Subprefeituras na cidade de São Paulo: descentralização de poder ou patronagem?

Eduardo José Grin, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil

RSOCP_logoO objeto da pesquisa foi a implantação das Subprefeituras na cidade de São Paulo na gestão petista da prefeita Marta Suplicy (2001/2004). O problema analisado está organizado em torno de duas questões: Primeira, avaliar se o projeto da descentralização possuía unidade interna no debate governamental. Tal questionamento importa, pois no governo, houve divergências que extrapolaram o aparente consenso existente no PT durante a campanha eleitoral no ano 2000. Importa verificar como a oposição interna das secretarias influiu no desenho da descentralização e as escolhas políticas do governo frente a esse conflito interno, pois as Subprefeituras eram parte de um amplo projeto de reforma administrativa do Estado em nível local. Em segundo lugar, verificar como as Subprefeituras serviram para o governo consolidar sua coalizão de apoio na Câmara Municipal de modo distinto daquele apresentado na campanha eleitoral. Como a construção da governabilidade no parlamento adquiriu centralidade é importante analisar como as Subprefeituras serviram de recurso político do poder Executivo na barganha com os vereadores e as razões que levaram o governo a alterar sua compreensão do papel dos parlamentares na gestão local. Sobretudo, porque essa prioridade reduziu a relevância política dos mecanismos de democracia participativa.

Em termos teóricos, o artigo analisa como atores políticos agem em contextos de mudança institucional. Para tratar dessa questão, discute-se o pluralismo e a forma como concebe a ação dos atores políticos. Segue-se abordando o institucionalismo histórico e o argumento de que as instituições, políticas e suas regras constrangem ação dos atores políticos, especialmente quando governos propõem inovações nas políticas. Para Mollenkopf (1992), a “coalizão política dominante” é chave para conhecer-se os atores políticos e as estratégias utilizadas pelo governo para conformar sua base de apoio. Esta, “para permanecer dominante […] deve ser capaz de administrar as tensões que inevitavelmente surgem das diferenças de interesse entre sua base eleitoral e seus aliados no governo” (p. 5). Com tal coalizão o Executivo divide oponentes e secundariza velhas clivagens políticas ao refazer alianças em torno de uma centralidade de poder encabeçada pelo prefeito.

Em relação ao institucionalismo, conforme Skocpol (2002) os atores políticos realizam seu cálculo político considerando os procedimentos de cooperação institucionalizados que presidem suas mútuas relações, geralmente apoiando-se em instituições e práticas políticas que historicamente mediam seus vínculos. Nesse sentido, para Weir (1992), a “inovação limitada de políticas” instala arranjos institucionais que criam oportunidades de mudança, mas que possuem limites. Com o passar do tempo, as ideias perdem influência, pois o desenho institucional do Estado pode estreitar o curso da inovação se os atores políticos buscam manter seus interesses ao formarem coalizões políticas.

Em relação aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma análise qualitativa que, segundo Ragin (1987), orienta-se para casos historicamente localizados que possam ser examinados a partir de uma configuração empírica de condições e causas contextuais. Segundo Ragin (1987, p. 3), casos são configurações interpretadas para “explicar resultados históricos específicos, o conjunto de resultados comparáveis ou os processos escolhidos a serem estudados por causa de seu significado para os arranjos institucionais ou para a vida social em geral”. Assim, podem-se encontrar condições causais que inserem uma análise individual numa configuração mais ampla. O estudo de caso permite reunir evidências sensíveis à cronologia dos fatos para melhor conhecer a trajetória de eventos significativos e as decorrentes associações entre causa e efeito, desde que orientados por categorias teóricas. Foram realizadas sete entrevistas semiestruturadas entre fevereiro e agosto de 2010 (quatro na Subprefeitura de Capela do Socorro e três na Subprefeitura da Freguesia do Ó) com os Subprefeitos e coordenadores setoriais. No governo “central”, entrevistaram-se três atores políticos com incidência estratégica sobre a descentralização: Chefe de Gabinete da Secretaria de Governo. A pesquisa realizou uma análise de documentos legais disponíveis no banco de dados da Câmara Municipal e foram analisadas fontes secundárias e textos governamentais, além do estudo hemerotécnico em matérias da Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo entre 2001 e 2005.

