A Psicologia na “Jangada da Medusa”: Entrevista com Thomas Teo

Por Gisele Toassa da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil.
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Nascido em Londres, 1963, e criado em Schwarzach, Áustria, Thomas Teo é Professor do Programa de História e Teoria da Psicologia na York University, em Toronto (Canadá), na qual trabalha desde 1996. Atualmente, edita o Journal of Theoretical and Philosophical Psychology, publicado pela American Psychological Association (APA). Recebeu diversos prêmios, entre os quais destacamos: o Award for Distinguished Service to the Division 24 of the American Psychological Association: Society for Theoretical and Philosophical Psychology (2010) e o Goldene Hammer zur Überwindung von Gewalt und Rassismus (Martelo de Ouro para Derrota da Violência e Racismo, 1998).

Ele é membro da Canadian Psychological Association e do comitê executivo nas divisões histórica e teórica de diversas organizações acadêmicas. Presidente da International Society for Theoretical Psychology (ISTP) desde 2011, Teo editou a Encyclopedia of Critical Psychology (ECP, lançada em 2014), cuja proposta é sistematizar contribuições de psicólogos críticos de todo o mundo, sendo oferecida às bibliotecas acadêmicas e públicas como livro, bem como produto digital disponível através de livrarias e serviços eletrônicos. A ECP pretende ser um recurso abrangente para psicólogos e cientistas humanos e sociais, observando uma ampla definição de psicologia crítica ao se referir a abordagens multifacetadas na teoria e na prática na contramão do mainstreamem muitos países mundo afora. Outra publicação recente é o manual A critical history and philosophy of psychology: Diversity of context, thought, and practice (ver Walsh, Teo, & Baydala, 2014).

Na entrevista, Gisele Toassa convidou Thomas Teo a falar sobre a Enciclopédia de Psicologia Crítica lançada em 2014, à situação atual da psicologia crítica no mundo, do reconhecimento de Paulo Freire e Martín Baró como teóricos críticos nos estados Unidos e outros temas.

  1. Thomas, como você teve a ideia de organizar a Encyclopedia of Critical Psychology (ECP)?

Há um livro em alemão focado em categorias psicológicas, e os autores e editores daquela época eram psicólogos críticos. Eu pensei que poderíamos fazer isso para um contexto anglófono. E basicamente é de onde vem a ideia da ECP.

  1. Como você escolheu os verbetes e com quem trabalhou?

Uma das considerações principais para a Enciclopédia foi, de fato, focar em conceitos. Você deve ter notado que não há verbetes específicos para indivíduos. Algumas pessoas criticaram isso. Mas minha decisão foi ter uma Enciclopédia baseada em conceitos voltando à ideia da tradição alemã, de que os conceitos são muito importantes para entender a realidade. Essa foi a primeira decisão: fazê-la uma Enciclopédia conceitual; tratar do que é dito na psicologia tradicional sobre um conceito e o que se diz na psicologia crítica – o que oferece como ideias alternativas sobre o mesmo conceito. Ou, algumas vezes, se a psicologia crítica desenvolveu outros conceitos, incluí-los também. Outro elemento é que queríamos ter debates internacionais sobre um conceito. Então foi importante para mim ver o que pessoas de outras psicologias, cientistas sociais de outros países tinham a dizer sobre certo conceito, e não restringir só ao contexto norte-americano. Esse foi um objetivo, mas o outro foi, é claro, estar no processo de globalização; globalização em um sentido positivo, que a psicologia [norte-americana] tem que aprender de outros países. Foi difícil para algumas pessoas focarem em debates internacionais. Porque você tem que ir para os outros países e continentes ver o que as pessoas têm a dizer sobre o conceito. Outro objetivo foi focar as implicações práticas do conceito. Essa foi a abordagem conceitual. E a mais técnica é como você escolhe verbetes. Nós fizemos isso indo a livros, outras enciclopédias, na psicologia hegemônica, livros em psicologia crítica, e tínhamos um conjunto desses livros e procuramos em indexadores quais verbetes teriam que ser incluídos e excluídos. Penso que a limitação prática vem de que não tivéssemos gente o suficiente. Tínhamos perto de 1.000 conceitos, mas na Enciclopédia há apenas cerca de 500. Não pudemos realizar o projeto como pretendido originalmente; poderíamos ter feito oito volumes ao invés de quatro, dobrando a quantidade de verbetes, mas tivemos que abandonar alguns importantes, como desconstrução, pois ninguém queria assinar aqueles verbetes. Uma estratégia foi enviar para as pessoas especificamente solicitadas; outra, para listas de e-mail tentando encontrar colaboradores. 

