Novo Ensino Médio e as principais dificuldades, benefícios e perspectivas percebidas por docentes

José Vitor Palhares dos Santos, Fundação Osorio, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Maria Catarina Paiva Repolês, Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais, Rio Pomba, Minas Gerais, MG, Brasil

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A Reforma do Ensino Médio, instituída por meio da Lei n.º 13.415/2017, trouxe um conjunto de mudanças para a Educação Básica – e em especial para o Ensino Médio – que afetam diretamente o processo de ensino-aprendizagem de docentes e discentes das redes públicas e privadas de todo o país. Porém, as mudanças nas práticas pedagógicas advindas de uma nova organização curricular nem sempre são absorvidas pelos membros da comunidade acadêmica com o mesmo entusiasmo (PAVAN; SENGER; MARQUES, 2022).

Levando isso em consideração, o estudo Percepções de docentes da educação profissional e tecnológica acerca da reorganização curricular do Novo Ensino Médio, publicado na Educação em Revista (vol. 40, 2024), teve como objetivo compreender as percepções de docentes da educação profissional e tecnológica da Fundação Osorio acerca da atual organização curricular proposta pelo Novo Ensino Médio, buscando entender as mudanças provocadas pela reforma, suas implicações no trabalho didático-pedagógico, no processo de ensino-aprendizagem, na qualidade dos cursos técnicos, no perfil dos profissionais a serem formados e as principais dificuldades, benefícios e perspectivas mediante a nova organização curricular dos cursos profissionalizantes da instituição.

Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo. Os dados foram coletados nos meses de junho e julho de 2023, por meio de survey qualitativo, pela aplicação de um questionário on-line com 35 docentes da educação profissional e tecnológica da Fundação Osorio, utilizando a ferramenta Google Formulários. Os dados foram analisados mediante Análise de Conteúdo.

Os resultados indicam a existência de um currículo formal/escrito e outro real, isto é, aquele que os professores realmente executam. Os desdobramentos da Reforma do Ensino Médio recaem, principalmente, sobre os docentes do ensino propedêutico, que destacaram como impactos do Novo Ensino Médio o esvaziamento do currículo escolar e a negligência de alguns temas importantes resultantes do agrupamento das disciplinas em grandes áreas do conhecimento, a desvalorização de determinadas disciplinas em detrimento de outras e o aumento da carga horária de reuniões pedagógicas e da carga horária de aulas para alguns professores. Já os professores das disciplinas técnicas relataram poucas implicações da reforma sobre o trabalho didático-pedagógico e sobre o processo de ensino-aprendizagem.

Como principais desdobramentos no processo de ensino-aprendizagem, além da perda de conhecimentos por parte os alunos, oriunda do agrupamento das disciplinas em grandes áreas e desvalorização de algumas disciplinas, os respondentes ressaltaram também a falta de critérios de avaliação integrada entre os componentes curriculares propostos para o Novo Ensino Médio, a sobrecarga de estudos para os alunos e a necessidade de mudanças estruturais nas instituições e comportamentais de docentes e discentes, para que a reforma seja implementada de forma efetiva.

Para alguns professores, o Novo Ensino Médio poderá impactar de forma negativa a qualidade dos cursos técnicos e o perfil dos profissionais a serem formados, tendo em vista a falta de entendimento, preparação e adesão efetiva dos professores e dos alunos à reforma; a redução da carga horária de algumas disciplinas e do esvaziamento dos currículos escolares, que irão precarizar a formação discente; a falta de estrutura física da Fundação para suportar o Novo Ensino Médio; o agravamento de desigualdades sociais já existentes entre alunos de escolas públicas e privadas; a falta de consulta pública e da participação dos professores no processo de elaboração e implementação da reforma; e uma formação focada, principalmente, na inserção dos jovens no mercado de trabalho.

Porém, para alguns professores, a reforma poderá afetar de forma positiva a qualidade dos cursos técnicos e o perfil dos profissionais a serem formados, devido à interdisciplinaridade, que poderá formar profissionais com um melhor preparo intelectual por vislumbrar outras áreas do conhecimento integrado, e devido a uma formação mais realista e focada no mercado de trabalho.

A interdisciplinaridade foi citada como principal benefício da reforma, porém, ao mesmo tempo, a realização de atividades e avaliações integradas com outras disciplinas foi ressaltada como principal dificuldade, haja vista o agrupamento das disciplinas em grandes áreas. Como principais desafios, os docentes citaram especialmente a necessidade de formar continuamente os professores para prepará-los para o Novo Ensino Médio, integrar de forma efetiva o curso profissionalizante ao currículo do ensino médio, oferecer ao aluno um ensino interdisciplinar e motivador, em que ele se sinta o condutor do seu processo de aprendizagem, definir conjuntamente a forma mais adequada de avaliação dos alunos nos cursos e adequar os critérios de avaliação dos alunos para o Enem.

