Fotografias 3×4 e a história do trabalho infanto-juvenil no Brasil da Era Vargas

Débora Andrade de Castro Cunha, estagiária da Varia Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

O periódico Varia Historia (v. 35, n. 67) apresenta o artigo “Jovens trabalhadores em 3×4 – Fotografia e história do trabalho no Rio Grande do Sul, 1933-1943”, de Aristeu Elisandro Machado Lopes, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas e Coordenador do Projeto “Traçando o perfil do trabalhador gaúcho”, no qual desenvolve pesquisas com o acervo da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.

O artigo aborda a presença de jovens, com idades entre 14 e 18 anos, que atuavam em indústrias do Rio Grande do Sul durante as décadas de 1930 e 1940, período de importantes avanços na legislação trabalhista brasileira. O autor realiza um cruzamento de dados, lidando com informações presentes nas fichas de qualificação profissional desses jovens e também com as fotografias 3×4 dos trabalhadores. Essa documentação é analisada à luz dos decretos federais de 1932 sobre a criação da Carteira Profissional e da regulamentação do trabalho de menores. O contraste entre as informações contidas nas fichas e os vestígios trazidos pelas fotografias permite compreender de que forma a legislação sobre o trabalho infantil foi incorporada pela indústria e quais os subterfúgios utilizados pelas empresas para manter os trabalhadores irregulares, acobertando possíveis infrações dos órgãos de controle governamental.

A exploração do trabalho infanto-juvenil é uma presença constante no Brasil desde a colonização, como apontam os relatos de viajantes acerca da situação de crianças escravizadas (PRIORE, 2013). Infelizmente, tal quadro perdura até os dias de hoje segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, publicados em 2015.

Aristeu Lopes parte da Lei do Ventre Livre, de 1871, para discutir a exploração de crianças escravizadas no Brasil. Apesar de abolir a escravidão para as crianças nascidas a partir da sua data de promulgação, essa lei, na prática, não evitava que as crianças filhas de escravizados continuassem a serviço dos senhores de suas mães, já que estes tinham autonomia para definir o momento da sua libertação, podendo manter a exploração por alguns anos. No final do século XIX e nos primeiros anos do século XX o debate sobre a questão do trabalho infanto-juvenil continuou, mas a legislação é tímida quanto à sua regulamentação e sabe-se que o número de jovens trabalhadores recebendo baixos salários é enorme.

Em 1927, foi aprovado um Código específico que pretendia regulamentar a condição do menor trabalhador, impondo pela primeira vez uma idade mínima de 12 anos para o trabalho. Mas é em 1932 que a legislação trabalhista ganhou corpo e tratou de forma detalhada questões como carga horária, férias e trabalho feminino. Ela regulamentou também o trabalho dos menores na indústria indicando as funções vetadas a eles. Também neste mesmo ano, é criada a Carteira Profissional, que serviu para regular as questões trabalhistas e dirimir conflitos entre patrões e empregados, já que o decreto de criação da Carteira especificava que somente seriam aceitas as queixas referentes a questões trabalhistas daqueles que possuíssem o documento (FRENCH, 2001).

Jovens magarefes Acervo: DRT/RS-NDH/UFPel

Para a emissão da Carteira para menores, era exigida uma vasta documentação que incluía autorização dos pais, atestado de saúde física e mental e comprovação de conhecimentos básicos de leitura e escrita. Além disso, a lei especificava ainda quais as indústrias não poderiam contratar menores, aquelas que só poderiam contratá-los em determinadas funções, e estabelecia um prazo para que as empresas regularizassem a situação, emitindo a carteira para seus funcionários e demitindo aqueles que se encontrassem em situação irregular. Como mostra Aristeu Lopes, essa documentação nos permite perceber hoje a presença desses jovens trabalhadores e o quanto eles eram uma parte significativa da mão de obra do período.

As Carteiras poderiam ser solicitadas pelos trabalhadores ou pelas empresas. Na maioria dos casos analisados pelo autor, as indústrias foram as autoras dos pedidos. Sendo assim, fotógrafos eram contratados para retratarem todos os funcionários em um só dia e é através dessas imagens que o pesquisador encontra indícios sobre a real situação desses jovens trabalhadores. Como dito, a legislação restringia as funções em que os menores eram permitidos, entretanto muitos deles possivelmente omitiam a verdadeira natureza do seu trabalho. Um dos casos estudados é o de um garoto de dezessete anos funcionário dos Frigoríficos Nacionais Sul-Brasileiros LTDA. Segundo a legislação, é vedado aos menores o trabalho que envolva “matança e esquartejamento de animais”. Na ficha do citado adolescente, consta que o mesmo trabalhava como “megarefe”, atividade de quem executa este tipo de trabalho proibido para menores. A ficha não traz a descrição da função. Mas a fotografia confirma a sua profissão, já que é possível perceber que ele utiliza um avental sujo de algo que lembra sangue, o que demonstra que seu trabalho estava diretamente ligado à produção de carne.

O caso demonstra que as empresas aproveitaram-se de uma brecha na legislação. Enquanto várias atividades eram proibidas aos menores, não há na lei uma relação de profissões proibidas e é aí que o adolescente se encaixava. Há muitos casos de jovens cuja profissão declarada estava relacionada a atividades administrativas, mas cujas fotos permitem perceber que seu trabalho era provavelmente ligado à produção. Havia também trabalhadores abaixo da idade mínima de 14 anos e em muitos outros casos, menores foram contratados em indústrias onde a princípio não poderiam trabalhar registrados em funções genéricas sem especificação das atividades, o que dá margem a abusos e irregularidades.

Aristeu Lopes realiza uma pesquisa minuciosa utilizando a fotografia como janela para compreender as especificidades do trabalho juvenil nas décadas de 1930 e 1940. Evidencia também de que maneira a legislação era entendida e aplicada às relações de trabalho. O seu trabalho permite compreender, ainda, a forma como funcionava a fiscalização – ou a falta dela – por parte do Estado. A temática, extremamente atual, traz reflexões importantes acerca do papel do Estado na mediação das leis trabalhistas e na proteção à criança e ao adolescente.

Referências

FRENCH, J. D. Afogados em leis. A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.

PRIORE, M. Del (Org). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013.

Para ler o artigo, acesse

LOPES, A. E. M. Jovens trabalhadores em 3×4: Fotografia e história do trabalho no Rio Grande do Sul, 1933-1943. Varia hist., v. 35, n. 67, p. 345-376, 2019. ISSN: 0104-8775 [viewed 26 April 2019].  DOI: 10.1590/0104-87752019000100012. Available from: http://ref.scielo.org/jwhxxp

Links externos

Varia Historia – VH: www.scielo.br/vh

Site Varia Historia – www.variahistoria.org

Canal Varia Historia –  https://m.youtube.com/channel/UCD4EbWEXNyTAirlemvy3UPw

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CUNHA, D. A. C. Fotografias 3×4 e a história do trabalho infanto-juvenil no Brasil da Era Vargas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/04/26/fotografias-3x4-e-a-historia-do-trabalho-infanto-juvenil-no-brasil-da-era-vargas/

 

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