Periódicos científicos do Brasil e o dilema: publicar ou não em inglês?

Andréa Cerqueira Souza é especialista em marketing, atua com comunicação e marketing científico em publicações da Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP, Brasil

RAE-Revista de Administração de Empresas apresenta na edição especial de aniversário (volume 57, número 4) uma nova seção chamada Perspectivas. De acordo com Maria José Tonelli, editora-chefe do periódico, a nova seção tem como objetivo contribuir para a discussão de ideias que possam trazer opiniões e novos olhares para o avanço do conhecimento na área de Administração de Empresas e conta com a publicação de dois artigos. A ideia é apresentar discussões relevantes que possam ter pontos de vista divergentes ou complementares sobre um mesmo tema.

Para iniciar os debates, entra em pauta um assunto que está em alta no mercado editorial de publicações científicas: o processo de internacionalização e a adoção da língua inglesa nas publicações brasileiras. Sobre esse processo, Tonelli (2016) afirma que esse é um dos dilemas enfrentados pelos periódicos nacionais, o de atender à crescente pressão para publicação em língua inglesa versus o ainda necessário aprimoramento das pesquisas e artigos em português. Outro aspecto destacado pela editora, é a necessidade de atrair os artigos de pesquisadores brasileiros talentosos quando estes são pressionados por suas instituições a publicar em periódicos internacionais.

Sobre esse assunto, Salomão Alencar de Farias, professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e editor-chefe da BAR (Brazilian Administration Review) traz o artigo “Internacionalização dos periódicos brasileiros” no qual o professor faz uso de sua experiência para debater o crescimento da língua inglesa nos periódicos nacionais, bem como outros desafios próprios do processo de internacionalização. Sob outra perspectiva, Rafael Alcadipani, professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), apresenta o artigo “Periódicos brasileiros em inglês: a mímica do publish or perish “global”, no qual faz uma crítica sobre a crescente utilização do inglês nos artigos acadêmicos publicados no Brasil e defende a necessidade de articulação de uma resistência ao mundo acadêmico do publish or perish anglo-saxão.

Farias (2017) lembra que o processo de internacionalização das publicações brasileiras na área de Administração é recente e, considerando o uso da língua inglesa como um dos requisitos desse processo, o desafio ainda é grande. Para o professor, enfrentamos como obstáculo inicial o fato de não sermos educados nesse idioma, mesmo no meio acadêmico, cuja cobrança, segundo o autor, restringe-se à leitura e compreensão de texto, não englobando a redação acadêmica em inglês. Ainda assim, outros desafios são, em sua opinião, ainda maiores: “deve-se atentar para a qualidade dos artigos e a autoria de artigos em parcerias com autores estrangeiros, bem como para a necessidade de um corpo editorial diverso e ativo, como questões ainda mais desafiadoras no processo de internacionalização dos periódicos”, diz.

Analisando a estrutura comumente utilizada pelos periódicos no Brasil, Farias (2017) afirma que para competir internacionalmente, os periódicos precisam de profissionalização editorial, que, nos países desenvolvidos, está relacionada com a contratação de um publisher. Visto que aqui os periódicos com maior impacto adotam o acesso aberto, o autor critica a falta de financiamento: “Um orçamento ‘adequado’ também é uma condição necessária para a internacionalização, e, considerando a escassez de financiamento de órgãos como o CNPq e CAPES para tal fim, poucos periódicos conseguirão manter uma periodicidade e qualidade adequadas para competir com diferentes pares no mundo”, afirma. Outro aspecto é fortalecer a participação e colaboração de autores e especialistas nos comitês editoriais com afiliação estrangeira. Para ele, “o problema é atrair autores estrangeiros para submeterem artigos a periódicos classificados como A no Qualis CAPES, mas com fatores de impacto ainda pouco competitivos para atrair os melhores artigos de pesquisadores estrangeiros e competir com igualdade com os mega journals de nossa área”, declara. Em sua opinião, o editor acredita que o caminho para a internacionalização é: “publicar em inglês, em cooperação com pesquisadores estrangeiros, ter rigor na avaliação dos artigos, um corpo editorial diversificado que inclua estrangeiros comprometidos e participativos nos processos do periódico, profissionalização do periódico com a contratação de um publisher, e até, futuramente, a “venda” dos periódicos aos publishers internacionais, bem como a especialização de alguns periódicos em áreas funcionais da Administração, a exemplo do que existe em outros países” (FARIAS, 2017).

