A presença como campo de pesquisa nas artes cênicas

Ligia Souza, escritora, pesquisadora, professora e editora. Pós-doutoranda do LabDrama (Laboratório de Dramaturgia e Escrita Performativa do Instituto de Artes da UNICAMP). É doutora em Artes Cênicas pela USP, Mestre em Literatura pela UFPR. Atualmente desenvolve pesquisa no Département Arts da ENS/PSL – École Normale Supérieure em Paris/FR. Idealizadora e editora da la lettre criação que publica dramaturgia brasileira contemporânea.

Logo do periódico Revista Brasileira de Estudos da Presença

A questão da presença aparece de maneira central nos estudos sobre as Artes da Cena na contemporaneidade. Nesse sentido, a Revista Brasileira de Estudos da Presença parece ir ao encontro dessa centralidade. Com publicações que discutem diretamente esta noção e outras que expandem sua proposição, o periódico já possui mais de 40 números. As duas primeiras edições apresentam uma reflexão mais vertical sobre o tema: ambas intituladas “Presença”, dão o pontapé para as discussões com contribuições internacionais, como as de Jean François Dusigne, Hans Ulrich Gumbrecht, Marvin Carlson, Richard Schechner, Hans-Thies Lehmann e a de pesquisadores brasileiros, como Gilberto Icle, Beatriz Ângela Vieira Cabral, Luiz Fernando Ramos, Maria de Lourdes Rabetti, dentre outros. 

Não se trata somente de discussões conceituais sobre o tema, mas principalmente sobre possíveis conexões com as mais diversas práticas: “a presença não é apenas o tema, mas a rede sobre a qual a discussão sobre o ator, a cena, a performance, a etnocenologia, está enleada” (Alcântara et al., 2011, p. 263).

As edições também discutem de maneira intensa as reflexões plurais sobre a presença. Este é o caso do volume 10, número 1, intitulado “Filosofia-Performance”, do qual destacamos o artigo Fronteiras entre as Artes da Performance e a Filosofia, do professor Charles Feitosa, cujo título nos lança questões abordadas no vídeo deste post. Nele, o pesquisador aponta intersecções possíveis entre a teoria e a abstração filosófica e a prática da performance, problematizando conceitos como “fronteira” e “presença”. 

Para além dos estudos concentrados sobre a presença, gostaria também de indicar estudos publicados pela Revista que contribuem para a expansão da compreensão desta noção. Essa perspectiva relaciona-se com o estudo que desenvolvemos na pesquisa de pós-doutorado intitulada “O livro em performance: algumas reflexões sobre a publicação de dramaturgia”1, na qual nos questionamos sobre a possibilidade de criação de teatralidades e performatividades nos livros de dramaturgia. 

Ao nos depararmos com as reflexões sobre presença ao longo dos diversos anos de publicação da Revista, a questão que nos colocamos parte da seguinte inquietação: como podemos pensar a produção de presença em acontecimentos nos quais o tradicional aqui e agora da cena não é o mote central? Neste sentido, nos deparamos com uma série de artigos que discutem este conceito em proposições artísticas que pressupõem uma mídia para a sua criação.

Além dos números temáticos com dossiês que desenvolvem de maneira concentrada questões sobre tecnologias (volume 06, número 02), sobre cinema (volume 14, número 01) e campos de relação com a presença (volume 07, número 03), indicaremos cinco artigos que desenvolvem esta noção a partir de materialidades artísticas cuja fruição não opera na lógica do aqui e agora.

Para começar, destacamos o estudo A Construção de Presença e a Cena Teatral Multimidiática: a hegemonia de uma presença imanente, no qual Juarez Soares e Stephan Baumgaertel (2015) traçam uma análise teórica das noções de presença emanativa (representacional) e presença imanente (performativa), problematizando essas questões a partir da reflexão sobre as construções cênicas multimídias na atualidade.

Passando do uso de recursos multimídias pela e na cena para a criação de obras fílmicas a partir da cena, indicamos o artigo Efeitos de Presença: estratégias do filme-teatro? da pesquisadora francesa Sandrine Simeon (2017). No estudo, ela levanta uma série de espetáculos teatrais franceses que ganharam sua versão fílmica e discute a noção de presença em diversos níveis da construção audiovisual: do enquadramento, passando pela montagem e também pela relação dos espectadores com o filme na tela.

Fotografia de uma mulher, vestida com uma jaqueta bege e um vestido azul, recostando-se em um corrimão à noite, com luzes brilhantes ao fundo.

Imagem: SIMEON (2017).

