Carolina Othero, colaboradora da Varia Historia e mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
O periódico Varia Historia, em seu terceiro número do ano de 2018 (v. 34, n. 66), apresenta o artigo “Tornar a ciência popular: Figuier nos jornais e revistas do Brasil (1850-1870)”, da historiadora Kaori Kodama, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz. Louis Figuier (1819-1894) foi um jornalista e cientista francês que fez grande sucesso na França devido a seus livros e artigos que buscavam tornar a ciência acessível para públicos mais amplos. Professor de química na Escola de Farmácia de Paris, Figuier foi um dos mais bem-sucedidos “vulgarizadores” das ciências. Seus escritos apresentavam aos curiosos as mais recentes descobertas técnicas, ente elas a fotografia, a telegrafia e a iluminação a gás. Valendo-se em seus textos de uma linguagem amena e agradável, Figuier procurava ao mesmo tempo instruir e divertir seu público. Ele era, assim, um mediador da ciência: um sábio entre seus pares, mas também alguém que escrevia para todos. O artigo de Kodama acompanha e analisa as menções a Figuier na imprensa brasileira entre os anos 1850 e 1870, mostrando como ele foi um sucesso também por aqui.
A partir da análise das diferentes menções que os jornais e revistas brasileiros fizeram ao vulgarizador, a autora pôde investigar a emergência de uma “ciência popularizada” e a consolidação de um gênero específico, a “vulgarização científica”. Ao longo do artigo, Kodama buscou responder algumas questões, entre elas: quais os objetivos desse novo gênero? A quais públicos ele se destinava? Qual o valor e importância eram atribuídos à ciência nesse momento? E, por fim, qual era o perfil desse escritor que, na segunda metade do século XIX, popularizava a ciência produzida pelos sábios? O artigo mostra como o período entre 1850 e 1870 se configurou como época de ouro da divulgação científica em diversos contextos nacionais. Os divulgadores consideravam que tinham como missão levar as ciências para o povo, valorizando uma tradição iluminista de propagação das Luzes e fazendo parte de um mercado que se expandia consideravelmente nesse período que era o dos livros, revistas e jornais.
No caso específico do Brasil, a segunda metade do século XIX foi marcada por movimentos intelectuais que valorizavam o pensamento científico e a modernidade. Nesse período, a imprensa cresceu e novas instituições científicas foram criadas. As imagens da expansão das ferrovias, das máquinas de vapor e de outras inovações da segunda revolução industrial fascinavam as imaginações. Foi nesse contexto que a ciência passou por um processo de crescente institucionalização (HEIZER, 2009). Também nesse momento, configurou-se um público leitor composto por não-cientistas, mas que estava ávido por consumir e por compreender as novidades técnicas. Kodama, ao acompanhar as diferentes menções que a imprensa brasileira fez a Figuier, analisa a configuração desse público, bem como os contornos que a figura do divulgador científico foi assumindo nesse período.
A autora mostra como Figuier foi apropriado pela imprensa brasileira a partir de uma dupla inserção: ele era o cientista, mas também o vulgarizador. Seus textos foram citados, ao longo dos anos 1850, em periódicos de medicina e foram mobilizados por um público de homens de ciência, que discutiam questões técnicas. Por outro lado, ele também foi mencionado, nessa mesma década, em jornais de maior circulação. Esses periódicos se apropriaram dos textos do autor visando leitores de caráter leigo e que estavam fora das atividades acadêmicas, especialmente os lavradores e os industriais. Nesses casos, a autoridade do cientista era considerada, mas também sua “elegância de estilo” e o fato de seus textos serem úteis àqueles que consideravam as ciências em suas aplicações (KODAMA, 2018, p. 632). O que mais interessava a esse público leitor era a utilidade que a ciência poderia ter: sua aplicação no cotidiano, na modernização das técnicas agrícolas e industriais.
Nos anos 1860 e 1870, os leitores que liam e consumiam os textos de Figuier multiplicaram-se e diversificaram-se mais ainda. Os artigos do divulgador passaram a figurar em um novo nicho de mercado que se consolidava: uma imprensa voltada para mulheres, novas leitoras em potencial da ciência popularizada. Alguns dos livros do autor foram traduzidos, tornando-se mais acessíveis, entre eles “As grandes invenções antigas e modernas”. Nesses livros, havia um modo heroico e épico de narrar, que apresentava o crescente progresso das ciências, salientando as principais descobertas e os grandes cientistas. Nos anos 1870, com o crescente debate em torno da importância da instrução pública, os livros e textos do divulgador também foram tomados como potenciais materiais didáticos para o ensino de ciências naturais para crianças e jovens. A divulgação científica passou a ser concebida, desse modo, como gênero que poderia desempenhar lugar central na educação formal, especialmente naquela baseada em uma pedagogia que tinha como pressupostos o progresso e o triunfo da ciência sobre o mundo (KODAMA, 2018, p. 622-623).
Ao mostrar essas diversas apropriações dos textos de Figuier na imprensa brasileira, Kodama evidencia como as fronteiras e as hierarquias entre o texto científico, escrito para os pares, e o texto voltado para a popularização das ciências não eram bem demarcadas. Os divulgadores estavam inseridos no mundo científico e no mundo dos leigos, o que indicava que a divulgação ainda não era uma atividade especializada, como ela se tornou no século XX, na era da comunicação de massas. A hierarquização entre a ciência popularizada e a ciência dos eruditos nada tem de natural: ela foi se consolidando paulatinamente e historicamente. Nesse sentido, o artigo de Kodama é um exercício de historicização da mediação científica, que mostra como ela possuiu contornos particulares em contextos sociais específicos. Além disso, ele é um convite para se repensar as hierarquias vigentes no campo da ciência e para se problematizar os lugares ocupados pelos cientistas na sociedade, bem com os públicos para os quais eles escrevem.
Referência
HEIZER, A. Ciência para todos: a Exposição de Paris de 1889 em revista. Fênix – Revista de História de Estudos Culturais, v. 6, n. 3, p. 1-22, 2009. ISSN: 1807-6971 [viewed 1 November 2018]. Available from: http://www.revistafenix.pro.br/PDF20/ARTIGO_15_Alda_Heizer_FENIX_JUL_AGO_SET_2009.pdf
Para ler o artigo, acesse
KODAMA, K. Making Science Popular Figuier in the Brazilian Newspapers and Magazines (1850-1870). Varia hist. [online]. 2018, vol.34, n.66, pp.601-636. ISSN 0104-8775. [viewed 17 December 2018]. DOI: 10.1590/0104-87752018000300003. Available from: http://ref.scielo.org/w226fn
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