A pesquisa psicanalítica: enlaces entre teoria, clínica e cultura

Joel Birman, Editor do periódico Ágora – Estudos em Teoria Psicanalítica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Em relação ao primeiro eixo, os artigos versam sobre a constituição da psicanálise, desde seus primórdios até os dias atuais, tanto no que tange a elaboração teórico-conceitual como o desenvolvimento do método clínico psicanalítico.

Em “Freud e seus Leitores”, André Carrone discute como a relação que Freud (1917/1999) estabeleceu com a figura do leitor em suas ‘Conferências introdutórias à psicanálise’ é marcada por tensões — que expressam a própria dinâmica inconsciente que o autor tenta apresentar — e, ainda, como ela produz desafios para a tradução. Outra articulação entre escrita e inconsciente é trabalhada em “[A] destruição animot [relações entre a filosofia e a psicanálise em Derrida]”, no qual João Galvão Jr. discute o inconsciente como escritura, a partir do conceito “animot” de Derrida (1999/2006).

Um diálogo entre a história da psicanálise e a história da psiquiatria é apresentado no artigo “As origens médico-psiquiátricas do conceito psicanalítico de narcisismo”, no qual Caio Padovan evidencia como a apropriação do mito de Narciso pela tradição medico-psiquiátrica, no século XIX, antecedeu e contribuiu para a construção teórica do conceito de narcisismo na psicanálise. Em “A interface mente-corpo em Sándor Ferenczi: perspectiva histórica dos primórdios da Psicossomática Psicanalítica”, de Marcos Casadore e Rodrigo Peres demonstram como as contribuições de Ferenczi sobre a interface mente-corpo foram cruciais para o desenvolvimento do campo da Psicossomática Psicanalítica.

Os primórdios da clínica psicanalítica também são discutidos em “Agatlhy Jung e Hilda Abraham: primeiras experiências de psicanálise com crianças”, onde Adela Gueller e Ana Costa resgatam o caso Ana/Agathly (JUNG, 1910) e o caso Hilda (ABRAHAM, 1913) para pensar as teorias sexuais infantis das meninas. A clínica com crianças também é abordada em “A menina desmemoriada e o corpo despedaçado”, no qual Maíra Rieck apresenta a experiência clínica de uma menina que diz não conseguir lembrar de seu passado para pensar a relação entre corpo, ficção, narrativa e memória.

Considerando que a pesquisa em psicanálise é marcada pela relação indissociável entre saber teórico e prática clínica, Analice Palombini e Lorenna Rocha discutem o método da construção do caso clínico, a partir do atendimento de um adolescente através do Acompanhamento Terapêutico (AT), no artigo intitulado “A clínica do Acompanhamento Terapêutico como pesquisa psicanalítica: uma escrita compartilhada entre vários.” Outro recorte clínico é abordado em “Gustav Mahler: entre a genialidade e a obsessão”, no qual Viviana Martinez, Gustavo Mello Neto e Daniela Silva investigam como a neurose obsessiva que acometia o músico se articulava à genialidade e sua relação peculiar com a morte.

O segundo eixo, que evidencia como a clínica e a teoria psicanalítica contribuem para pensar a cultura contemporânea, é constituído por seis trabalhos. Em “O duplo especular nas psicoses não desencadeadas: um paradigma contemporâneo?”, Andréa Martello e Juliana Martins questionam se as saídas encontradas para algumas psicoses são indicativas da subjetividade contemporânea, marcada por um empuxo ao imaginário. No artigo “Lacan com Marx em Wall Street, um dia antes do fim: uma análise de Margin Call a partir do encontro da teoria dos discursos lacaniana e da crítica da economia política marxiana”, José Rodrigues articula a teoria dos discursos de Lacan (1968-1969/2008) e a teoria do valor de Karl Marx (1890/2013) para problematizar a pregnância do discurso da ciência e do discurso capitalista na sociedade contemporânea.

O lugar da psicanálise face às novas expressões da sexualidade é discutido por Simone Perelson em “Novos passos na tessitura das reflexões psicanalíticas sobre as sexualidades de nosso tempo”, por meio da resenha do livro “Corpos, sexualidades, diversidade” (ALONSO et al., 2016).

No que concerne ao tema da violência, Paula Cristina Barros, Nanette Frej e Maria de Fátima Vilar de Melo apresentam, no artigo “Na exclusão social, palavras que alimentam e incluem o sujeito”, uma experiência com crianças e adolescentes em situação de rua (Olinda/PE – Brasil) para pensar como o espaço público é procurado como “saída” para violência e a vulnerabilidade social. Em “Aprisionamento psíquico sob uma perspectiva psicanalítica: estudo de caso de um agressor conjugal” Gabriela Stenzel e Carolina Lisboa investigam, a partir de um caso clinico de violência contra mulher, as relações entre trauma, narcisismo e pulsão de morte. Outra modalidade de violência é discutida por Isée Bernateau em seu trabalho “As cores do ódio: imagens do ódio racial em Absalão, Absalão! de Faulkner”. A partir deste romance de Faulkner (1936/1995), a autora discute o caráter narcisista do ódio racial.

Referências

ABRAHAM, K. Restricciones y transformaciones de la escopofilia en los psiconeuróticos, con observaciones acerca de fenómenos análogos en la psicología de los pueblos (1913). In: ABRAHAM, K. Psicoanálisis clínico. Buenos Aires: Hormé, 1959. p. 128-177.

ALONSO, S. L. et al. Corpos, sexualidades, diversidade. São Paulo: Escuta, 2016.

DERRIDA, J. L´animal que donc je suis (1999). Paris: Galilée, 2006.

FAULKNER, W. Absalon, Absalon! (1936). In: Œuvres complètes, II. Paris: Gallimard, 1995.

FREUD, S. Die Verdrängung (1917). Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag, 1999.

JUNG, C. G. Análise da alma infantil. O desenvolvimento da personalidade (1910). Petrópolis: Vozes, 1983.

LACAN, J. De um Outro ao outro (1968-1969). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital (1890). São Paulo: Boitempo, 2013.

Para ler os artigos, acesse

Ágora (Rio J.) vol.20 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2017

Link externo

Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica – AGORA: http://www.scielo.br/agora/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BIRMAN, J. A pesquisa psicanalítica: enlaces entre teoria, clínica e cultura [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/01/12/a-pesquisa-psicanalitica-enlaces-entre-teoria-clinica-e-cultura/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation