Prioridade na escolha da graduação está associada à evasão precoce nos cursos universitários

Melina Klitzke, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Flavio Carvalhaes, Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Logo do periódico Educação em Revista.A evasão na educação superior é um problema intrínseco a qualquer sistema de ensino e se configura como um processo complexo que envolve a tomada de decisões por parte dos estudantes antes e durante suas graduações. A literatura aponta três conjuntos de fatores que são relevantes para entender a evasão na educação superior.

O primeiro diz respeito às dimensões educacionais como o desempenho dos alunos antes da entrada nas instituições e cursos e variáveis relativas ao processo da escolha da graduação e de onde estudar (HILL, 2008; BELASCO, 2013; HOXBY, AVERY, 2013; MEROLLA, 2017). O segundo conjunto, destaca fatores associados às características dos indivíduos como sexo, cor/raça, classe, renda, escolaridade dos pais, que estariam associados com o percurso e resultados dos indivíduos antes e após o ingresso no nível superior (BUCHMANN et al., 2008; BOWEN, CHINGOS, MCPHERSON, 2009; GOLDRICK-RAB, 2006).

Finalmente, o terceiro conjunto de fatores destaca a importância da experiência dos estudantes enquanto frequentavam o ensino superior, especialmente a integração acadêmica formal, geralmente mensurada pelo desempenho dos estudantes durante os estudos e o engajamento social, medido, por exemplo, pela participação em atividades coletivas na universidade ou o estabelecimento de amizades com outros estudantes (TINTO, 1975, 2012; BRAXTON et al., 2004; CHARLES et al., 2009).

Embasado nesta literatura, os autores do artigo Fatores associados à evasão de curso na UFRJ: uma análise de sobrevivência, publicado no periódico Educação em Revista, analisam se fatores educacionais e de escolha de curso, origem sociodemográfica e integração acadêmica formal estão associados à evasão nos seis primeiros semestres do estudante na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para o desenvolvimento do estudo, empregou-se o conceito de evasão de curso, que é a saída definitiva do estudante do curso de origem. A evasão foi analisada por meio de um modelo estatístico que permitiu seguir os mesmos estudantes ao longo do tempo. Tecnicamente, isso significa que se tinha a disposição dados longitudinais (ou em painel). O nome do modelo estatístico utilizado é análise de sobrevivência em tempo discreto, uma técnica mobilizada para entender a continuidade ou o abandono de um indivíduo em um processo social e quais fatores podem estar ou não associados a essa continuidade ou abandono.

No caso desta pesquisa, o processo social é a trajetória do estudante no curso de graduação. Os autores analisaram se ao longo de um período de tempo um estudante continuou ou desistiu do curso e se essa situação estava ou não associada a um conjunto de fatores presente na base de dados. Foram utilizados os microdados do sistema de matrículas e registros estudantis da instituição, de caráter censitário e representativo de todos os estudantes que entraram na UFRJ no primeiro semestre de 2014. Os alunos foram acompanhados durante seis semestres (três anos).

Os resultados apontam que, durante o período analisado, os momentos de maior risco de evasão foram o primeiro, o segundo e o quinto semestre das trajetórias dos estudantes nos cursos. A origem sociodemográfica dos estudantes não se mostrou associada à evasão de curso. Isso é compreensível porque os alunos matriculados em uma instituição academicamente seletiva como a UFRJ já passaram por vários filtros – terminar o ensino médio, ter uma nota suficientemente alta no Enem para entrar em um curso.

Foto de banco de imagens. Vista traseira de um grupo de estudantes universitários se afastando no corredor da escola.

Imagem: Freepik.

Ainda que a universidade seja marcada pela presença da diversidade socioeconômica, de gênero e cor/raça, esses alunos apresentam um nível de preparo e motivação média parecida, o que faz com que sejam pequenas as diferenças nas taxas de evasão entre eles.

Por outro lado, fatores educacionais e de escolha de curso se mostraram associados à evasão, principalmente no primeiro ano. A hipótese é de que o processo de escolha de curso, através do formato de acesso à UFRJ, na ocasião o Enem/Sisu, possivelmente, esteja estruturando uma evasão precoce nos cursos. Isso porque um estudante pode escolher seu curso depois de saber sua nota no Enem e adotar um comportamento estratégico para entrar naquele curso possível, ainda que não ideal.

Os alunos que se matricularam em cursos que não eram sua primeira escolha tiveram riscos de evasão significativamente mais altos comparados com os demais estudantes, principalmente no primeiro e segundo semestre. O Coeficiente de Rendimento acumulado (CRa), utilizado como proxy de integração acadêmica formal, também se mostrou associado à evasão de curso. Os estudantes com CRa baixo apresentaram um risco maior de evadir do que aqueles com CRa alto. Esses achados revelam a importância de entender processos decisórios de entrada e continuação dos estudos.

Com base nos resultados, algumas indicações podem ser feitas. Em primeiro lugar, a maior parte da energia deve ser colocada em estabelecer medidas de redução da evasão nas fases iniciais dos cursos, porque é aí que as questões da evasão e da transferência dos alunos são mais pertinentes. Outra questão a ser considerada para tentar melhorar a integração acadêmica formal do estudante é realizar a adequação curricular nos primeiros semestres dos cursos.

Algumas pesquisas internacionais mostram que diversas instituições de ensino superior tentam evitar problemas como o excesso de demandas no início do curso, muitos exames, muito material para estudo, oferecendo melhores condições aos alunos, reformando os currículos, oferecendo cursos de transição para compensar lacunas educacionais e disponibilizando mentores e tutores para o primeiro ano (LARSON et al., 2013; HEUBLEIN, 2014).

