Sabrina Balthazar Ramos Ferreira, doutoranda em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte – MG.
A discussão sobre uma concepção ecológica de disjuntivismo se insere em um debate mais amplo, que abrange pontos nevrálgicos nos debates sobre teorias da percepção, sobretudo aquelas que possuem caráter externalista, tal como a abordagem ecológica da percepção.
O caminho adotado pelo professor Eros Moreira de Carvalho, no artigo O disjuntivismo ecológico e o argumento causal, se revela profícuo, principalmente por se debruçar em um dos aspectos controversos das teorias tradicionais da percepção – sua relação com o argumento causal. Com base na refutação desse argumento, Carvalho (2023) consegue propor uma concepção de disjuntivismo que envolve outro tipo de causalidade, segundo ao qual vai de encontro à linearidade causal presente nas teorias tradicionais da percepção.
Para tanto, o autor desenvolve os pressupostos ecológicos ressaltando a natureza da percepção direta ecológica em seu caráter complexo, retroalimentativo, emergente, exploratório, situado, corpóreo e coevolutivo, que tanto servem para elucidar situações de erro perceptual, quanto casos de disjuntivismo entre percepções reais e alucinações.
Carvalho vem se dedicando há um tempo a desenvolver os pressupostos ecológicos, investigando-os sob a luz de diferentes espectros, tais como relações sociais, cognição e emoções. Quanto ao disjuntivismo, anteriormente no artigo An ecological approach to disjunctivism (Carvalho, 2021), o autor adotara uma estratégia diferente, optando por enfatizar aspectos relevantes que corroboram a compatibilidade entre Filosofia Ecológica e disjuntivismo, mais especificamente a atividade exploratória daquele que percebe e a sintonização organismo-ambiente – tão cara à abordagem ecológica da percepção.
Desta vez, a estratégia adotada percorre um caminho argumentativo distinto, se detendo mais em expor e discutir uma possível fragilidade de sustentação teórica de teorias tradicionais da percepção – notadamente a argumentação causal. Desse modo, ambos os artigos se complementam e contribuem para validar os pressupostos ecológicos em meio ao árido terreno do erro perceptual/disjuntivismo.
Todavia, a discussão desenvolvida nesse comentário salienta algo a mais do que a validade da empreitada promovida por Carvalho no artigo analisado, mas sinaliza para um cenário que, futuramente (a curto, médio ou longo prazo), poderia comprometer os princípios básicos da abordagem direta ecológica – caracterizado por ampla e crescente imersão tecnológica a qual estamos sujeitos na sociedade contemporânea. Se a habilidade exploratória é um elemento fundamental para o caráter direto da percepção, bem como para distinguir percepções reais de alucinações, conforme defendido por Carvalho, como tal elemento atuaria em casos de percepção que envolvem ambientes tecnológicos, com o uso de dispositivos de produção de realidade virtual?
A tecnologia faz cada vez mais parte do cotidiano das pessoas na sociedade contemporânea, influenciando e alterando padrões de conduta historicamente constituídos. Gerações atuais coevoluem com ambientes repletos de dispositivos tecnológicos e crescem aptas a manusear e tirar proveito destes, esboçando um movimento pervasivo que vem alterando dinâmicas de percepção e ação.
Nesse sentido, esse comentário se propõe a iluminar algumas inquietações que podem despontar em um cenário predominantemente tecnológico, visando contribuir para o desenvolvimento dos pressupostos ecológicos, até então bem fundamentados com argumentações como as do professor Eros.
Referências
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Para ler o artigo, acesse
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Trans/Form/Ação [online]. 2023, vol. 46, no. Spe 1 [viewed 22 August 2023]. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/i/2023.v46nspe1/
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