O período final do pensamento desse autor tem uma preocupação filosófico-metodológica centrada na análise terapêutica dos usos dos conceitos, em jogos de linguagem, engastados em formas de vida. O objetivo desta análise filosófica de Wittgenstein é apresentar as razões que levam às confusões conceituais que são causas dos mal-entendidos, da petrificação e do adoecimento do pensamento.
O esclarecimento apresentado visa dissipar as confusões. No que concerne à relação entre a lógica e os fatos, a terapia filosófica deve incidir sobre a pretensão de uma lógica pura e cristalina que daria conta, universalmente, da articulação dos limites do possível.
A recusa a tal pretensão não renuncia, no entanto, a uma análise gramatical do arcabouço do possível, em uma dimensão regionalizada e contextualizada. É a passagem do estabelecimento de limites lógicos universais, segundo um modelo e método únicos, para uma gramática filosófica com diferentes métodos, sobretudo os de fazer exaustivas descrições e exemplificações. Com essa nova abordagem filosófica, mostra que a necessidade é instituída pela prática e não por uma lógica pura e a priori.
Os temas da filosofia da psicologia e da certeza são tematizados sob essa perspectiva. Com isso, a vagueza conceitual, a fluidez dos limites e a interconexão conceitual são cotejadas com o quadro de referências herdado e a imagem de mundo sob os quais os nossos juízos e formas de julgar são instituídos.
Na obra “Da certeza” lemos: “[a] verdade de certas proposições empíricas pertence ao nosso quadro de referências” (Wittgenstein, 2000, § 83, p. 35). O artigo de Oliveira (2024), objeto deste comentário, está em consonância com este aforismo, pois o essencial de sua análise pode ser simbolizado com esta passagem: “[a] fluidez dos limites é sobretudo resultado do entrecruzamento entre as categorias e o quanto elas se manifestam vagas em algumas situações (Wittgenstein, 2007b, § 319)”, conforme Oliveira (2024, p. 7).
Destarte, a certeza e os conceitos psicológicos são analisados a partir da forma regrada com que o sujeito interage, em suas diversas práticas, onde tais conceitos são instituídos, em contextos específicos, articulados com formas de vida, base desses jogos. Desta forma, “Quando os jogos de linguagem mudam, há uma modificação nos conceitos e, com as mudanças nos conceitos, os significados das palavras mudam também” (Wittgenstein, 2000, § 65, p. 31).
SALLES, J. C. Gatos, peixes e elefantes: a gramática dos acordos profundos. 1ª ed. – São Paulo: Aretê, 2024.
WITTGENSTEIN, L. Da Certeza. Lisboa: Edições 70, 2000. Tradução de Maria Elisa Costa.
WITTGENSTEIN, L. Observações sobre a filosofia da psicologia. Vol. I e II. Aparecida, São Paulo: Ideias e Letras, 2008. Tradução de Ricardo H. P. Machado.
É doutor em ensino, filosofia e história das ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA/UEFS), mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), além de professor titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador – BA.
HILLESHEIM, V. A relação entre Lógica e Fatos na obra de Wittgenstein [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/11/19/a-relacao-entre-logica-e-fatos-na-obra-de-wittgenstein/
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