Foi visto também que para muitos professores a reforma possui problemas de legitimidade, uma vez que os respondentes vislumbram a necessidade de mudanças para a melhoria da educação, mas discordam do modo como a reforma foi elaborada e implementada, sem ser amplamente debatida pela comunidade escolar e sem contribuições mediante consulta pública. Nesse contexto, alguns professores indicam que o Novo Ensino Médio reflete determinações mais amplas da sociedade, servindo aos interesses capitalistas e não aos dos jovens brasileiros e suas particularidades, acentuando as desigualdades existentes entre alunos de escolas públicas e privadas.

Desse modo, com base nos dados obtidos é possível afirmar que, para os professores respondentes, não há garantia de que o novo currículo que está sendo proposto é mais inovador/crítico/emancipador do que aquele que estava em funcionamento (PEREIRA, 2017), pois não houve uma avaliação profunda e com diferentes membros da comunidade acadêmica local do currículo anterior e daquele proposto pela reforma, identificando e comparando as contradições existentes entre ambos.

Como contribuições teóricas, o estudo permite avançar na discussão, ainda incipiente na academia, sobre a importância da avaliação de currículos escolares, como aponta Pereira (2017), sobretudo após o Novo Ensino Médio. Sendo a reforma recente, poucos estudos avaliaram seus desdobramentos e existe um movimento político e social que busca alterar a reforma, mesmo que parcialmente.

Como contribuições práticas-organizacionais, tendo em vista que a avaliação de currículos escolares pode ser uma ferramenta fundamental para promover a melhoria da qualidade do ensino (BARRETO, 2012), a pesquisa permite compreender como as práticas educativas e o processo de ensino-aprendizagem podem estar sendo afetados pela atual Reforma do Ensino Médio, proporcionando à gestão de instituições públicas e privadas de ensino no Brasil um melhor entendimento acerca dos desdobramentos e das mudanças curriculares advindas com o Novo Ensino Médio para, se necessário, desenvolver estratégias para enriquecer a prática pedagógica e buscar garantir a oferta de educação profissional de qualidade.

Uma das limitações deste estudo é a fluidez e instabilidade da proposta do Novo Ensino Médio, tendo em vista o recorte espaço-temporal desta pesquisa. O processo de implementação do Novo Ensino Médio nas escolas brasileiras é instável e novas atualizações da reforma estão surgindo após a finalização desse estudo.

Para ler o artigo, acesse

SANTOS, J.V.P. and REPOLÊS, M.C.P. Percepções de docentes da educação profissional e tecnológica acerca da reorganização curricular do novo ensino médio. Educ. rev. [online]. 2024, vol. 40, e49141 [viewed 9 December 2024]. https://doi.org/10.1590/0102-4698-49141. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/rHyFf5dSCp8rMqNqYYfWKby

Referências

BARRETTO, E.S. Políticas de currículo e avaliação e políticas docentes. Cadernos de Pesquisa [online]. 2012, vol. 42, no. 147, pp. 738-753 [viewed 9 December 2024]. https://doi.org/10.1590/S0100-15742012000300005. Available from: https://www.scielo.br/j/cp/a/5N8pxSC7KSFJDsDvxkt4rdB/

BRASIL. Lei n. 13.415/2017, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral [online]. Diário Oficial da União, Brasília: MEC, 17 de fevereiro de 2017 [viewed 9 December 2024]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm

PAVAN, M.V., SENGER, M.H. and MARQUES, W. Percepção dos docentes sobre o currículo em prática em um curso de medicina. Revista e-Curriculum [online]. 2022, vol. 20, no. 2, pp. 826-844 [viewed 9 December 2024]. https://doi.org/10.23925/1809-3876.2022v20i2p826-844. Available from: https://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/47057

PEREIRA, A. Avaliação e reformulação de currículo: relações que se (des)encontram na prática. Revista e-Curriculum [online]. 2017, vol. 15, no. 2, pp. 293-324 [viewed 9 December 2017]. https://doi.org/10.23925/1809-3876.2017v15i2p293-324. Available from: https://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/13597

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SANTOS, J.V.P. and REPOLÊS, M.C.P. Novo Ensino Médio e as principais dificuldades, benefícios e perspectivas percebidas por docentes [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/12/09/novo-ensino-medio-dificuldades-beneficios-perspectivas/

 

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