Fernanda Cantarim, Pós-doutoranda em Gestão Urbana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Membro do corpo editorial do periódico urbe, Curitiba, PR, Brasil.
O ideário urbanístico internacional que influenciou o planejamento da cidade de São Paulo entre os anos de 1910 e 1930 é o tema do artigo dos pesquisadores da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Heliana Angotti-Salgueiro e José Geraldo Simões Junior. A partir de um esforço conceitual e metodológico baseado na “circulação” de ideias, os pesquisadores propõem uma análise dos discursos, apropriação e contradições que envolvem o ideário urbanístico internacional da época. O resultado desta pesquisa foi apresentado no artigo “Crossing histories: Brazilian planners of São Paulo and their transnational references (1910-1930)”, publicado no periódico urbe (vol. 12).
O desenho urbano da capital paulista no começo do século XX foi resultado de um período agitado em termos de criação e circulação de ideias urbanísticas, especialmente voltado àquilo que era criado e disseminado desde a Europa e Estados Unidos. A tradição de realizar os estudos superiores no continente europeu ou norte-americano contribuiu para que profissionais (engenheiros e arquitetos) do início do século XX adquirissem uma formação baseada nos padrões urbanísticos vigentes nos seus países de estudo. O efeito da influência do ideário urbanístico europeu e norte-americano se desmembra em quatro principais aspectos da história urbana de São Paulo: 1. As melhorias na área central; 2. o controle da expansão urbana; 3. o direcionamento do crescimento urbano e 4. A difusão da ideia anti-metrópolis.
O engenheiro português Victor Silva Freire desempenha um papel de destaque entre os urbanistas pioneiros com atuação em São Paulo no período de análise. Formado na Escola Politécnica de Engenharia de Lisboa e na École des Ponts et Chaussées de Paris, Freire foi Diretor de Obras Públicas de São Paulo por 26 anos (1899-1925) e trabalhou como professor. O engenheiro se tornou mentor de diversos planejadores urbanos, inclusive assumindo alguns como seus assistentes. Freire tinha como principais referências internacionais os urbanistas Camillo Sitte, Ebenezer Howard, Charles Mulford Robinson, Charles Buls, Joseph Bouvard, Joseph Stubben, Barry Parker e Raymond Unwin. Essas influências são perceptíveis em planos e regulações urbanas conduzidas pelo engenheiro urbanista, a exemplo do plano “Melhoramentos de São Paulo” (1911), onde são propostas soluções para congestionamento da cidade e conexões do centro com os distritos residenciais em ascensão; e na revisão de regulações urbanas realizada entre 1910 e 1923, onde Freire contou com a contribuição de Barry Parker (urbanista britânico associado com o ideário das cidade-jardim). A aprovação dessas regulações permitiu com que a expansão urbana nos distritos residenciais projetados pela Companhia City (baseados nos preceitos da cidade-jardim) pudesse ser efetivada.
Outros urbanistas pioneiros, como Prestes Maia, Ulhoa Cintra e Anhaia Mello também trabalharam com o setor municipal de obras públicas, onde contribuíram para a disseminação de ideias advindas de países europeus. É o caso do notório “Plano de Avenidas” (1930) (ver Figura 1), baseado nos preceitos do urbanista francês Eugène Hénard e em suas propostas de organização concêntrico-radial de avenidas. O urbanista Anhaia Mello teve uma grande contribuição no campo teórico do Urbanismo, seja pelo seu envolvimento na criação de instituições e sociedades de discussão e pesquisa (Comissão de Planejamento Urbano, criada em 1925 e a Sociedade de Amigos da Cidade, criada em 1945), seja pelo seu envolvimento com ensino de nível superior. Anhaia Mello foi professor na Escola Politécnica e se envolveu na criação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. De forte influência anti-metrópolis, Anhaia Mello propagou ideias no meio acadêmico e profissional a respeito da contenção do crescimento urbano exacerbado, do zoneamento (ver Figura 2), de cidade orgânica e busca de bem-estar – suas principais referências eram Patrick Geddes, Lewis Munford, Oswald Spengler, Ebenezer Howard, Law Olmsted e Ernest Burguess.
A pesquisa de Salgueiro e Simões Junior concluiu que os trabalhos destes urbanistas pioneiros acrescentaram referências estrangeiras com origem europeia e norte-americana na forma de pensar e planejar a cidade de São Paulo. As formas de disseminação de tais ideias foram diversas, por vezes diretamente relacionadas ao ato de planejar em instituições e departamentos públicos ou privados; e por vezes associado a disseminação de conhecimento no meio acadêmico, eventos, periódicos técnicos, livros e artigos. Os urbanistas pioneiros foram responsáveis pela formação do pensamento urbanísticos de futuras gerações de profissionais da arquitetura e engenharia no país. O artigo de Salgueiro e Simões Junior é uma importante contribuição para um campo investigativo ainda pouco explorado no Brasil, o da circulação de ideias urbanísticas, especialmente do ponto de vista de países que compõem o sul global. Pesquisas como esta permitem compreender as bases nas quais o planejamento e o ensino urbanístico no Brasil se desenvolveram.
Referências
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Para ler o artigo, acesse
ANGOTTI-SALGUEIRO, H. and SIMÕES JUNIOR, J.G. Crossing histories: Brazilian planners of São Paulo and their transnational references (1910-1930). urbe, Rev. Bras. Gest. Urbana [online]. 2020, vol. 12, e20190116, ISSN: 2175-3369 [viewed 24 June 2020]. DOI: 10.1590/2175-3369.012.e20190116. Available from: http://ref.scielo.org/997mxh
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