Camila Oliveira Görgen, Mestranda em Educação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS.
Camila Schorr Miná, Mestranda em Neurociência – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS.
Luciana Vellinho Corso, Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU/UFRGS) (linha de pesquisa Aprendizagem e Ensino) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS.
O estudo Associações entre desempenho neuropsicológico e desempenho aritmético: um estudo com alunos do Ensino Fundamental teve como objetivo principal investigar as funções cognitivas associadas às dificuldades em aritmética, focando em: a) analisar a relação entre o desempenho neuropsicológico e o desempenho em aritmética da amostra total de cada ano escolar; e b) investigar o desempenho dos alunos nas funções neuropsicológicas, divididos de acordo com o desempenho em aritmética para cada ano escolar. Participaram 167 alunos do 4º e do 6º do Ensino Fundamental, com idades entre 9 e 12 anos.
Os dados obtidos neste estudo colaboraram para a literatura da área da educação e da neuropsicologia voltada ao ambiente escolar, porque há poucas pesquisas brasileiras que fazem relação entre desempenho neuropsicológico e desempenho aritmético. Faz-se ainda mais significativo pelo fato que abrange oito diferentes funções neuropsicológicas a partir de 26 subtestes, possibilitando verificar as funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho aritmético.
Acredita-se ser essencial que as evidências científicas cheguem até os professores, a fim de que possam conhecer, refletir e dar mais significado ao seu fazer docente. Isso porque o ensino precisa estar baseado em evidências científicas e não na intuição docente (DORNELES; HAASE, 2018).
A pesquisa, realizada em 2019, deu-se por ocasião da dissertação de mestrado da primeira autora, Camila Görgen, sendo as demais: Luciana Corso, orientadora do trabalho e Camila Miná uma das participantes da normatização do instrumento de avaliação neuropsicológica utilizado nesse estudo. Todas as pesquisadoras possuíam vínculo com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
As principais análises realizadas envolveram os escores do Subteste de Aritmética do Teste de Desempenho Escolar (TDE) (STEIN, 1994) e da bateria de avaliação neuropsicológica NEUPSILIN-Inf (SALLES; PARENTE; FONSECA, 2016). Foram feitas correlações de Pearson entre a amostra total de cada ano escolar e o Teste t para averiguar diferenças entre os grupos, de cada ano escolar, formados com base no desempenho do TDE.
Em relação ao primeiro objetivo, verificou-se que para o 4º ano, as funções neuropsicológicas relacionadas com o desempenho aritmético são as seguintes: memória de trabalho, memória semântica, subtarefas de linguagem oral e escrita, cálculos e habilidades visuoconstrutivas. No 6º ano, as relações apareceram de maneira significativa nas seguintes variáveis: orientação, memória episódico-semântica, memória de trabalho, escrita de palavras, cálculos e funções executivas.
Os resultados vão na mesma direção que os apresentados por Zelazo e Carlson (2020), Viapiana et al. (2016) e Gonçalves et al. (2017), os quais demonstram que quanto maior o nível escolar, mais recrutadas são as funções executivas, pois os conteúdos curriculares exigidos são mais complexos.
Quanto ao segundo objetivo do estudo, constatou-se que, para o 4º ano, as habilidades neuropsicológicas que diferenciam os alunos com e sem dificuldades são as habilidades aritméticas, os cálculos e as habilidades visuoconstrutivas. Em relação às habilidades aritméticas e aos cálculos, conforme esperado, o grupo com dificuldades aritméticas teve um desempenho muito inferior, se comparado ao grupo de desempenho médio e alto (considerado, neste estudo, grupo sem dificuldades).
Quanto às habilidades visuoconstrutivas, estudos apontam a importância desta habilidade de domínio geral para uma boa competência numérica (CIRINO, 2011; ZHANG, 2015). Sabe-se que a educação matemática inicial é regida pelas habilidades visuais (CARBONNEAU et al., 2013), juntamente com as de linguagem oral. Em relação ao 6º ano, oito funções neuropsicológicas diferenciam os alunos com e sem dificuldades. Para estes resultados é possível utilizar como respaldo teórico os modelos mais atuais de Geary (2013) e de Zhang (2015), que consideram que a linguagem e as funções executivas são habilidades subjacentes ao aprendizado da matemática.
Observou-se entre os anos escolares um aumento na porcentagem de alunos com dificuldades na aritmética (21,9% para o 4º ano e 31,5% para o 6º ano, ou seja, um crescimento de quase 10%), o qual pode dever-se às demandas de conteúdos mais abstratos. A matemática possui uma estrutura hierárquica que deve ser respeitada: os princípios de contagem, compreensão do sistema de numeração decimal, fatos básicos, recuperação dos fatos, compreensão do valor posicional, cálculos multidígitos e problemas (ANDERSSON, 2008; CASAS; CASTELAR, 2004; CORSO; ASSIS, 2017; GEARY et al., 2000).
A investigação das diferentes funções neuropsicológicas relacionada com o desempenho aritmético de grupos de alunos com e sem dificuldades nesta área, possibilita o delineamento de intervenções específicas para as funções que se mostram prejudicadas. Do mesmo modo, fornece a base para as práticas educacionais que possam prevenir as dificuldades na aritmética. Investigações deste tipo auxiliam também com subsídios para o desenvolvimento de avaliações consistentes e capazes de evidenciar alunos em risco de desenvolver dificuldades na aritmética.
Por assim ser, os avanços nesta área de pesquisa são fundamentais e promissores. Conhecer estes aspectos dará ao professor de sala de aula um novo olhar sobre o seu aluno, além de mais respaldo e autoridade para solicitar uma avaliação e intervenção multidisciplinar.
Destaca-se a importância de mais estudos que investiguem as relações entre o desempenho aritmético e as funções neuropsicológicas, de tal modo que se amplie o conhecimento sobre as alterações e os impactos destas associações nas diversas áreas acadêmicas. Também se faz necessário um maior investimento em instrumentos de avaliação e de intervenção em funções neuropsicológicas, bem como em formação de professores que possam estimular estas funções no âmbito escolar.
Referências
ANDERSSON, U. Working memory as a predictor written arithmetical skills in children: the importance of central executive functions. Br. J. Educ. Psychol [online]. 2008, vol. 78, pp. 181–203 [viewed 16 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1348/000709907×209854. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17535520/
CARBONNEAU, K.J., MARLEY, S. C. and SELIG, J. P. A meta-analysis of the efficacy of teaching mathematics with concrete manipulatives. Journal of Educational Psychology [online]. 2013, vol. 105, no. 2, po.380–400 [viewed 16 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1037/a0031084. Available from: https://asu.elsevierpure.com/en/publications/a-meta-analysis-of-the-efficacy-of-teaching-mathematics-with-conc
CASAS, A.M. and GARCIA CASTELLAR, R. Mathematics education and learning disabilities in Spain. Journal of Learning Disabilities [online]. 2004, vol.37, no.1, pp. 62–73 [viewed 16 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1177/00222194040370010701. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/00222194040370010701
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Links externos
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