Sylvia Miguel, Coordenadoria de Comunicação Social da USP, São Paulo, SP, Brasil
No dia 6 de agosto de 1945, às 8h15, a bomba apelidada de Little Boy devastava a segunda-feira de Hiroshima e lançava o terror sobre a humanidade. Três dias depois, foi a vez de Nagasaki explodir com a Fat Man, às 11h02. Ainda hoje há divergências sobre o número de mortos. Seriam 150 mil em Hiroshima? Ou 65 mil em Nagasaki? As controvérsias sobre a criação da bomba nuclear, as condições psicológicas e as circunstâncias históricas que levaram uma plêiade de cientistas notáveis a construir o artefato, tanto do lado norte-americano quanto do lado alemão, são temas discutidos no dossiê “Hiroshima 70 Anos”, que integra o recém-lançado número 84 da revista Estudos Avançados, publicada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Doutor em Energia pela USP e ex-diretor da atual Eletronuclear, Joaquim Francisco de Carvalho discute “A gênese da bomba” no artigo de abertura do dossiê sobre Hiroshima, narrando desde o nascimento da física moderna até os detalhes de como alguns cientistas desafetos dos nazistas contribuíram para alçar a física norte-americana a um novo patamar.
“As bombas atômicas podem dizimar a humanidade – Hiroshima e Nagasaki, há 70 anos” é o título do artigo assinado por Emico Okuno, professora do Instituto de Física da USP. As nuvens de cogumelo, as famosas ogivas e outras imagens conhecidas desse cenário de devastação ilustram as páginas seguintes, que descrevem também os efeitos biológicos causados pelas bombas.
Pedro Miguel Lamet, religioso jesuíta, jornalista e escritor espanhol, rememora o evento sob o olhar do padre Pedro Arrupe, testemunha ocular dos episódios da guerra, que teve sua vida dividida em dois grandes capítulos: antes e depois da bomba. Um vendaval de 1.200 quilômetros por hora quebrou vidraças a 12 quilômetros do epicentro, onde a temperatura chegou aos 50 milhões de graus centígrados. A força aterradora da explosão chegou aos ouvidos de Arrupe, que estava em seu gabinete com outro jesuíta.
Os dois foram lançados ao chão por um soco invisível. Corpos cobertos por estilhaços, levantaram e correram à janela. Na planície abaixo, Hiroshima ardia em chamas. Arrupe improvisou um hospital e constatou que as misteriosas queimaduras só supuraram a pele das vítimas horas depois da explosão. Sem fogo nenhum. Começavam a conhecer os efeitos das radiações infravermelhas. Um saco de ácido bórico surgiu nas mãos de um aldeão. E assim começaram a assepsia das lesões. Muitas narrativas e fotos ilustram detalhes das sombras de Hiroshima e os sintomas das patologias radiativas. Inesquecíveis para Arrupe.
“Hiroshima: a catástrofe atômica e suas testemunhas” é a narrativa de Cristiane Izumi Nakagawa, formada pelo Instituto de Psicologia da USP, que também traz diversos relatos de sobreviventes, contextualizados pelos fatos históricos que viveram. Na sequência, o advogado e diretor de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil Sergio Leitão escreve o artigo “Rapsódia em agosto”, mesmo título do filme de 1991 dirigido por Akira Kurosawa sobre a anciã Kane, que perdeu o marido na explosão de Nagasaki. O filme é um “gancho” para o autor introduzir o debate sobre o uso da energia nuclear no Brasil e no mundo. Aborda o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e o discutível uso industrial da nova energia, que levou muitos países a acelerar as pesquisas sobre as novas tecnologias, sobretudo a energia nuclear. Essa corrida, afinal, resvalou na criação, em 1951, do que é hoje o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Água – O dossiê de abertura desse número 84 de Estudos Avançados tem como mote o tema “Água”. Mas a dependência da eletricidade brasileira de uma matriz baseada em hidroeletricidade não permite discutir, isoladamente, o tema água sem abordar como a recente crise hídrica evidenciou os conflitos entre geração de energia e usos múltiplos das águas. No artigo “Crise hídrica e energia: conflitos no uso múltiplo das águas”, Jucilene Galvão, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP, e o professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, analisam o tema, focando particularmente o conflito pelo uso da água no rio Paraíba do Sul, ocorrido em agosto de 2014.