  1. Qual o significado de ser um psicólogo crítico hoje?

Questão difícil, porque não podemos dar uma definição trans-histórica e transgeográfica. Depende do contexto e do tempo em que você vive. Um psicólogo crítico dos anos 1960 é diferente de um contemporâneo. E um psicólogo crítico em um país rico como a Dinamarca é diferente de outro, na Colômbia ou África do Sul. Penso que uma psicologia crítica envolve o entendimento de que a subjetividade individual é conectada a um contexto mais amplo, como sociedade, história ou política. Então, não podemos separar a subjetividade individual desses contextos maiores. Essa é uma característica central da psicologia crítica, como é a noção de que o conhecimento crítico tem algum tipo de relevância emancipatória. E isso é muito mais difícil de definir. Há relevância emancipatória somente se o conhecimento puder ser aplicado imediatamente, ou a construção de conceitos e teorias, a longo prazo, também pode mostrar-se um tipo de conhecimento emancipatório, porque lida exatamente com o que dissemos anteriormente sobre a Enciclopédia: prover abordagens alternativas sobre categorias psicológicas. Porque a Psicologia tem sido poderosa em conduzir as pessoas a se entenderem em termos de categorias psicológicas. E a sociedade em geral compreende-se mais e mais, especialmente no Ocidente, através de categorias psicológicas. Por exemplo, o Presidente Obama usa o termo “déficit de empatia”. Essa é uma categoria psicológica. Então não se trata, acima de tudo, de que os problemas da sociedade americana fundamentem-se na desigualdade – categoria sociológica, estrutural -, mas é um déficit de empatia, que é psicológica. Nesse sentido, a psicologização está no uso de categorias psicológicas para entender fenômenos sociais e estruturais complexos. E parte da tarefa de um psicólogo crítico então é de entender também o processo de psicologização e determinar em que ponto podemos utilizar, quando faz sentido usar categorias psicológicas, e em que ponto não faz. A Enciclopédia nos traz de volta à noção de conceitos, de tentar desconstruir certos conceitos, perspectivas alternativas naqueles conceitos que são, normalmente, usados no pensamento psicológico. Outro elemento da psicologia crítica são, provavelmente, as conexões de teoria e prática. E, complementando, de que uma ciência ou disciplina como a psicologia não é neutra em seus valores, embora muitas pessoas – mesmo “não-críticas” – concordem que a psicologia não é uma disciplina neutra. Há muitos e muitos exemplos na história da psicologia que, de fato, o demonstram. 

  1. Como um editor experiente, como você vê tendências atuais na História e Teoria da Psicologia?

Antes de tudo, temos que distinguir os campos. Vê-se que essas duas disciplinas desenvolveram-se em direções distintas. A história da psicologia, para mim, algumas vezes parece positivista. Você escolhe problemas muito pequenos, muito detalhados, em períodos de tempo bastante curtos, e você olha a evidência empírica que existe para certo argumento dentro desse período de tempo, nesse projeto, e é tudo. Você não pensa sobre o significado histórico mais amplo dessa pesquisa e não pergunta mais sobre sua própria subjetividade, sobre como os sujeitos contribuem ativamente para o conhecimento histórico. Penso que isso seria também a crítica de Habermas ao positivismo, de que ele tira o sujeito da equação. Negligencia subjetividade e define a ciência pelo que os cientistas fazem. Então a história é definida pelo que fazem os historiadores, e não adiante, pela reflexão necessária sobre o significado desse período histórico. Nesse sentido, o significado histórico ou psicologia histórica torna-se irreflexiva sobre o que eles fazem e por que o fazem, sobre como sua própria subjetividade contribui para assuntos escolhidos, métodos utilizados e interpretações feitas. Então a psicologia histórica está se tornando objetivista. E em meu próprio juízo crítico, penso que há uma certa tendência da psicologia histórica que chega a isso, tendência a se tornar positivista por negligenciar todas as questões mais amplas e importantes que cercam certo projeto.

