Recursos do mercado financeiro para projetos habitacionais de interesse social: o Título de Impacto Social

Paula Freire Santoro, Arquiteta urbanista, professora na Universidade de São Paulo (FAUUSP), São Paulo, SP, Brasil.

João de Araújo Chiavone, Arquiteto urbanista, mestrando em Planejamento Urbano e Regional na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Imagem: Free-Photos

O artigo “Negócios de impacto e habitação social: uma nova fronteira do capital financeirizado?”, publicado no Cadernos Metrópole (vol. 22, no. 49), apresenta os desafios, de uma forma analítica e crítica, à implantação da agenda de títulos de impacto social. Para isso, os pesquisadores partiram da constatação empírica de que existe um movimento interno ao mercado em busca de obter recursos para financiar soluções habitacionais ofertadas por pequenas empresas vinculadas a impacto social. A hipótese é que esse movimento seria uma diversificação dos negócios em busca de novos mercados ou a criação de novos produtos financeiros. Ou seja, a habitação é vista como “oportunidade” de negócio.

Um dos instrumentos disponíveis aos investidores aprofundados no artigo foi o Título de Impacto Social (em inglês, Social Impact Bonds – SIBs), que tem emergido como uma “ideia audaciosa para solucionar os problemas mundiais” (SCHMID, 2012, p. 64). A fim de atrair investimentos para serviços direcionados a uma determinada população e a uma determinada causa (SOCIAL FINANCE, 2011, 2013), os SIBs combinam abordagens governamentais de “pagamento por resultado”, com os investimentos e a partilha de riscos, do setor privado.

Os três principais benefícios, em tese, são: 1) melhor performance e menor custo de serviços públicos e sociais; 2) maior inovação e adoção de novas soluções; 3) maior troca de conhecimento e compartilhamento de “boas práticas” (CLIFFORD; JUNG, 2016, p. 161; LIEBMAN, 2011). Já as críticas orbitam em torno: 1) da tentativa de financeirizar problemas sociais complexos (COOPER; GRAHAM; HIMICK, 2016, p. 1; WARNER, 2013, p. 307); 2) e da dificuldade de mensurar os resultados sociais (McHUGH et al., 2013).

O artigo apresenta resultados parciais de uma investigação em curso sobre o caso do Programa Vivenda, empresa de pequeno porte especializada em reformas, que criou a primeira debênture de impacto social no Brasil para oferecer crédito a taxas de juros menores às famílias mais pobres para reformarem suas casas na periferia de São Paulo. O estudo elenca algumas características do Programa Vivenda, entre elas:

  • As consequências urbanas (melhorias habitacionais) da atuação da empresa são de interesse público;
  • Seu modelo de negócio é apoiado no modelo de empreendedorismo social norte-americano, cujos dividendos vão para os empresários e a base da pirâmide social é vista como “riqueza”;
  • O negócio prevê que a riqueza gerada pela atividade de reforma “fique na comunidade”, através da renda de pedreiros, compra de materiais de construção local, entre outros;
  • A habitação entra no rumo dos negócios pelo viés empresarial, não a partir de ações estatais ou políticas públicas;
  • O Estado, no entanto, é visto como possível futuro parceiro desses negócios, com recursos financeiros, ativos (como terras) e incentivos urbanísticos e tributários.

Na articulação entre melhorias habitacionais e negócios de impacto, as experiências sinalizam para uma aproximação com as microfinanças e com as finanças compreendidas a partir dos grandes investidores.

No campo dos estudos urbanos, a aproximação entre negócios, finanças e melhorias habitacionais possui algumas experiências, conhecidas pelo termo em inglês bankable slums, que significaria favelas que podem virar negócios lucrativos e de sucesso, a partir do endividamento das famílias (JONES, 2012). Ideias como essa são importantes de serem compreendidas, pois fazem parte de uma estratégia promovida pelo próprio mercado financeiro em busca de novas frentes para expansão de seu capital.

