A reivindicação liberal de liberdade, implicando antes de tudo na proteção privada contra os desmandos absolutistas, acaba por atravessar as revoluções mediante as quais a burguesia se emancipa com demandas de libertação que não chegam a se traduzir em uma exigência de participação efetiva no exercício do poder político.
Os ideais de liberdade da Revolução Francesa teriam se desencaminhado na violência e no terror devido às urgências da questão social que determinou seu curso. A Revolução Americana, por sua vez, ainda que mais bem sucedida na fundação de um novo corpo político mediante uma associação federativa e o estabelecimento de uma constituição, viu as demandas de participação política serem reduzidas à atenção às liberdades civis e a um sistema representativo eleitoral, ainda assim permanentemente ameaçados pela interpretação da busca da felicidade em termos estritamente privados.
A autora sustenta que a revolução nos Estados Unidos da América estabelece um novo ideal de espaço público e que Hannah Arendt saudou a democracia estadunidense como local de invenção da própria política moderna.
Para ela, foi o estabelecimento de uma constituição, a consolidação de uma federação em vez de um Estado soberano e a aposta na limitação do poder político pelo jogo entre os poderes institucionais, de modo que o poder executivo era ponderado pelo legislativo, principalmente o Senado, como instituição duradoura da opinião, e pela Suprema Corte, como lugar da autoridade e instituição duradoura para o julgamento.
Arendt teria idealizado esta organização política como um antídoto eficaz contra a dominação e por isto teria perdido de vista suas armadilhas na limitação da participação política, como teria apontado Jürgen Habermas.
Para a autora, Habermas teria evidenciado contradições da noção burguesa de esfera pública que teriam escapado a Arendt. Ele teria evidenciado o caráter burguês e de dominação econômica de classe subjacente a essa esfera pública, que traduziria no âmbito político as desigualdades estruturais da esfera privada da economia.
O próprio Habermas, entretanto, não teria prestado a devida atenção ao fato de que a forma do discurso que opera na formação da opinião e da vontade nessa esfera pública, de matriz europeia e pretensamente universal, acaba por reproduzir exclusões de gênero, étnico-raciais, geográficas, sociais, relacionadas a níveis de instrução etc. A questão central sobre quem é digno de ocupar o espaço público não seria, portanto, adequadamente respondida por Habermas.
Seja como for, conclui a autora, repensar a história das lutas liberais e evidenciar suas contradições e limites é parte incontornável de um compromisso cívico com o futuro.
CORREIA, A. Apontamentos críticos sobre a liberdade política e o republicanismo no pensamento de Hannah Arendt [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/02/14/apontamentos-criticos-sobre-a-liberdade-politica-e-o-republicanismo-no-pensamento-de-hannah-arendt/
No artigo Liberalismo e republicanismo: avanços e contradições sobre o espaço público no pensamento de Hannah Arendt, publicado na Trans/Form/Ação, Marcela Uchôa parte da análise crítica feita por Hannah Arendt sobre o lugar da liberdade política nas revoluções francesa e estadunidense para refletir sobre possíveis limites da própria concepção participativa de liberdade política defendida por Arendt.
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