Distopias da cultura pop comercializam a crise existencial e perpetuam o realismo capitalista

Diego Rodstein Rodrigues, pós-doutorando em filosofia pela Universidade Federal de São Paulo, campus Guarulhos e coordenador da linha de pesquisa Existencialismo e Ficção do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História Antiga, Medieval e da Arte.

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Nas últimas décadas, a cultura pop de modo geral tem intensificado a produção de distopias, refletindo os medos e ansiedades contemporâneos. Essas narrativas retratam sociedades opressivas e futuros sombrios, exibem um futuro imaginário sobre diversos temas, refletindo uma desesperança com os futuros possíveis da humanidade e uma desilusão com o progresso prometido nos anos 2000. Esse fenômeno resultou na criação de uma narrativa melancólica e fatalista, fazendo da crise existencial um objeto de consumo. 

Diferente do existencialismo histórico, que vê a angústia como um impulso revolucionário, surge uma nova postura sobre a existência, a qual chamamos de “existencialismo vulgar”. Esta distorção das teses existenciais transforma a angústia e o desamparo – características do existencialismo que motivariam movimentos revolucionários – em um pacote de crise comercializável, inerte e de má-fé, impedindo a imaginação e a reflexão crítica e garantindo a manutenção do status quo. A cultura pop fomenta uma revolta superficial e hedonista que não promove mudanças significativas, mas apenas alimenta uma satisfação imediata e momentânea.

No artigo O existencialismo vulgar na cultura pop e o imaginário contemporâneo de utopia e distopia, publicado no periódico Trans/Form/Ação, procuramos apresentar uma análise sobre a melancolia e a perda do utopismo na cultura contemporânea, estabelecendo conexões com o contexto histórico e político. Exploramos aqui como a cultura pop reflete, amplifica e se vale de um sentimento de desencanto com o futuro em prol da manutenção das estruturas de poder vigentes, criando uma espécie de existencialismo que tenta naturalizar a angústia e a desesperança como a única postura possível. 

Figura 1. Cena da série de quadrinhos “Gunshow” de KC Green, intitulado “On Fire”.

Para isso, recorremos a teóricos como Benjamin, Fisher, Jameson e Sartre, buscando fundamentar a argumentação de que a melancolia contemporânea se faz como um projeto de crise da subjetividade. 

A partir da ideia de “realismo capitalista”, examinamos como a cultura popular contribui para a perpetuação de um imaginário no qual o capitalismo se apresenta como única solução, limitando as perspectivas de mudança e promovendo uma postura de má-fé, caracterizada por impotência e sarcasmo, chamada aqui de “existencialismo vulgar”. 

Nesse contexto, o existencialismo vulgar, ao ser incorporado nas representações culturais da sociedade contemporânea, desempenha um papel ativo na consolidação e aprofundamento do capitalismo tardio. Ao projetar narrativas distópicas, a cultura pop colabora para a internalização coletiva de um horizonte desprovido de alternativas positivas, individualizando a vida e caindo numa conduta fatalista no mau funcionamento das instituições e das dinâmicas sociais do capitalismo, reforçando este sistema como o único possível. Sendo assim, pode-se compreender o existencialismo vulgar não apenas como um sintoma, mas como um agente ativo de manutenção do realismo capitalista. 

Sobre Diego Rodstein Rodrigues

Pós-doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Guarulhos, SP – Brasil. Pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em História Antiga, Medieval e da Arte (LEPHAMA), da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Campanha, MG – Brasil.

Referências

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Para ler o artigo, acesse

RODRIGUES, D.R.   O existencialismo vulgar na cultura pop: entre a utopia e a distopia no imaginário contemporâneo. Trans/form/ação [online]. 2024, vol. 47, no. 3, e02400175 [viewed 19 July 2024]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2024.v47.n3.e02400175. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/YzSWjGmRVwzhKm5K8FkKCpR/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

RODRIGUES, D.R. Distopias da cultura pop comercializam a crise existencial e perpetuam o realismo capitalista [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/07/19/distopias-da-cultura-pop-comercializam-a-crise-existencial-e-perpetuam-o-realismo-capitalista/

 

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