No Brasil, o sistema federal de educação superior passou por mudanças na admissão e seleção dos estudantes ao abandonar os vestibulares em prol do Enem e SiSU sem que um movimento adicional de reflexão sobre estrutura curricular e acolhimento desses estudantes fosse estruturado.

As evidências deste artigo indicam que a evasão é um processo temporalmente estruturado que não inicia quando os alunos começam a vivenciar a universidade, mas quando escolhem seus cursos. Essas são apenas algumas sugestões entre muitas que podem ser estudadas de acordo com o caso de cada instituição de educação superior para diminuir a desistência do curso e aumentar a diplomação dos estudantes.

Referências

BELASCO, A. Creating College Opportunity: School Counselors and Their Influence on Postsecondary Enrollment. Research in Higher Education [online]. 2013, vol. 54, no. 7, pp. 781-804 [viewed 11 September 2023]. http://doi.org/10.1007/s11162-013-9297-4. Available from: https://link.springer.com/article/10.1007/s11162-013-9297-4

BOWEN, W., CHINGOS, M. and MCPHERSON, M. Crossing the Finish Line: Completing College at America’s Public Universities. Princeton: Princeton University Press, 2009.

BRAXTON, J., HIRSCHY, A. and MCCLENDON, S. Understanding and Reducing College Student Departure. ASHE-ERIC Higher Education Report. San Francisco: Wiley Periodicals, 2004.

BUCHMAN, C., DIPRETE, T. and MCDANIEL, A. Gender Inequalities in Education. Annual Review of Sociology [online]. 2008, vol. 34, pp. 319-337 [viewed 11 September 2023].  https://doi.org/10.1146/annurev.soc.34.040507.134719. Available from: https://www.annualreviews.org/doi/10.1146/annurev.soc.34.040507.134719

CHARLES, C., et al. Taming the River: Negotiating the Academic, Financial, and Social Currents in Selective Colleges and Universities. Princeton: Princeton University Press, 2009.

GOLDRICK-RAB, S. Following Their Every Move: An Investigation of Social-Class Differences in College Pathways. Sociology of Education [online]. 2006, vol. 79, no. 1, pp. 61-79 [viewed 11 September 2023]. https://doi.org/10.1177/003804070607900104. Available from: www.jstor.org/stable/25054302

HEUBLEIN, U. Student drop-out from German higher education institutions. European Journal of Education [online]. 2014, vol. 49, no. 4, pp. 497-513 [viewed 11 September 2023]. https://doi.org/10.1111/ejed.12097. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ejed.12097

HILL, D. School Strategies and the “College-Linking” Process: Reconsidering the Effects of High Schools on College Enrollment. Sociology of Education [online]. 2008, vol. 81, no. 1, pp. 53-76 [viewed 11 September 2023]. https://doi.org/10.1177/003804070808100103. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/003804070808100103

HOXBY, C.M. and AVERY, C. The Missing “One-Offs”: The Hidden Supply of High – Achieving, Low-Income Students. Brookings Papers on Economic Activity [online]. 2013, pp. 57-66 [viewed 11 September 2023]. Available from: https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2016/07/2013a_hoxby.pdf

LARSEN, M.S., et al. Dropout phenomena at universities: what is dropout? why does dropout occur? what can be done by the universities to prevent or reduce it? Danish Clearinghouse for educational research. Copenhagen: Aarhus University, 2013.

MEROLLA, D. Completing the Educational Career: High School Graduation, Four-Year College Enrollment, and Bachelor’s Degree Completion among Black, Hispanic, and White Students. Sociology of Race and Ethnicity [online]. 2017, vol. 4, no. 2, pp. 281-297 [viewed 11 September 2023]. https://doi.org/10.1177/2332649217727552. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/2332649217727552

TINTO, V. Dropout from Higher Education: A Theoretical Synthesis of Recent Research. Review of Educational Research [online]. 1975, vol. 45, no. 1, pp. 89-125 [viewed 11 September 2023]. https://doi.org/10.3102/00346543045001089. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.3102/00346543045001089

TINTO, V. Leaving college: rethinking the causes and cures of student attrition. Chicago: University of Chicago Press, 2012.

Para ler o artigo, acesse

KLITZKE, M. and CARVALHAES, F. Fatores associados à evasão de curso na UFRJ: Uma análise de sobrevivência. Educ. rev. [online]. 2023, vol. 39, e37576 [viewed 11 September 2023]. https://doi.org/10.1590/0102-469837576. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/T48zB4dDcZFCSPM6JBbcGKP/

Links externos

Educação em Revista – EDUR: www.scielo.br/edur/

Educação em Revista – Site: https://periodicos.ufmg.br/index.php/edrevista/index

Artigo publicado como preprint: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3339

Educação em Revista – Instagram: https://www.instagram.com/educacaoemrevista/

Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdades – NIED: https://niedifcs.net/

Tese de Melina Klitzke: https://ppge.educacao.ufrj.br/teses2022/tMelina%20Kerber%20Klitzke.pdf

Melina Klitzke – Lattes: http://lattes.cnpq.br/6318605143363845

Flavio Carvalhaes – Lattes: http://lattes.cnpq.br/3267305595558887

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

KLITZKE, M. AND CARVALHAES, F. Prioridade na escolha da graduação está associada à evasão precoce nos cursos universitários [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/09/11/prioridade-na-escolha-da-graduacao-esta-associada-a-evasao-precoce-nos-cursos-universitarios/

 

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