Alcadipani abre seu artigo apresentando dados que mostram que os periódicos de Administração estão adotando, cada vez mais, a publicação de artigos em inglês. No entanto, crítico desse movimento, o autor diz ser necessário articular uma resistência ao mundo acadêmico do publish or perish, em menção a uma “pressão presente no meio acadêmico para que seus membros realizem publicações de maneira rápida e contínua, geralmente em periódicos, para que os acadêmicos consigam uma posição em uma instituição de pesquisa e mantenham a sua carreira”, diz. Corroborando com Tonelli (2016) e Farias (2017), Alcadipani também afirma que não basta publicar em inglês, é preciso ter qualidade. Nesse sentido, o autor compara o sistema americano e europeu, cuja estabilidade dos professores nas instituições está atrelada a capacidade de publicar em periódicos top e, para isso, eles têm menos carga horária para cumprir em aulas em contraponto ao sistema brasileiro, cuja qualidade da produção científica do professor não está fundamentalmente atrelada nem à sua empregabilidade nem ao seu prestígio no campo, além de ter uma carga horária maior e um número maior de orientandos de mestrado e doutorado, se comparado com pesquisadores nos EUA e Europa. Alcadipani (2017) afirma que é preciso resistir a essa lógica do publish or perish anglo-saxão argumentando que mesmo os periódicos nacionais que publicam em inglês têm, em sua maioria, publicações de autores brasileiros, o que significa que são poucos os autores estrangeiros que publicam seus papers aqui. Outro aspecto destacado pelo autor é a baixa citação dos periódicos nacionais em inglês por autores de fora do Brasil. Para o professor, “o Brasil tem dimensões que lhe permitem criar uma lógica de produção de conhecimento que supere e vá além do publish or perish vigente atualmente tanto no Brasil quanto no exterior”, declara. Ele aponta que publicar em português pode servir como uma forma de resistir a essa lógica: “Se queremos ser “globais”, podemos utilizar os nossos periódicos para articular uma posição acadêmica do Sul, aceitando artigos em espanhol e francês, por exemplo”, defende.

A RAE convida os leitores para acompanhar os textos completos dos autores na seção “Perspectivas” da nova edição (Volume 57, número 4, 2017).

Referências

TONELLI, M. J. RAE debate qualidade de pesquisas científicas e periódicos acadêmicos [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed 21 August 2017]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/09/16/rae-debate-qualidade-de-pesquisas-cientificas-e-periodicos-academicos/

Para ler os artigos, acesse

ALCADIPANI, R. and BERTERO, C. O. Uma escola Norte-Americana no Ultramar?: uma historiografia da EAESP. Rev. adm. empres. [online]. 2014, vol.54, n.2 , pp.154-469. [viewed 28 August 2017]. ISSN 0034-7590. DOI: 10.1590/S0034-759020140204. Available from: http://ref.scielo.org/g8vk5n

FARIAS, S. A. Internacionalização dos  periódicos brasileiros. Rev. adm. empres. [online]. 2017, vol.57, n.4, pp.401-404. [viewed 01 September 2017]. ISSN 0034-7590. DOI: 10.1590/s0034-759020170409. Available from: http://ref.scielo.org/7c54yy

TONELLI, M. J. Novamente a questão do lugar: local, global ou glocal?. Rev. adm. empres. [online]. 2016, vol.56, n.3, pp.265-265. [Viewed 21 August 2017]. ISSN 0034-7590. DOI: 10.1590/S0034-759020160301. Available from: http://ref.scielo.org/x6pxz7

Link externo

Revista de Administração de Empresas – RAE: www.scielo.br/rae

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SOUZA, A. C. Periódicos científicos do Brasil e o dilema: publicar ou não em inglês? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2017 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2017/09/01/periodicos-cientificos-brasileiros-e-o-dilema-publicar-ou-nao-em-ingles/

 

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