As principais conclusões estão em linha com o problema da pesquisa. A descentralização das políticas setoriais não foi uniforme. Cada Secretaria comportou-se de forma diferente e essa falta de unidade administrativa foi causada pelo temor desses órgãos perderem poder para as regiões. Agregue-se ainda o duplo comando ao qual estavam submetidas às Coordenadorias locais: hierarquicamente ligadas ao Subprefeito, mas dependentes da política oriunda da Secretaria setorial. Tal desenho criou distintas áreas de poder e gerou impasses administrativos sobre o comando das políticas locais. A visão de Secretarias formulando e monitorando políticas, cabendo às regiões executá-las, não logrou êxito e fez com que a descentralização administrativa fosse errática e sem uniformidade. Nas regiões previa-se unificar áreas que permaneceram isoladas no nível central, e não havia unidade de ação “em cima” que respaldasse a inter-setorialidade “em baixo”. Esse desencontro influiu no fracasso da intersetorialidade e fortaleceu lógicas particularistas de ação, pois cada Secretaria relacionava-se com sua contraparte local visando manter seu controle político.

O governo manteve padrões fisiológicos na relação com os vereadores, similares àqueles criticados pelo PT como prática tradicional de cooptação. A partilha de poder nas regiões entre parlamentares petistas e outros partidos em nada diferiu, na forma e em seus resultados, do que Couto (1998) chamou de coalizão fisiológica de governo.

A outra parte dessa hipótese diz respeito à política do governo de secundarizar os mecanismos de democracia participativa nas regiões. Essa questão não pode ser desvinculada da prioridade que o Executivo conferiu à política de alianças com os vereadores para manter a governabilidade. O discurso petista de que a sociedade local, juntamente com os Subprefeitos, fiscalizaria os vereadores nos bairros foi abandonado. As condições causais que explicam a ação do governo em favor da divisão de poder com os vereadores foram as mesmas em todas as localidades e derivaram da tese que era necessário construir uma maioria de apoio parlamentar para aprovar projetos e evitar o isolamento político ocorrido na gestão Erundina. Em vez do discurso da governabilidade suportada pela democracia participativa, prevaleceu o criticado “toma-lá-dá-cá” da política, considerado pelo PT como fisiológico e malufista. A inovação proposta pelas Subprefeituras acabou gradativamente limitada pelas práticas políticas institucionalizadas na competição política municipal.

Referências:

Couto, C.G., 1998. Negociação, decisão e governo: padrões interativos na relação Executivo-Legislativo e o caso paulistano. In R.C. Andrade, ed. Processo de Governo no Município e no Estado. São Paulo: Edusp.

Grin, J. E., 2015. Caminhos e descaminhos das subprefeituras na cidade de São Paulo. Novas Edições Acadêmicas.

Mollenkopf, J.H., 1992. The Rise and Fall of the Koch Coalition in New York City Politics. New Jersey: Princeton University Press.

Ragin, C.C., 1987. The Comparative Method: Moving beyond Qualitative and Quantitative Strategies. Jackson: University California Press.

Skocpol, T., 2002. Bringing the State back in: Strategies of Analysis in Current Research. In P.B. Evans; D. Ruesschemeyer & T. Skocpol, eds. Bringing the State back in. Cambridge, UK: Cambridge University Press.

Weir, M., 1992. Ideas and Politics of Bounded Innovation. In S. Steinmo; K. Thelen & F. Longstreth, eds. Structuring Politics: Historical institutionalism in Comparative Analysis. Cambridge, UK: Cambridge University Press.

Link externo:

Revista de Sociologia e Política- RSOCP – www.scielo.br/rsocp

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GRIN, E. J. Subprefeituras na cidade de São Paulo: descentralização de poder ou patronagem? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2015 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2015/12/29/subprefeituras-na-cidade-de-sao-paulo-descentralizacao-de-poder-ou-patronagem/

 

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