Figura 1. Imagem do filme, Le Dernier Caravansérail, Ariane Mnouchkine (2006).

Dialogando com o trabalho de Simeon, indicamos o artigo Pina Bausch e Café Müller no Cinema: a mise-en-scène da copresença do corpo e dos olhos fechados da pesquisadora Cristiane Wosniak (2018), que apresenta um estudo sobre o filme documentário “Pina” de Win Wenders. Traçando noções expandidas de compartilhamento de presença a partir de discussões teóricas do cineasta Jean-Louis Comolli e do filósofo Gilles Deleuze, o autor toma a própria condição cinematográfica como uma linguagem de presença em si, valendo-se de discussões sobre o tempo e a mise-en-scène do cinema. 

Maria Clara Ferrer (2017), no artigo Presenças Impessoais: tons de humano na cena-paisagem, apresenta duas experiências cênicas radicais para problematizar a noção de presença aliada à atividade do ator. Ao analisar os espetáculos “Stifters Dinge”, de Heiner Goebbels, e “Variações sobre a morte”, de Claude Regy, ela expõe construções baseadas em cenas-paisagem, cuja presença é vista como uma atividade de responsabilidade do espectador.

Um cenário escuro de vários níveis com reflexos e padrões geométricos abstratos e coloridos inspirados na natureza projetados nas superfícies.

Imagem: SIMEON (2017).

Figura 2. Paisagem híbrida de Stifters Dinge, de Heiner Goebbels, 2007.

Por fim, apresentamos o artigo de Ligia Diniz (2017), Uma Alma que Dança ou Despenca: corpo e presença na experiência literária, no qual a pesquisadora desenvolve uma discussão sobre o corpo durante a fruição de textos poéticos e ficcionais, propondo a imaginação como uma forma de produção de presença, na qual a fisicalidade é mobilizada a partir dos efeitos de leitura. Este artigo é o que mais contribui para pensar a dramaturgia como produtora de teatralidade e performatividade, objetivo de minha pesquisa atual.

Realizamos esse levantamento justamente para indicar a pluralidade de reflexões que ampliam a noção de presença e evidenciam a abrangência dos materiais disponíveis nas numerosas edições da Revista Estudos da Presença. De aspecto completamente interdisciplinar, esses artigos, e outros não citados, nos convidam a expandir o campo de reflexão e a construir novos diálogos com as pesquisas das artes da cena.

Nota

1. Pesquisa financiada pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (processo: #2021/04837-9).

Sobre Charles Feitosa

É professor titular e pesquisador dos Programas de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGAC/UNIRIO) e de Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGF-UFRJ), além de coordenador do Pop-Lab (Laboratório de Estudos em Filosofia Pop).

Referências

ICLE, G., et al. Editorial. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 1, no. 2, pp. 263–267 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266024671. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/cKnQHFjL9FBkzsCdsDnW4vD/

DINIZ, L.G. Uma Alma que Dança ou Despenca: corpo e presença na experiência literária. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 7, no. 3, pp. 477–504 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266068773. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/JhsG8B6w6kC4Z3PRBxwDk9D/ 

FEITOSA, C. Fronteiras entre as Artes da Performance e a Filosofia. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 10, no. 1, pp. 01–25 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266092410. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/LYGSWgwhZ3bRZtfMXppzrbq/  

FERRER, M.C. Presenças Impessoais: tons de humano na cena-paisagem. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 7, no. 3, pp. 626–648 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266047774. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/J5YRqw7j5KpyN9DK4rRH9Pw/  

NUNES, J. and BAUMGARTEL, S. A Construção de Presença e a Cena Teatral Multimidiática: a hegemonia de uma presença imanente. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 5, no. 3, pp. 640–661 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266047774. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/J5YRqw7j5KpyN9DK4rRH9Pw/ 

SIMEON, S. Efeitos de Presença: estratégias do filme-teatro? Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 7, no. 3, pp. 573–600 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266069703. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/7dQVbW7Fvqdm6frwDZmRKCj/ 

WOSNIAK, C. Pina Bausch e Café Müller no Cinema: a mise-en-scène da copresença do corpo e dos olhos fechados. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2018, vol. 8, no. 3, pp. 469-486 [viewed 03 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266076227. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/QDsmYXcnzSKBMCmHNzLxPfD/  

Links externos

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Revista Brasileira de Estudos da Presença – Site: https://www.seer.ufrgs.br/presenca

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

SOUZA, L. A presença como campo de pesquisa nas artes cênicas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/09/03/a-presenca-como-campo-de-pesquisa-nas-artes-cenicas/

 

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