Tuanni Borba, Equipe de Comunicação do INCT Observatório das Metrópoles, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
No contexto econômico vigente desde os anos 1970, marcado pela crise de acumulação capitalista global e pelo esgotamento da expansão econômica com base no setor produtivo industrial, os investimentos imobiliários passaram a configurar uma nova frente de expansão do capital financeiro. Tornou-se especialmente atrativo investir nos centros de grandes metrópoles em processo de crescimento, aproveitando condições privilegiadas de investimento lucrativo já não encontradas em outros setores da economia. No entanto, esse processo tem sido marcado por grandes descontinuidades. O fortalecimento dos mercados imobiliários especulativos, a desconexão entre a agenda urbana e ambiental e o processo de metropolização desordenado, foram acompanhados pela elaboração de planos diretores ”alterados” ao sabor dos interesses de grupos políticos locais, acentuando as dificuldades de alavancar o debate e a atuação política rumo a novas formas de governança que recuperem a função social da cidade e da metrópole.
Este número comemorativo dos 20 anos dos Cadernos Metrópole recoloca questões tratadas desde o final dos anos 1990, período em que o periódico se consolidou como importante veículo de comunicação científica, abrindo espaço para o debate acadêmico-político, plural e interdisciplinar e subsidiando a elaboração de políticas públicas.
O conjunto de textos publicados no número 43 dos Cadernos Metrópole aborda fenômenos em curso no interior das cidades contemporâneas, cuja expressão espacial repercute nas muitas dimensões da vida social. A diversidade dos temas tratados, as possibilidades apresentadas pelos enfoques teórico-metodológicos e a riqueza dos estudos de caso expressam a complexidade da questão urbana e permitem uma leitura abrangente de fenômenos em curso nas cidades da América Latina e do Brasil, numa perspectiva multidisciplinar.
O primeiro texto, “Os sentidos da metrópole: balanço conceitual com base nas publicações dos Cadernos Metrópole”, Olga Lucia Castreghini Freitas-Firkowski e Patricia Baliski analisam os sentidos da metrópole e propõem um balanço conceitual com base nos artigos veiculados pelo conjunto de números do periódico, em seus vinte anos de existência. Nesse balanço, são destacadas as matrizes teóricas, os principais conceitos e as metodologias que embasaram os textos ali publicados sobre a metrópole e sobre os processos de metropolização em sociedades contemporâneas, apontando os rumos e o alcance das análises realizadas.
Em “Cambios neoliberales, contradicciones y futuro incierto de las metrópolis latinoamericanas”, de autoria de Emilio Pradilla Cobos, discute-se como o neoliberalismo e os ciclos de crescimento econômico subordinados à acumulação capitalista mundial, aliados a uma crise social prolongada, têm alterado as estruturas socioeconômicas e territoriais na América Latina. Segundo o autor:
Nas duas últimas décadas do século XX, crises econômicas recorrentes e o abandono do padrão intervencionista de acumulação de capital desde a Segunda Guerra Mundial, e sua substituição abrupta pelo neoliberal, em meio a uma nova fase da globalização capitalista (PRADILLA COBOS, 2009, capítulo VIII), trouxe consigo uma onda de profundas mudanças urbanas, que ainda continuam, e fizeram com que as cidades latino-americanas se mudassem para formas metropolitanas e a constituição de extensas cidades-regiões (PRADILLA COBOS; MÁRQUEZ, 2007) aguçou suas contradições e conflitos.
Dando sequência ao debate, o artigo de Carlos Eduardo Martins, “O sistema-mundo capitalista e os novos alinhamentos geopolíticos no século XXI: uma visão prospectiva”, discute, em perspectiva de longa-duração, os efeitos dos processos da financeirização do capital, com destaque para a crise de hegemonia do eixo “atlantista” da economia mundial e o declínio das potências marítimas que tradicionalmente dirigiram a civilização capitalista.
O texto de Inaiá Maria Moreira de Carvalho e Cláudia Monteiro Fernandes, “Vulnerabilidade ocupacional e social nas grandes metrópoles brasileiras”, destaca que as transformações contemporâneas do capitalismo, a mundialização da economia, a financeirização da riqueza e o avanço das ideias e das políticas neoliberais estão na origem das sucessivas crises econômicas, que acentuam as desigualdades e as carências sociais. De acordo com as autoras:
Nessa nova fase de expansão do sistema, mesmo nos países centrais, vêm ocorrendo uma relativa desconstrução e um enfraquecimento das articulações virtuosas entre o mercado, a democracia e a cidadania social que marcaram a constituição da sociedade salarial e do Estado de Bem-Estar Social, conforme ressaltam autores como Castel (2012) ou Kerstenetzky (2012), entre vários outros.
Já o artigo “Reflexiones en torno a las metástasis de las desigualdades en las estructuras educativas latinoamericanas” de Ruben Kaztman utiliza, de forma ilustrativa e pedagógica, a analogia da “metástase” para referir-se à forma pela qual as desigualdades econômicas implicam desigualdades em outras dimensões sociais, sobretudo a educativa.
O texto de Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva, Maria do Livramento Miranda Clementino e Lindijane de Souza Bento Almeida, “Governança colaborativa e regimes urbanos: convergências inesperadas em tempos difíceis”, apresenta uma proposta teórica e metodológica que aproxima a teoria dos regimes urbanos e os processos decisórios da política urbana.
Os temas da regulação do Estado sobre a economia e do estado do bem-estar social são também abordados no artigo “Cidadania, participação social e mobilização política”, de Manuel Villaverde Cabral, onde o autor apresenta importantes reflexões sobre os conceitos de cidadania e sociedade civil.
Completam ainda esse número artigos que tratam dos temas globalização e crise urbana, finanças globais: “A metrópole para além da nação: globalização e crise urbana” de Maurilio Lima Botelho; “Metrópole, moeda e mercados. A agenda urbana em tempos de reemergência das finanças globais” de Jeroen Klink; “Invisible production spaces in metropolitan areas: uncovering micro-urban manufacturing in the case of São Paulo, Brazil” de Giselle Kristina Mendonça Abreu; “Supergentrificação e capitalismo financeirizado: as novas fronteiras do espaço-capital na Colina de Santana, Lisboa” de Luís Mendes e Ana Jara; “Parceria público-privada para construção de moradia popular: fundamentos institucionais para a expansão do mercado de habitação em São Paulo” de Alvaro Luis dos Santos Pereira e Gabriel Maldonado Palladini; e “Da “cidade integrada” à “favela como oportunidade”: empreendedorismo, política e “pacificação” no Rio de Janeiro” de Lia de Mattos Rocha e Monique Batista Carvalho.
Referências
CASTEL, R. El ascenso de las incertitumbres. Trabajo, proteciones, estatuto del individuo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2012.
KERTENETZKY, C. L. O Estado de Bem-Estar Social na idade da razão: a reinvenção do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
PRADILLA COBOS, E. Los territorios del neoliberalismo en América Latina. México DF: Miguel Ángel Porrúa Editor; Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana, 2009.
PRADILLA COBOS, E. and MÁRQUEZ LÓPEZ, L. Presente y futuro de las metrópolis de América Latina. Cadernos Metrópole, n. 18, p. 173-206, 2007. ISSN: 1517-2422 [acessado 28 dezembro 2018]. Disponível em: http://cadernosmetropole.net/edicao/18
Para ler os artigos, acesse
Cad. Metrop. vol.20 no.43 São Paulo Sept./Dec. 2018
Link externo
Cadernos Metrópole – CM: www.scielo.br/cm/
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários