A pesquisa em Artes Cênicas em destaque no blog SciELO em Perspectiva

Rafaella Uhiara, editora para popularização científica da Revista Brasileira de Estudos da Presença, Jovem Pesquisadora na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) credenciada no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.

Logo do periódico Revista Brasileira de Estudos da Presença

Nesta semana, o blog SciELO em Perspectiva apresentará uma programação especial dedicada ao único periódico exclusivamente voltado às artes cênicas da Coleção SciELO Brasil: a Revista Brasileira de Estudos da Presença. Referência em sua área de atuação, tanto no Brasil quanto na América Latina, a revista divulga, em acesso aberto, resultados originais de pesquisa em dois idiomas. A relação com o SciELO tem um papel importante na publicação, que vem implementando, com seu incentivo, as práticas da Ciência Aberta (Open Science), desbravando um universo desconhecido no campo das publicações em artes cênicas no Brasil. 

A programação especial desta semana propõe um mergulho no universo da pesquisa em artes cênicas a partir da observação de um periódico de excelência, de seus temas, suas transformações, seu funcionamento e posicionamento frente a questões sociais prementes.  

A questão da “presença” no espetáculo vivo (terça, 03/09)

A abertura da Semana Especial discute a noção de “presença”, que dá nome ao periódico. Apesar de fundamental e muito presente no universo do espetáculo vivo, essa noção não é inequívoca e, curiosamente, talvez esse seja um de seus atributos mais interessantes. O press release a ser divulgado na terça-feira trata justamente dessa temática, dando destaque para edições da revista que a evidenciam, como o volume 10, número 1.

Em um dos artigos publicados pelo periódico sobre o tema, Gilberto Icle, editor-chefe e cofundador da revista, versa sobre a noção que, segundo ele, “provém de um imaginário indefinido sobre a atuação, sobre a performance”, indicando “uma sensação de algo que escapa à palavra, algo que não cabe na linguagem”. Em realidade, Icle postula que não se pode falar da presença em si, pois a noção diz respeito a uma experiência partilhada, em movimento (Icle, 2011, p. 16). 

Dentro do contexto universitário brasileiro, fortemente moldado pelo hibridismo entre teoria e prática, no qual muitas pesquisas “tomam o trabalho artístico do próprio pesquisador como lócus de investigação” (ibidem, p.11), é pertinente, segundo Icle, abordar o campo por meio dos Estudos da Presença, visto que estes “se circunscrevem justamente na necessidade de pensar formas, maneiras e caminhos para este tipo de pesquisa” (ibidem), abarcando, por exemplo, as produções autorreferenciais, em que o pesquisador propõe uma reflexão a partir de seu próprio trabalho artístico “sem que isso seja um impeditivo para uma suposta objetividade científica a ser perseguida” (ibidem, p. 12).

“Talvez a presença não seja possível para nós, seres humanos” – polemiza Charles Feitosa no vídeo “Diálogos com a filosofia e as artes midiáticas”, que integra a postagem de terça-feira da Semana Especial. A partir do campo da Filosofia, o pesquisador e docente da UNIRIO problematiza a abordagem da noção de presença pelas artes cênicas no artigo Fronteiras entre as Artes da Performance e a Filosofia (Feitosa, 2020), publicado no número Filosofia-Performance, de 2020, que ele apresenta, buscando não desenvolver muito, pois deixa claro que o objetivo do seu vídeo é despertar a curiosidade e o desejo do internauta em ler seu artigo, assim como os outros trabalhos publicados na seção temática organizada por Laura Cull Ó Maoilearca e Luciana da Costa Dias em parceria com a rede Performance Philosophy (Ó Maoilearca; Dias, 2020)

O vídeo é acompanhado pelo texto “Presença como campo de pesquisa nas artes cênicas”, que traça o panorama das diferentes abordagens da noção de presença ao longo da história da revista. Dos primeiros dossiês inteiramente dedicados ao tema até os artigos posteriores, em que o conceito é mobilizado pontualmente em análises de manifestações cênicas bastante diversas, o texto de Lígia Souza aborda esse recorte temático transversalmente ao longo da história da revista, que já conta com mais de 40 números, publicados em seus quase 15 anos de atividades ininterruptas.

Fotomontagem de quatro edições da “Revista Brasileira de Estudos da Presença”, exibindo diferentes capas com temas e pessoas variadas. No centro, há uma coluna vertical com três logotipos “P*” estilizados; os logos nas extremidades são pretos, enquanto o logo central é branco.

Imagem: Revista Brasileira de Estudos da Presença.

Uma amostra da diversidade temática e metodológica nas artes cênicas (quarta, 04/09)

Damos sequência à programação da Semana Especial explorando alguns dos dossiês publicados pela Revista Brasileira de Estudos da Presença. Essa revisita ao arquivo (digital) do periódico mostra a riqueza de objetos, temáticas e metodologias que animam o campo da pesquisa em artes cênicas.  

O volume dedicado ao tema “Performance e Formas Animadas” fornece uma amostra interessante da variedade de objetos e abordagens dentro de um mesmo tema (Costa, 2022). Em um vídeo feito especialmente para a sua divulgação na Semana Especial, Rossana Della Costa demonstra sua preocupação, na edição do dossiê, em tratar o teatro de formas animadas em sua diversidade, contemplando tanto as manifestações culturais tradicionais populares quanto as implicações das formas animadas nas estéticas contemporâneas mais experimentais. 

Com efeito, os artigos que compõem o número tratam tanto de questões estéticas quanto pedagógicas, a partir da análise de objetos diversos que vão desde a presença travesti em performances brincantes nos quilombos do Reisado (Oliveira Jr., 2022) às diferenças na recepção de um espetáculo de formas animadas brasileiro pelo público nacional e europeu (Scrickte et al., 2022), passando por um estudo político histórico sobre a transformação, durante o regime nazista, de uma forma tradicional de teatro de bonecos da Alemanha (Alcure, 2022). Para a editora, essas perspectivas contribuem para o estudo dessa arte milenar no Brasil e no mundo. 

Em complemento ao vídeo, Ana Wegner apresenta um press release sobre um dos artigos do dossiê, intitulado Imagens como Aparição do Corpo: o jogo amoroso de Ilka Schönbein (D’Abronzo, 2022), que consiste em um estudo sobre uma abordagem contemporânea do teatro de formas animadas, que permite, inclusive, tensionar a importante noção de presença por meio do contraste entre o humano e o inanimado. 

A importância dos dossiês para o estado da arte de um tema (quinta, 05/09)

Voltando ao primeiro número temático publicado pelo periódico (vol. 3, n.º 1, 2013), a postagem de quinta-feira, 5 de setembro, traz Tatiana Motta Lima para um relato sobre a importância do volume que se tornou uma referência incontornável para os estudiosos e interessados no trabalho de Jerzy Grotowski e do Workcenter: o Dossiê Grotowski (Lima, 2013). Convidada para fazer a curadoria do que se imaginava ser “um pequeno dossiê” (ibidem, p.6), a autora do então único livro brasileiro sobre o tema (idem, 2012) viu o projeto se transformar em um grande volume, composto por 16 artigos assinados por alguns dos principais pesquisadores sobre o tema no Brasil e no mundo, além de 5 resenhas, compondo “uma espécie de estado da arte sobre as pesquisas em torno do diretor polonês”, como anuncia Gilberto Icle no vídeo de abertura da programação desta semana.

Mais de dez anos depois, o número organizado por Tatiana Motta Lima segue relevante para o campo da pesquisa em artes cênicas. Em uma breve consulta às estatísticas de acesso, a editora convidada comenta no vídeo de nossa postagem que, embora o número aborde “um artista específico, que talvez interessasse a um número mais restrito de pesquisadores”, ele continua sendo muito acessado, tendo alguns de seus textos entre os 100 mais acessados dentro da revista.

O vídeo da publicação é acompanhado por um texto de autoria de Juliana Coelho, intitulado “Arte como Veículo: as investigações de Jerzy Grotowski para além do século XX”.

O posicionamento do periódico e a função social da pesquisa (sexta, 06/09)

Para fechar nossa programação, Celina Alcântara propõe uma reflexão sobre o tratamento das questões étnico-raciais e de gênero na Revista Brasileira de Estudos da Presença, pauta que ela trouxe desde sempre para o periódico. Essa discussão é especialmente cara à editora associada não apenas por perpassar sua trajetória enquanto mulher negra, mas por ela assumir a função, dentro do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de tomar a frente desse debate face a transformações decisivas no ambiente universitário, como a política de cotas e a obrigatoriedade legal do ensino da cultura afro-brasileira e africana. 

Celina Alcântara propõe uma observação do modo como a abordagem dessa pauta se transformou na revista ao longo de sua história: se, em um primeiro momento, o tema aparece “de uma maneira um pouco mais genérica, entre aspas, no sentido de pensar como as relações raciais dão forma nessa relação com a performance” (conforme pode ser visto na seção temática Performance e Relações Étnico-raciais, vol. 7, n.º 2, 2017), em um segundo momento, já é possível pensar em processos criativos de pessoas racializadas nos espaços acadêmicos, por exemplo (conforme a abordagem da seção temática Poéticas Negras na Cena Contemporânea, vol. 12, n.º 4, 2022). A íntegra da reflexão de Celina Alcântara sobre o assunto poderá ser assistida no vídeo da postagem de sexta-feira, 06/09.

