A modernidade e o ritmo das máquinas: da sociotécnica do Capital ao regime temporal que nos abriga

Guilherme Fóscolo, Professor de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Ilhéus, Bahia. 

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Partindo de uma compreensão expandida do conceito de ritmo de Émile Benveniste e Henri Lefebvre, o ensaio Tempo maquínico: contribuição para uma ritmologia do Capital desenvolve o argumento de que sensações de aceleração e estagnação ligam-se diretamente à pervasividade da disponibilidade tecnológica que caracteriza a era moderna. Embora a relação entre aceleração e progresso já possa ser recuperada desde o início da modernidade, é apenas no século XIX que ela se cristaliza em um novo tipo de ansiedade humana em “estar no mundo”, provocando como resposta uma obsessão com a captura desse mundo em aceleração. 

A primeira parte do ensaio busca, assim, isolar e localizar essa obsessão em seu horizonte de cristalização através da análise de algumas obras dos pintores Jacques-Louis David e Francisco de Goya, e d’A Comédia Humana de Honoré de Balzac. Do século XIX em diante, essa ansiedade passa a se manifestar em sucessivos experimentos artísticos de captura, descrição, organização ou reorganização da passagem do tempo. 

O que parece ocorrer é um “transbordamento” rítmico – resultante da torrente que se impõe enquanto novo modo de produção, de sua contínua transformação dos meios de produção e disseminação de novas tecnologias – tornando cada vez mais sintomáticos os efeitos de ressonância e ruído, sincronia e assincronia.

Cena do filme "O Exterminador do Futuro" mostrando Arnold Schwarzenegger como o personagem principal. Ele está vestindo uma jaqueta de couro preta e óculos escuros, enquanto pilota uma moto à noite. O fundo apresenta as luzes brilhantes dos prédios e edifícios da cidade.

Imagem: IMDb.

Em um segundo momento, através da análise do livro Matadouro-cinco, de Kurt Vonnegut, e do filme Exterminador do Futuro, dirigido por James Cameron, o ensaio trata de descrever a relação entre o desenvolvimento de novas tecnologias/meios de produção, o acúmulo de Capital e as sensações de aceleração/estagnação – onde o ritmo das fábricas se confunde com o ritmo da própria vida. 

Essa temporalidade se liga fundamentalmente a um regime tecnológico específico de produção e repetição, nomeado de “tempo maquínico”. Argumenta-se, então, através do conceito de tecnopoiesis, como tal regime rítmico, que Harry Harootunian afirma impor “uma ritmologia universal”, reflete para os nossos corpos a programação do modo de produção do qual se retroalimenta o Capitalismo. 

O Capitalismo, como regime de repetição e reprodução que caracteriza a modernidade, inaugura assim também uma poiesis tecnológica que se cumpre mundialmente – uma vez que afina os corpos de toda a humanidade para uma mesma dança sociotécnica. Este é o motivo pelo qual o ensaio, por fim, propõe a análise de Stimmungen como um instrumento teórico capaz de circunscrever certas respostas estéticas a horizontes sociotécnicos/regimes de temporalidade específicos.

A análise de Stimmungen explora a possibilidade de pensarmos os corpos como espécies de “diapasões” sensíveis ao ritmo de distintos horizontes sociotécnicos. A partir dela, torna-se possível detectar não somente os efeitos do Capital na produção de nossa experiência temporal – mas também trazer para o primeiro plano efeitos específicos (de aceleração e estagnação) capturados por distintas respostas estéticas, e compreender como tais respostas remetem, no fundo, ao assentamento de um mesmo regime temporal.

Sobre Guilherme Fóscolo

É doutor em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professor de filosofia na Universidade Federal do Sul da Bahia e pesquisador da área da Estética e Filosofia da Arte. 

Referências

GUMBRECHT, H. Our Broad Present: Time and Contemporary Culture. New York: Columbia University Press, 2014.

HAROOTUNIAN, H. Marx After Marx: history and time in the expansion of capitalism. New York: Columbia University Press, 2017.

LEE, P. Chronophobia: on time in the art of the 1960s. Cambridge/London: The MIT Press, 2004.

LEFEBVRE, H. Elementos de ritmanálise: e outros ensaios sobre temporalidades. Trad. Flávia Martins e Michel Moreaux. Rio de Janeiro: Consequência, 2021.

ROSS, A. The Rest is Noise: listening to the twentieth century. New York: Picador, 2007.

Para ler o artigo, acesse

FOSCOLO, G. Tempo maquínico: contribuição para uma ritmologia do Capital. Trans/Form/Ação [online]. 2024, vol. 47, no. 3, e02400214 [viewed 09 August 2024]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2024.v47.n3.e02400214. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/rchN5T4kB4cbcMqdgjcYKYh/  

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

FÓSCOLO, G. A modernidade e o ritmo das máquinas: da sociotécnica do Capital ao regime temporal que nos abriga [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/08/09/a-modernidade-e-o-ritmo-das-maquinas/

 

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