A psicologia teórica move-se em uma direção ligeiramente diferente, a da fragmentação. Você tem psicólogos teóricos que, hoje em dia, focam neurociência e, basicamente, não se comunicam mais com psicólogos mais orientados pela crítica. Então, ela talvez seja mais como a filosofia, onde você tem diferentes abordagens e visões de mundo, programas de pesquisa que não necessariamente conversam entre si. Mas não vejo a fragmentação como necessariamente negativa, pois penso que isso é parte da realidade, da complexidade da psicologia. 

  1. E você pensa que essa tendência à fragmentação cresceu nas últimas décadas?

Sim. Penso que, se falarmos sobre pluralismo ou fragmentação ou mesmo a crise da psicologia – e, doutro lado, em unificação -, é preciso começar com as afirmações corretas. Que a psicologia é basicamente uma prática social. Então não é só uma forma abstrata de tecnologia que é acumulada em livros, em artigos de periódicos, é uma prática social de pessoas fazendo psicologia. E, começando com esse tipo de análise, você percebe que a unificação não é possível, que o pluralismo é inerente à psicologia, especialmente se você falar em globalização da psicologia ou se tomar em conta as “psicologias autóctones” (indigenous psychologies) de diferentes países, isso é claro2. E que você tem práticas culturalmente informadas diferentes do que a psicologia significa. Portanto, você tem uma disciplina inerentemente pluralista. Quanto mais pessoas participarem da atividade social, mais pluralismo você terá. A psicologia pode não prover explicações científicas naturais, ou explicações em um sentido dedutivo-nomológico, mas interpretações dependentes de uma teoria. O que significa que as pessoas se referem a interpretações dentro de um programa de pesquisa. E é claro, há programas maiores de pesquisa, talvez psicanálise, ou behaviorismo, ou psicologia cognitiva, ou neurociência. Mas também teorias menores, como, a Psicologia do Desenvolvimento, Teoria do Apego, ou Teoria dos Temperamentos, e assim por diante. Então as pessoas proveem interpretações para as quais podemos ter evidência empírica ou não, para um fenômeno que pode fazer sentido dentro de um certo quadro teórico; penso que isso é outro problema, pois não temos amplas leis universais em psicologia, o que é uma demanda para uma explicação científico-natural. Até mesmo se nós ainda buscarmos isso, ainda assim usaríamos quadros teóricos para interpretar os fenômenos.

Para ler os artigos, acesse

TTOASSA, G. and TEO, T. A PSICOLOGIA NA “JANGADA DA MEDUSA”: ENTREVISTA COM THOMAS TEO. Psicol. Soc. [online]. 2015, vol.27, n.2, pp. 460-469. [viewed 28th May  2015]. ISSN 1807-0310. DOI: 10.1590/1807-03102015v27n2p460. Available from: http://ref.scielo.org/jw8r7p

Link externo 

Psicologia & Sociedade <http://www.scielo.br/psoc/>

Gisele Toassa é psicóloga, professora adjunta da Universidade Federal de Goiás, onde atua no Programa de Mestrado em Psicologia. Realizou estágio pós-doutoral no History and Theory of Psychology Program, York University, com o auxílio de Thomas Teo. e-mail: gtoassa@yahoo.com.br

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Thomas Teo é Professor do History and Theory of Psychology Program na York University, em Toronto (Canadá), na qual trabalha desde 1996. e-mail: tteo@yorku.ca

 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

A Psicologia na “Jangada da Medusa”: Entrevista com Thomas Teo [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2015 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2015/06/26/a-psicologia-na-jangada-da-medusa-entrevista-com-thomas-teo/

 

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