Sílvia de Souza Leão, jornalista
A integridade na produção científica enfrenta um de seus maiores desafios com a recorrência do plágio, em especial do autoplágio, nas submissões a periódicos. Embora não seja um tema novo, trata-se de um problema ético recorrente. O meio acadêmico em sua necessidade de publicar depara-se na atualidade, mais do que nunca, com práticas que põem em risco a qualidade de publicações.
Uma vertente das pesquisas desenvolvidas em anos recentes no contexto do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas (BGOELDI), dedicou-se à análise das políticas antiplágio no segmento de periódicos da área das Ciências Humanas. Os estudos oferecem uma radiografia dos desafios enfrentados na editoração científica e reforçam a necessidade de práticas editoriais comprometidas com a ética, a originalidade e a qualidade das publicações acadêmicas.
Beltrão, et al. (2022) em Análise das políticas de plágio na publicação científica: o caso de um segmento de revistas da área de Ciências Humanas na América Latina (Transinformação, vol. 34, 2022) investigaram as práticas editoriais de 14 periódicos indexados no SciELO Brasil, com foco nas áreas de Antropologia, Linguística e Arqueologia. A pesquisa revelou que, embora sete revistas adotem padrões internacionais como os do COPE (Committee on Publication Ethics), as recomendações do ICMJE (International Committee of Medical Journal Editors) e os guias do SciELO, apenas quatro abordam diretamente o autoplágio.
Este se manifesta, principalmente, na reutilização não referenciada de trechos de dissertações e teses por seus próprios autores. A editora entrevistada pelas pesquisadoras afirma que “o autoplágio representa a prática de ignorar que é necessário se autorreferenciar”, destacando casos de cópia com até mais de 80% de similaridade, frequentemente sem aspas ou referências ao trabalho original. Em situações dessa natureza, a similaridade textual elevada compromete o ineditismo dos artigos científicos, princípio essencial da comunicação científica.
O estudo Controle de qualidade e arbitragem em editoração científica: formas de plágio em periódico da área de Ciências Humanas (Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, vol. 16, no. 2, 2023), desenvolvido pelas autoras e publicado em 2023 analisou as submissões ao BGOELDI entre 2016 e 2020, revelou que 314 das 532 submissões rejeitadas foram rejeitadas por plágio, sendo a maioria autoplágio.
A pesquisa utilizou dados extraídos da plataforma ScholarOne Manuscripts com apoio do software iThenticate para detecção de similaridade textual. As análises revelaram que o autoplágio ocorre, na maior parte dos casos, quando autores tentam publicar, sem referência adequada, conteúdos já apresentados em sua maioria, em monografias de diversos tipos, mas, em particular, dissertações e teses.
Figura 1. Demonstrativo relativo às rejeições por plágio no período (2016-2020)
No estudo publicado em 2023, as autoras também identificaram práticas mais graves, como plágio direto e envio de traduções de trabalhos alheios sem atribuição. Um caso exemplar envolveu a submissão, em inglês, de artigo já publicado anos antes em francês, com autoria distinta, evidenciando apropriação indevida. “Atualmente, há uma política de ‘tolerância zero’ ao plágio”, ressalta Vasconcelos (2007, p. 4), destacando a seriedade com que a comunidade científica vem tratando o problema.
O estudo classifica também os diferentes tipos de plágio — do mosaico ao inadvertido, passando pelo plágio por negligência, além da chamada “publicação salame” — e reforçou que muitas dessas condutas podem decorrer da ausência de formação ética adequada durante a trajetória acadêmica. Ações educativas desde os níveis iniciais da formação científica são estratégicas como prevenção à prática de plágio de qualquer tipo.
O BGOELDI, a exemplo de outros periódicos, é signatário das diretrizes do Committee on Publication Ethics (COPE). Sua experiência editorial evidencia a importância dos mecanismos de controle, da transparência nas políticas editoriais e do uso criterioso de tecnologias de detecção, com o objetivo de garantir a originalidade dos trabalhos publicados.
Rigor e vigilância
O Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas (BGOELDI) adota diretrizes rigorosas, entre elas a recomendação explícita de que artigos derivados de teses ou dissertações apresentem redação original e distinta. O periódico esclarece que não publica capítulos desses trabalhos, mas encoraja a produção de artigos inéditos baseados em seus resultados desde que haja uso adequado de citações. Além disso, as decisões editoriais são acompanhadas de orientações específicas, para que os autores possam ajustar seus textos e compreender as boas práticas em publicação científica.
Outro aspecto relevante destacado no estudo diz respeito à responsabilidade compartilhada entre autores, editores, pareceristas e instituições. Situações como plágio por tradução, autoria fantasma, fatiamento de artigos ou “publicação salame” (salami science) e reaproveitamento de dados sem a devida transparência evidenciam que a integridade científica vai além da simples originalidade textual.
Exige-se comprometimento ético em todas as etapas da produção do conhecimento, desde a concepção da pesquisa até sua publicação e circulação. Casos mais graves, como a tradução não autorizada de artigos internacionais com atribuição indevida de autoria, foram identificados e retratados por periódicos da amostra, conforme orientações do COPE.
Conclui-se que, diante da fragilidade ética que o plágio representa, os periódicos científicos desempenham papel decisivo não apenas na repressão a essas práticas, mas também na orientação e formação de autores. A adoção de políticas editoriais transparentes, o alinhamento a padrões éticos reconhecidos internacionalmente e o investimento em educação científica são estratégias indispensáveis para garantir a credibilidade da produção acadêmica.
Para ler os artigos, acesse
BELTRÃO, J.F., SILVA, T.C. and SILVA, N.L.L. Análise das políticas de plágios na publicação científica: o caso de um segmento de revistas da área de Ciências Humanas na América Latina. Transinformação [online]. 2022, vol. 34, e220018 [viewed 10 September 2025]. https://doi.org/10.1590/2318-0889202234e220018. Available from: https://www.scielo.br/j/tinf/a/dxgjq3VHxFgmkMG6Y8w6GZj
BELTRÃO, J.F., SILVA, T.C. and SILVA, N.L.L. Controle de qualidade e arbitragem em editoração científica: formas de plágio em periódico da área de Ciências Humanas. Revista Ibero-Americana De Ciência Da Informação [online]. 2023, vol. 16, no. 2, pp. 365-583 [viewed 10 September 2025]. https://doi.org/10.26512/rici.v16.n2.2023.46876. Available from: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/46876
Referência
VASCONCELOS, S.M.R. O plágio na comunidade científica: questões culturais e linguísticas. Ciência e Cultura. 2007, v. 59, n. 3, pp. 4-5 [viewed 10 September 2025]. Available from: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252007000300002
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