Tiago Tasca é Assistente editorial da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, Brasília, DF, Brasil
A reconfiguração da dinâmica do processo decisório brasileiro evidencia uma maior consideração dos atores domésticos para as questões concernentes à formulação da política exterior. Destarte, observa-se um movimento de repolitização da política externa brasileira, no qual os agentes domésticos buscam preservar seus interesses vis-à-vis das estratégias internacionais brasileiras para cada setor. Neste sentido, é possível visualizar esse processo no setor financeiro, cuja reconfiguração da dinâmica financeira internacional tem requerido uma atuação consistente da política externa brasileira, coadunando os interesses dos principais agentes nacionais deste setor e sua consecução por meio da política exterior financeira.
Maria Regina Soares de Lima é professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Doutora em Ciência Política pela Vanderbilt University (Estados Unidos) é coordenadora do Observatório Político Sul Americano – OPSA/UERJ. Foi professora adjunta do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, de 1976 a 2010, e professora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, por cerca de vinte anos, Rubens de Siqueira Duarte é doutorando em Ciência Política pela Universidade de Birmingham e mestre em Ciência Política pelo Institutos de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Os autores foram entrevistados por Tiago Tasca, assistente editorial da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, sobre opiniões e argumentos desenvolvidos no artigo “Politicising financial foreign policy: an analysis of Brazilian foreign policy formulation for the financial sector (2003-2015)”, publicado no número 1 de 2017 da Revista (v. 60, n. 1).
1. O artigo traz contribuições para a área de Análise de Política Externa (APE), sobretudo para análise de processo decisório, que vem ampliando sua agenda de pesquisa no campo das Relações Internacionais no Brasil. Diante dessa contribuição, como os senhores vêem a evolução da pesquisa acadêmica em APE? Quais desafios e oportunidades os senhores observam para a agenda de pesquisa de APE no Brasil?
A política externa está situada na interseção da política doméstica e da política internacional. Esta dupla face da Política Externa significa que não podemos analisar e entender adequadamente a mesma sem levar em conta os condicionantes domésticos. Afinal é no plano doméstico que a política externa é formulada, respondendo às opções dos agentes do Estados, mas também às restrições e oportunidades do plano internacional. Em graus variáveis, dependendo do poder e influência do mesmo, as ações externas de um país, constituem também um insumo à dinâmica da política internacional.
A área de Análise da Política Externa (APE) surgiu exatamente para suprir uma carência das análises convencionais de política externa, em grande parte estudadas a partir de dimensões estruturais e variáveis sistêmicas, e adicionou o componente de agência ao estudo da política externa. A crescente imbricação dos dois planos na atualidade coloca em pauta a relevância da área de APE não apenas no Brasil, mas na produção acadêmica internacional.
2. Durante os anos 1980 e 1990, o Brasil teve dificuldades de atuar na agenda financeira internacional. Esta dificuldade trouxe à tona a necessidade de “repolitizar” a política externa brasileira. Na opinião dos senhores, quais foram os principais efeitos que a repolitização trouxe para a inserção internacional do Brasil no século XXI?
Com a repolitização da política externa para o setor financeiro, o Brasil deixou de ser um espectador para tornar-se um ator mais relevante no cenário internacional, relevância que já tinha em outros temas. Principalmente após a crise de 2008, as mudanças em foros internacionais trouxeram ganhos institucionais para o Brasil, que passou a participar de diálogos relevantes para o futuro do país e do mundo. Foi o início de uma postura mais ativa no setor financeiro, que também passa por um processo de aprendizado quanto ao funcionamento da dinâmica política do nicho financeiro, que guarda especificidades em relação a outros temas em que o Brasil já está mais acostumado a atuar. No âmbito doméstico, o diálogo com diferentes atores governamentais e não governamentais permite que os interesses e preocupações dos atores brasileiros sejam conhecidos, a fim de se traçar estratégias e políticas que tragam maior benefício para o país como um todo. Ao trazer pluralidade ao processo de formulação da política externa, o Brasil também ganha legitimidade e, consequentemente, capital político internacionalmente.
3. Os senhores expõem que, entre os anos 1980 e 2000, Os senhores expõem que, entre os anos 1980 e 2000, há o movimento de perda e reconquista do protagonismo do Itamaraty nas formulação da política externa para o setor financeiro. Diante da atual e delicada situação político-econômica brasileira, é possível argumentar que há um processo de perda de protagonismo do Itamaraty pari passu uma maior participação do Banco Central do Brasil e do Tesouro Nacional na formulação da política externa brasileira para o setor financeiro?
Apesar das dificuldades econômicas e políticas que o Brasil passa na segunda década do século XXI, não há indícios de um processo de perda de importância do Itamaraty na formulação da política externa para o setor financeiro. O Departamento de Assuntos Financeiros e Serviços (DFIN), criado em 2010, não perdeu importância hierárquica no organograma funcional do Itamaraty. Pelo contrário, continua sendo responsável por importantes iniciativas, como pela negociação de Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI) com diversos países da África e das Américas. Algumas mudanças institucionais feitas ao longo do governo de Lula e de Dilma Rousseff não foram revertidas até o presente momento, resistindo como um ganho residual do processo de repolitização. O que parece mudar é o uso desse instrumento institucional, de acordo com o realinhamento ideológico do governo no poder.
4. No que tange à tomada de decisão em política externa para o setor financeiro, os senhores mencionam os seguintes atores: Secretaria para Negócios Internacionais (SAIN, do Ministério da Fazenda), Departamento de Negócios Internacionais (DRIN, do Banco Central do Brasil) e o Departamento de Negócios Financeiros e de Serviços (DFIN, do Itamaraty). Todavia, esse processo decisório tem dificuldade de incorporar a sociedade civil, ao passo que o setor privado exerce grande poder estrutural. Uma acentuação da formalidade dos canais de comunicação entre esses atores, por exemplo, poderia gerar conflitos interburocráticos e maior insulamento da tomada de decisão em política externa para a área financeira?
No nosso entendimento, os conflitos de interesses não seriam criados pelo estabelecimento de canais formais de diálogo entre os atores, porque os conflitos já existem e são naturais de uma sociedade dinâmica e complexa como é o caso da brasileira. Um diálogo mais formal faria que o processo de formulação da política externa para o setor financeiro fosse mais transparente, participativo e democrático, o que certamente beneficiaria a população como um todo.
Para ler o artigo, acesse
DUARTE, R. S. and LIMA, M. R. S. Politicising financial foreign policy: an analysis of Brazilian foreign policy formulation for the financial sector (2003- 2015). Rev. bras. polít. int. [online]. 2017, vol.60, n.1, e005. [viewed 18 April 2017]. ISSN 1983-3121. DOI: 10.1590/0034-7329201600113. Available from: http://ref.scielo.org/5zrd4p
Link externo
Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI: www.scielo.br/rbpi
Sobre Tiago Tasca
Tiago Tasca é Assistente Editorial da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Os seus interesses de pesquisa se relacionam com as questões energéticas em geral e, particularmente, bioenergia, na política internacional.
Sobre Antônio Carlos Lessa
Antônio Carlos Lessa é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional ‒ RBPI. Doutor em História pela Universidade de Brasília, desenvolveu estudos pós-doutorais na França (2008) e nos Estados Unidos (2015-2016). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ‒ CNPq, é editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional desde 2004.
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