A presença do intérprete de língua de sinais na escola garante a inclusão social da criança surda?

Maria Helena Cruz Pistori, Editora associada de Bakhtiniana, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil

Capa do terceiro número de 2018 de Bakhtiniana

Capa do terceiro número de 2018 de Bakhtiniana

Sob a editoria ad hoc de Vinicius Nascimento (Universidade Federal de São Carlos – UFSCar), este número do periódico Bakhtiniana (v. 13, n. 3) reúne 8 artigos que permitem ao leitor, nesta era da pós-modernidade e de consolidação dos direitos humanos, refletir sobre o importante problema da inclusão social dos diferentes. O belo Editorial do editor ad hoc apresenta-nos os modos como a tradução e a interpretação das línguas de sinais se constituíram e se constituem no “grande tempo” da cultura.

É a obra de Mikhail Bakhtin e o Círculo que dá embasamento às reflexões do Editorial, oferecendo contribuições significativas para a compreensão da cultura enquanto processo sócio-histórico, e mostrando como as chamadas culturas surdas e sua linguagem têm emergido do grande tempo da cultura para o pequeno tempo atual (cf. BAKHTIN, 2006, p. 410). Nascimento lembra o silenciamento das comunidades surdas durante um longo período histórico, sobretudo na educação institucionalizada, o que não lhes permitiu “se narrarem do lugar da sua diferença linguística e cultural. Nesse tempo de proibição formal, de 1880 (MOURA, 2000) até meados da década de 1980, não tiveram o direito de perceber e promover suas próprias características devido ao aculturamento pelo qual foram submetidas a fim de serem transformadas em comunidades ouvintes deficientes”.

Na esteira dessas reflexões, destacamos neste espaço dois artigos do número. O primeiro, “Reflexões acerca da presença de intérpretes de língua de sinais nos anos iniciais de escolarização”, foi redigido em coautoria por Ana Claudia Balieiro Lodi, da Universidade de São Paulo – USP, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, reconhecida pesquisadora na área, que vem se dedicando ao tema da educação de crianças surdas ao menos desde o início da década de 1990; e Leonardo Peluso, da Universidad de la República – UdelaR, Instituto de Psicología, Educación y Desarrollo Humano, Uruguay, pesquisador uruguaio também com importantes contribuições bibliográficas para a compreensão da cultura sorda. A parceria revela-se bastante profícua e instigante, pois o leitor tem acesso a reflexões e questionamentos acerca do papel do intérprete de língua de sinais nos anos iniciais da escola no Brasil, e antevê as perspectivas (e possíveis problemas) de alterações das políticas de inclusão do sistema uruguaio.

A relação entre línguas/culturas – mostram-nos os autores, é bastante complexa, na medida em que ambas possuem valores sociais de prestígio bastante assimétricos, o que impacta a atuação do intérprete, tornando particulares as condições de produção discursiva para a aprendizagem e a própria constituição linguístico-discursiva dos alunos surdos como sujeitos. Dessa forma, mantém-se a reprodução ideológica que privilegia grupos ouvintes, em detrimento da possibilidade de inclusão educacional dos surdos. Os autores questionam, pois, o próprio conceito de inclusão, e alertam para a necessidade de sua ampliação, de modo a assegurar ao cidadão o reconhecimento social, cultural e linguístico em todas as esferas sociais.

O segundo artigo aqui destacado, “Educação como percurso: por uma mestria ativa, criativa e inventiva na educação de surdos”, também tem como foco a educação da criança deficiente auditiva, mas sob o prisma de filósofos franceses contemporâneos, como Foucault, Deleuze e Guattari. Foi redigido por Vanessa Regina de Oliveira Martins (Centro de Educação e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar), pesquisadora vinculada ao grupo de pesquisa Surdez e Abordagem Bilíngue (UFSCar), e Sílvio Gallo (Faculdade de Educação, UNICAMP-SP), presidente da SOFIE, Sociedade Brasileira de Filosofia da Educação.

Novamente é problematizada a realidade da educação de surdos, o ensino com dois sujeitos condutores em sala de aula: o professor regente e o intérprete educacional. Mas aí a proposta de educação “com o outro” e não “como o outro” é ilustrada por meio de duas obras literárias: O mestre ignorante, de Jacques Rancière, e O mestre inventor, de Walter Kohan. Trata-se de figuras de mestres que propõem encontros criativos e singulares com seus alunos, proporcionando-lhes oportunidades de aprendizagem, ensino, criação e constituição de si mesmos.

Enfim, se no amplo diálogo que constitui nossa existência “o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos” (BAKHTIN, 2006, p. 349), isto é, por meio de toda e qualquer linguagem, este número é mais uma oportunidade de reflexão e interação comunicativa a propósito do importante tema da inclusão social e, especialmente, da deficiência auditiva.

Referência

BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 337-358.

BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 393-410.

MOURA, M. C. O surdo: caminhos para uma nova identidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.

Para ler os artigos, acesse

Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso vol.13 no.3 São Paulo set./dez. 2018

Link externo

Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso – BAK: www.scielo.br/bak/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PISTORI, M. H. C. A presença do intérprete de língua de sinais na escola garante a inclusão social da criança surda? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/10/30/a-presenca-do-interprete-de-lingua-de-sinais-na-escola-garante-a-inclusao-social-da-crianca-surda/

 

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