No vídeo a seguir, a professora Paula Freire Santoro detalha mais como funciona o mecanismo do Título de Impacto Social e como esse produto financeiro aproveita lacunas de investimentos deixadas pelo poder público.

Referências

CLIFFORD, J. et al. Exploring and understanding an emerging funding approach. In: LEHNER, O.M. (org.). Routledge handbook of social and sustainable finance. Abingdon: Routledge, 2016.

COOPER, C. et al. Social impact bonds: the securitization of the homeless. Accounting, Organizations and Society [online]. 2016, vol. 55, pp. 63-82. ISSN: 0361-3682 [viewed 11 December 2020]. https://doi.org/10.1016/j.aos.2016.10.003. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0361368216300897

JONES, B. G. Bankable slums: the global politics of slum upgrading. Third World Quarterly [online]. 2012, vol. 33, no. 5, pp. 769-789. e-ISSN: 1360-2241 [viewed 11 December 2020]. https://doi.org/10.1080/01436597.2012.679027. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436597.2012.679027

LIEBMAN, J. B. Social Impact Bonds. A promising new financial model to accelerate social innovation and improve government performance. Washington, DC: Center for American Progress, 2011.

McHUGH, N. et al. Social impact bonds: a wolf in sheep’s clothing? Journal of Poverty and Social Justice [online]. 2013, vol. 21, no. 3, pp. 247-257. e-ISSN: 1759-8281 [viewed 11 December 2020]. https://doi.org/10.1332/204674313X13812372137921. Available from: https://researchonline.gcu.ac.uk/ws/portalfiles/portal/2434879/McHugh_2013_Social_Impact_Bonds_A_Wolf_in_Sheep_s_Clothing.pdf

SCHMID, E. Pay businesses to keep people out of prison. Harvard Business Review, 2012, vol. 90, no. 1/2, pp. 64.

SOCIAL FINANCE. Peterborough social impact bond. London, 2011. Available from: https://www.socialfinance.org.uk/sites/default/files/publications/sf_peterborough_one-_year_on.pdf

SOCIAL FINANCE. A technical guide to developing social impact bonds. London, 2013. Available from: https://www.socialfinance.org.uk/sites/default/files/publications/technical-guide-to-developing-social-impact-bonds1.pdf

WARNER, M.E. Private finance for public goods: social impact bonds, Journal of Economic Policy Reform [online]. 2013, vol. 16, no. 4, pp. 303-319. e-ISSN: 1748-7889 [viewed 11 December 2020]. https://doi.org/10.1080/17487870.2013.835727. Available from: https://www.tandfonline.com/action/showCitFormats?doi=10.1080%2F17487870.2013.835727

Para ler os artigos, acesse

SANTORO, P. F. et al. Negócios de impacto e habitação social: uma nova fronteira do capital financeirizado? Cad. Metrop. [online]. 2020, vol. 22, no. 49, pp. 683-704. ISSN: 2236-9996 [viewed 11 December 2020]. https://doi.org/10.1590/2236-9996.2020-4902. Available from: http://ref.scielo.org/pmkrdj

Links Externos:

Cadernos Metrópole – CM: http://www.scielo.br/cm

Observatório das metrópoles: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/

Sobre o autor

Paula Freire Santoro é arquiteta urbanista, professora nas disciplinas de Planejamento Urbano do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (FAUUSP), Brasil. Desde 2014 coordena pesquisas do LabCidade FAUUSP, junto com Raquel Rolnik. Bolsista produtividade CNPq 2. E-mail: paulasantoro@usp.br (http://lattes.cnpq.br/7611486702526557)

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

Recursos do mercado financeiro para projetos habitacionais de interesse social: o Título de Impacto Social [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/01/28/recursos-do-mercado-financeiro-para-projetos-habitacionais-de-interesse-social-o-titulo-de-impacto-social/

 

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