trans, permitiu explorar minunciosamente suas experiências no SUS, traçando o enredo das questões vivenciadas com a estrutura excludente que permeia os processos em saúde. Embora o estudo aborde vivências em um município do interior de Minas Gerais, ele nos permite refletir sobre o cenário atual brasileiro, possibilitando problematizar quanto os avanços ocorridos no campo jurídico e nas políticas públicas esbarram, em sua efetivação, na transfobia.

Criar serviços especializados e ampliar o credenciamento de instituições para o processo transexualizador requerem investimentos financeiros e mobilização das equipes. Assim, uma atuação sensível e pautada no respeito à diversidade, além de investimentos na formação e na Educação Permanente de profissionais, pode contribuir para o aumento da visibilidade das demandas da população trans, proporcionando melhorias no atendimento.

Por fim, é essencial que agradeçamos, aqui, às participantes do estudo, que dividiram suas histórias para que esse trabalho fosse possível. Sugerimos que sejam realizadas novas pesquisas sobre o assunto, analisando e avaliando os processos de cuidado e os resultados dessas ações de combate às inequidades em saúde à população LGBTQIAPN+.

Referências

BENEVIDES, B.G. and NOGUEIRA S.N.B. (org.). Dossiê dos assassinatos e da violência contra pessoas Trans em 2020. São Paulo: Expressão Popular, 2021.

CARAVACA-MORERA, J.A. and PADILHA, M.I. Necropolítica trans: diálogos sobre dispositivos de poder, morte e invisibilização na contemporaneidade. Texto Contexto – Enferm [online]. 2018, vol. 27, no. 2, e3770017 [viewed 1 September 2023]. https://doi.org/10.1590/0104-07072018003770017 . Available from: https://www.scielo.br/j/tce/a/TYJ397gFMBrfCcdch9JZdtf/

CIASCA, S.V., HERCOWITZ, A. and LOPES, A.J.R. (org.). Introdução à sexualidade humana e diversidade. In: CIASCA, S.V., HERCOWITZ, A. and LOPES, A.J.R. (org.) Saúde LGBTQIA+: práticas de cuidado transdisciplinar. Santana de Parnaíba: Manole; 2021.

Para ler o artigo, acesse

JESUS, M.K.M.R, et al. Experiências de mulheres transexuais no sistema de saúde: visibilidade em direção à equidade. Interface [online]. 2023, vol. 27, e220369 [viewed 1 September 2023]. https://doi.org/10.1590/interface.220369. Available from: https://www.scielo.br/j/icse/a/FFLKPsJCkvKb3Hg9YbK9c5N/

Links externos

Interface: Comunicação, Saúde, Educação – ICSE: https://www.scielo.br/icse/

Interface – Site: https://interface.org.br/

Universidade Federal do Triângulo Mineiro: https://www.uftm.edu.br/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

JESUS, M.K.M.R. O que as vivências de mulheres trans nos ensinam sobre atenção à saúde? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/09/01/o-que-as-vivencias-de-mulheres-trans-nos-ensinam-sobre-atencao-a-saude/

 

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