Entrevista com Juliana Dias

Juliana Dias

Juliana Dias

Por Wilson Gambeta

As transformações políticas, econômicas, sociais e culturais de nosso tempo desafiam o espaço da educação diante das novas formas de produção e aquisição de conhecimento na sociedade contemporânea. Para interpretar e responder ao que afeta a construção das subjetividades dos estudantes, precisamos nos apropriar de outros saberes e modos de ler a realidade. A professora Juliana Dias buscou captar, através dos desenhos infantis, como a noção de favela é socialmente representada.

Juliana Maddalena Trifilio Dias é graduada em Geografia e mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. Possui especialização em Currículo e Prática Educativa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Atualmente, é professora assistente da Faculdade de Educação da UFJF e atua na área de Teoria e Prática de Ensino em Geografia.

1. Juliana, como nasceu o desejo de investigar noções de favelas construídas por crianças?

A discussão sobre mediações e experiência na aprendizagem espacial nasceu a partir de um diálogo, em sala de aula, com alunos do 6º ano do ensino fundamental. Ao abordar os “fatores de localização industrial”, os estudantes foram questionados sobre as prováveis causas que levaram determinada empresa multinacional a escolher uma cidade média e do interior brasileiro para construir uma sede fora de seu país de origem. Foi quando um aluno imediatamente respondeu: “Esta empresa jamais poderia ir para o Rio de Janeiro porque lá ela seria assaltada todos os dias”. Perguntei o porquê e ouvi: “Por que lá tem muita favela e tá cheio de bandidos.”. Depois de alguns instantes lhe perguntei o que era uma favela. “Favela é um aglomerado urbano com o mínimo de 51 habitações…” O aluno apresentou sua noção sobre favela que não dialogava com a definição do IBGE, que por sua vez não se aproximava do processo de favelização que como professora de Geografia, pretendia abordar. Qual era o conceito de favela, afinal? A partir deste cenário e de uma questão nascida em sala de aula, busquei investigar a noção de favela construída por não moradores de favelas.

2. Como a temática das favelas tem sido apresentada no cenário nacional?

A temática da favela tem sido abordada no ensino de Geografia como um espaço de ausências, principalmente, de infraestrutura urbana. Existe um silenciamento da pluralidade presente entre os espaços e lugares de seus moradores, justamente, em uma disciplina que se coloca na busca por um olhar crítico na formação do cidadão. Todavia, o saber geográfico escolar não se configura como exclusiva mediação na construção da noção de favela pelos alunos. Portanto, conhecer outros sentidos e significados de favelas se revela como potencial para compreender visões de mundo de sujeitos produtores do espaço.

3. Por se tratar de uma pesquisa com crianças, como se deu a escolha metodológica?

A ideia metodológica foi compreender, através dos desenhos, como os alunos apresentam suas concepções de favela. A proposta não foi levar as crianças diante de uma favela para que a representassem, mas conhecer o que sabem sobre estes espaços. Não foram avaliadas as formas das figuras representadas e a linguagem gráfica dos desenhos serviu como elo na comunicação através das entrevistas feitas com as crianças, autoras de seus desenhos. Ouvir os alunos para compreender aquilo que media suas experiências com o espaço favela proporcionou uma reflexão acerca de uma temática que está posta a todos na cidade, na TV, nas conversas e, de modo espacial, suscita o debate em torno da formação de professores.

4. Qual foi o impacto da pesquisa em sua constituição como pesquisadora?

Os encontros com esses alunos despertaram em mim outras maneiras de compreensão da realidade. Se, no princípio, estava focada em um único conceito de favela, ao longo da pesquisa precisei desconfigurar aquela certeza. Como que diante de sujeitos com formações e percepções diferentes poderia, ainda, insistir em uma prescrição aos professores de Geografia do que seria o conceito de favela? Com a discussão sobre espaço e lugar a partir da Geografia Humanista, passei a admitir o modo diferenciado como o sujeito se relaciona e percebe o espaço. Ao compreender suas noções, tive mais um reposicionamento: não se tratava de falar em favela e, sim, em favelas. Desses estudos resultou o artigo que publiquei “Desenhos e vozes no ensino de geografia: a pluralidade das favelas pelos olhares das crianças”.

As favelas serviram de cenário para que fosse possível conhecer o modo como esses sujeitos têm se relacionado com parcelas do espaço urbano. Não coube a esta pesquisa prescrever aos professores de Geografia quais seriam os possíveis recortes de análise sobre favelas. Um dos objetivos foi evidenciar a força da relação entre sujeitos e experiência na percepção do espaço que deve ser pensada na formação de professores.

Para ler o artigo, acesse

DIAS, Juliana Maddalena Trifilio. Desenhos e vozes no ensino de geografia: a pluralidade das favelas pelos olhares das crianças. Educ. Pesqui. [online]. 2013, vol.39, n.4 [citado 2014-01-16], pp. 1029-1048. Disponível em:  <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022013000400014&lng=pt&nrm=iso>. Epub 01-Out-2013. ISSN 1517-9702.  http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022013005000023.

Link relacionado

Educação e Pesquisa – <http://www.scielo.br/ep/>

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

Entrevista com Juliana Dias [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2014 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2014/01/17/entrevista-com-juliana-dias/

 

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