Novos saberes sobre os povos do Alto Xingu

Eduardo Rocha, jornalista, Belém, Pará, Brasil. 

Logo do periódico Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.

No dossiê Antropologia, arqueologia e linguística no Alto Xingu, os leitores têm acesso a seis artigos de autoria dos pesquisadores: Autaki Waurá, Emilienne Ireland, Christopher Ball, Patrícia Rodrigues-Niu, Tiago Braga Sá, Bruna Franchetto, Gélsama Mara Ferreira dos Santos, Bruno Moraes, Ashauá Didi Kuikuro, Antonio Guerreiro e Aline Regitano, após a publicação de trabalhos de Patrícia Rodrigues-Niu e Mafalda Ramos, Kanawayuri Kamaiurá e Mayaru Kamayurá, Marina Pereira Novo, Amanda Horta, Carlos Eduardo Costa e João Carlos Almeida, no vol. 18, n.º 1.  

Esse dossiê aborda a tradição Wauja, um dos povos indígenas que habitam a Terra Indígena Alto Xingu, no estado do Mato Grosso. A transição para a adolescência nessa cultura é marcada pela reclusão pubertária, conhecida como payãkuwakí (palavra wauja). Durante este período, que inclui a primeira menstruação feminina, os jovens, de ambos os sexos, participam de um ritual que envolve escarificação (desenhos e marcas feitos por cortes superficiais na pele), consumo de determinados remédios e utilização de adereços para embelezamento. Esse ritual também serve para que esses jovens descubram a sua função social na própria comunidade, incluindo a transmissão de conhecimentos ancestrais aos mais novos. 

A reclusão pubertária (payãkuwakí) é um dos temas da segunda parte do dossiê em questão, publicado na mais recente edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Esse trabalho apresenta conhecimentos e pontos de partida para novos saberes e fazeres científicos sobre os povos indígenas dessa região do país. Quem não se sente atraído para uma reclusão (em outros termos, momento de meditação, reflexão, autoanálise e descobertas de novos significados) para aprofundar o olhar para as realidades, culturas, visões de mundo de diferentes cidadãos – sejam eles povos originários ou não – e a convivência entre eles, mediante a renovação do pensar?

Esse é o espírito dos estudos publicados nesse Boletim, que encerra 2023, ano em que o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) atingiu a marca de 157 anos de contribuição científica aos estudos acerca da cultura, dos povos indígenas e negros e de comunidades tradicionais, entre tantas outras temáticas de interesse coletivo na Amazônia e em outros espaços do Brasil. 

Como explicam os organizadores, Aristoteles Barcelos Neto, da University of East Anglia (Norwich, Reino Unido) e Luísa Valentini, da Universidade de São Paulo, Brasil, a troca de experiências entre povos xinguanos e pesquisadores, verificada na primeira parte do dossiê, é retomada, agora, com avanços no aprofundamento de questões clássicas do interesse da antropologia, da arqueologia e da linguística. Nesse contexto de novos aspectos da problemática xinguana, o dossiê apresenta, em particular, trabalhos relacionados ao povo Wauja. Assim, o antropólogo wauja Autaki Waurá traz o tema clássico de interesse etnológico: a prática da reclusão pubertária. Essa prática é crucial na produção da pessoa indígena e de suas relações e potencialidades na vida adulta. 

Capa do periódico "Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas", volume 18, número 3, exibindo uma fotografia colorida de um grupo de mulheres indígenas participando de uma cerimônia. As adolescentes estão sentadas no primeiro plano, com trajes brancos, enquanto as crianças e as mulheres adultas estão em pé ao fundo.

Imagem: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.

As transformações dos modos de produção e distribuição em meio às relações e à economia no cotidiano Wauja, com especial atenção aos modos como salários e produtos industrializados vêm sendo incorporados e afetam essas redes, são abordados por Emilienne Ireland, em extenso relato que resulta de quatro décadas de convivência.

Uma abordagem fundamentada na relação entre a linguística e a etnoarqueologia sobre como a temporalidade se relaciona à história e cultura dos Wauja, ou seja, como diferentes tempos se entrelaçam no espaço vivido e pensado por esse povo, é apresentada por Christopher Ball e Patrícia Rodrigues-Niu. Esse trabalho apresenta-se como um portal para o aproveitamento de recursos descritivos e metodológicos científicos para revisão e aperfeiçoamento de políticas relacionadas ao patrimônio cultural.

A historiografia/temporalidade do povo Kuikuro e suas conexões com a paisagem, envolvendo, inclusive, a natureza política do espaço do Alto Xingu, é o tema enfocado pelos pesquisadores Tiago Braga Sá, Bruna Franchetto, Gélsama Mara Ferreira dos Santos, Bruno Moraes e Ashauá Didi Kuikuro, partindo da linha de estudo do artigo anterior, o das “línguas sem flexão verbal de tempo (tense)”.

Outra investigação cujos resultados estão no Dossiê Xingu, é a construção das redes de parentesco entre os integrantes do povo Kalapalo (sua composição e significados para a continuidade da vida entre esses cidadãos indígenas) em um ambiente intensamente interétnico como o Alto Xingu. Esse estudo esteve a cargo do pesquisador Antônio Guerreiro. 

O Dossiê se encerra com o trabalho da pesquisadora Aline Regitano acerca do “envolvimento de mulheres em atividades xamânicas e políticas a partir dos itinerários biográficos e de uma fala da liderança ceramista, pajé, raizeira, rezadeira e parteira Kamaya (Iamony) Mehinako – que, assim como o cacique Aritana Yawalapiti, biografado no número anterior, faleceu durante a epidemia de COVID-19”. 

Para ler o dossiê completo, acesse

BARCELOS NETO, A. and VALENTINI, L. Introdução ao dossiê “Antropologia, arqueologia e linguística no Alto Xingu”. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi Ciênc. hum. [online]. 2023, vol. 18, no. 1, e20230037 [viewed 30 January 2024]. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0037. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/DXmPfhkr3Stpy5wf8YRrHqt/

Links externos

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – SciELO: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/

Para download gratuito da edição, acesse: http://editora.museu-goeldi.br/humanas/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

ROCHA, E. Novos saberes sobre os povos do Alto Xingu [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/01/30/novos-saberes-sobre-os-povos-do-alto-xingu/

 

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