Os dois artigos iniciais dessa seção mostram como a comunicação e a transparência das instituições podem ser decisivas para a gestão e o planejamento estratégico do uso desse recurso. “Crise de abastecimento de água em São Paulo e a falta de planejamento estratégico”, assinado por Pedro Luiz Côrtes, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e Mauro Torrente, doutorando em Administração de Empresas pela Universidade Nove de Julho (Uninove), destaca a importância de um sistema de informações climáticas para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).
A participação pública foi decisiva para garantir a transparência diante da grave e complexa situação do sistema Cantareira. Informações e dados foram disponibilizados pelo governo do Estado de São Paulo e pela Sabesp graças à atuação do Ministério Público, mostra o artigo de Pedro Jacobi, professor da Faculdade de Educação da USP, e das doutoras em Ciência Ambiental pelo Programa de Ciência Ambiental (Procam) da USP Juliana Cibim e Renata de Souza Leão.
Os “rios aéreos” também podem ser uma maneira de olhar para a água. É assim que o professor Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências (IB) da USP, aponta o potencial das árvores urbanas sobre a umidificação da atmosfera, o conforto térmico, a filtração de poluentes e os efeitos psicológicos que podem gerar em cidades como São Paulo. A arborização urbana com base científica pode trazer ganhos econômicos para a cidade. A produção de vapor de água pode chegar a dimensões comparáveis às vazões dos rios Tietê e Pinheiros, mostra Buckeridge.
Aspectos legais, de políticas públicas e biodiversidade estão presentes nos artigos que completam o dossiê. Por exemplo, Leandro Reverberi Tambosi, doutor em Ecologia pelo Instituto de Biociências da USP, e colegas fazem uma síntese das funções dos ciclos eco-hidrológicos e os efeitos do Código Florestal Brasileiro sobre a relação desses ciclos e a provisão de água.
Ao final da edição, a seção Literatura abre com um ensaio inovador sobre o Fausto, de Goethe, assinado por Marcus V. Mazzari, professor de Teoria Literária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Na parte de Resenhas, destaque para o livro O cientista e o político – Mário Schenberg, de Dina Lida Kinoshita, resenhado por Silvio R. A. Salinas, professor do Instituto de Física (IF) da USP
Para ler os artigos, acesse:
CORTES, P, L, et al. Crise de abastecimento de água em São Paulo e falta de planejamento estratégico. Estud. av. [online]. 2015, vol.29, n.84, pp. 7-26. [viewed 20th October 2015]. ISSN 1806-9592. DOI: 10.1590/S0103-40142015000200002. Available from: http://ref.scielo.org/mzx7d4
JACOBI, P. R., CIBIM, J., and LEAO, R. S. Crise hídrica na Macrometrópole Paulista e respostas da sociedade civil. Estud. av. [online]. 2015, vol.29, n.84 pp. 27-42. [viewed 20th October 2015]. ISSN 1806-9592. DOI: 10.1590/S0103-40142015000200003. Available from: http://ref.scielo.org/pkdw34
GALVAO, J., and BERMANN, C. Crise hídrica e energia: conflitos no uso múltiplo das águas. Estud. av. [online]. 2015, vol.29, n.84, pp. 43-68. [viewed 20th October 2015]. ISSN 1806-9592. DOI: 10.1590/S0103-40142015000200004. Available from: http://ref.scielo.org/dpf2b5
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LINS, V. Entre o risco e a leveza – dois poetas brasileiros contemporâneos. Estud. av. [online]. 2015, vol.29, n.84, pp. 365-373. [viewed 20th October 2015]. ISSN 1806-9592. DOI: 10.1590/S0103-40142015000200023. Available from: http://ref.scielo.org/gjhc4j
Link externo:
Revista Estudos Avançados – http://www.scielo.br/ea
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