Em complemento, Ana Wegner apresenta o primeiro dossiê temático da revista sobre o tema – “Performance e Relações Étnico-raciais” (2017) –, inscrevendo-o em um panorama mais amplo de números temáticos alinhados aos princípios de diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade. A análise panorâmica do número culmina em um importante trecho do vídeo de Celina Alcântara em que ela avalia o lugar em que nos encontramos em relação a essa discussão: nossas dificuldades, o que estamos construindo e aonde pretendemos chegar. 

Frente a essas questões, os periódicos têm a prerrogativa – ou talvez o dever – de se posicionar. A função social dos periódicos é a de tornar públicos e acessíveis determinados debates e autores. É preciso, portanto, atentar-se à influência de algum viés – racista ou sexista, por exemplo – na escolha do que (ou quem) merece ser publicado.

Para essas e outras discussões, acompanhem a nossa programação nesta semana no blog SciELO em Perspectiva! Nossos próximos números também trarão algumas inovações para o campo da pesquisa em artes cênicas no Brasil, relativas à implementação de algumas práticas da Ciência Aberta (Open Science). Não percam! 😉

Sobre Gilberto Icle 

É editor-chefe da Revista Brasileira de Estudos da Presença, professor associado no Departamento de Ensino e Currículo e professor permanente no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É, também, professor permanente no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade de Brasília. É coordenador do GETEPE – Grupo de estudos em educação, teatro e performance (www.ufrgs.br/getepe), no qual dirige e atua na UTA – Usina do Trabalho do Ator, grupo de criação e investigação teatral. 

Referências

Práticas editoriais para uma Ciência Aberta [online]. Revista Brasileira de Estudos da Presença. s/d [viewed 02 September 2024]. Available from: https://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/cienciaaberta 

ALCURE, A.S. O Kasper está morto? Domesticação e doutrinação do Kaspertheater durante o Nacional-Socialismo. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online] 2022, vol. 1, no. 3, pp. 1-25 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-2660117208vs01. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/FrGbnVHGHvJxGpGnp9bpmJb/   

COSTA, R.D. (org.). Seção temática “Performance e formas animadas”. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 12, no. 3 [viewed 02 August 2024]. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/i/2022.v12n3/ 

D’ABRONZO, T.H. Imagens como Aparição do Corpo: o jogo amoroso de Ilka Schönbein. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 2, no. 3, e118932 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-2660118932vs01. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/MpjtZwRV8yRsw5Vv95jYvZm/ 

FEITOSA, C. Fronteiras entre as Artes da Performance e a Filosofia. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2020, vol. 10, no. 1, pp. 1-25 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266092410. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/LYGSWgwhZ3bRZtfMXppzrbq/ 

ICLE, G. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2011, vol. 1, no.1, pp. 9-27 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266023682. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/NXPDvgzrJX5pBqXzc95ywbR/ 

LIMA, T.M. Apresentação: para reler Grotowski. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2013, vol. 3, no. 1, pp. 6-19 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-266039097. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/cCbTMM8R3dCNtcdkkGjRjCy/  

LIMA, T.M. (org.). Número temático “Dossiê Grotowski”. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2013, vol. 3, no. 1 [viewed 02 September 2024]. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/i/2013.v3n1/ 

LIMA, T.M. Palavras praticadas: o percurso artístico de Jerzy Grotowski, 1959-1974. São Paulo: Perspectiva, 2012.

Ó MAOILEARCA, L.C. and DIAS, L.C. (org.). Seção temática “Filosofia-Performance”. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2020, vol. 10, no. 1 [viewed 02 September 2024]. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/i/2020.v10n1/ 

OLIVEIRA JR., R.J. Corpo Brincante: a presença travesti nas performances dos quilombos de Reisado. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol. 12, no. 3, pp. 1–30 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-2660118634vs01. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/r8WmFBC7L36MHrqFXhs4WmB/

SCHRICKTE, M., CHOULET, P. and BALARDIM, P. De cá pra lá, de lá pra cá: notas sobre a recepção teatral do espetáculo A Filosofia na Alcova. Revista Brasileira de Estudos da Presença [online]. 2022, vol.1, no.3, pp. 1–26 [viewed 02 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2237-2660116195vs01. Available from: https://www.scielo.br/j/rbep/a/GZd6Rwg9zPbvNmktxnwKjfk/ 

Links externos

Revista Brasileira de Estudo da Presença – RBEP: www.scielo.br/rbep

Revista Brasileira de Estudos da Presença – Site: https://www.seer.ufrgs.br/presenca

Revista Brasileira de Estudos da Presença – Redes sociais: Facebook | Instagram

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

UHIARA, R. A pesquisa em Artes Cênicas em destaque no blog SciELO em Perspectiva [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/09/02/a-pesquisa-em-artes-cenicas-em-destaque-no-blog-scielo-em-perspectiva/

 

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