Flávio Santiago, Pós-doutorando, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Bonito, SP, Brasil.
Ana Lúcia Goulart de Faria, Professora, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil
O artigo “Feminismo negro e pensamento interseccional: contribuições para as pesquisas das culturas infantis”, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 42), teve como objetivo partir do pensamento feminista negro para contribuir com os estudos da produção das culturas infantis, referentes à participação das crianças desde a primeira infância na construção da realidade social. A pesquisa foi desenvolvida por Flávio Santiago, sob a orientação da professora Ana Lúcia Goulart de Faria, no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Estadual de Campinas.
O estudo foi realizado com crianças de zero a três anos de idade, em uma creche pública (CEMEI), na região metropolitana de Campinas, entre os anos de 2015 a 2019 com o propósito de investigar no coletivo infantil quais eram as reinterpretações a respeito das intersecções entre as práticas racistas e sexistas. O atendimento às crianças era em período integral, contando com uma profissional formada em Pedagogia, considerada a professora e duas profissionais com formação em nível médio, consideradas monitoras.
As análises partiram dos aportes teóricos do Feminismo Negro, destacando suas indagações e contribuições para o campo da educação, em especial para a Educação Infantil. Por meio dos estudos de Feministas Negras, foi possível demonstrar a importância de se pensar uma articulação entre os marcadores sociais de diferença raça, gênero e classe social, bem como evidenciar a necessidade de se pensar para além de uma ideia abstrata de criança, da mesma maneira que se destaca as reflexões das mazelas postas pelos sistemas de opressão capitalista desde a infância.
Cabe ressaltar, que o artigo não pertence ao campo epistemológico do Feminismo Negro, pois, como argumenta Collins (1990), viver a vida como uma mulher negra é pré-requisito para produzir o pensamento Feminista Negro. Assim, somos aliados às principais agendas políticas reivindicadas pelas mulheres negras, o que inclui também uma autocrítica constante do nosso lugar enquanto pesquisador branco e pesquisadora branca, reconhecimento de nossos privilégios no contexto estruturante das relações raciais.
As feministas negras construíram uma revolução epistêmica na forma de se olhar para as relações de opressão no mundo, assim pesquisas relativas às culturas infantis, ao serem silenciadas com os questionamentos do Feminismo Negro, ganham novas dimensões, trazendo para o campo de estudo elementos que, à primeira vista, com um olhar canônico eurocêntrico e branco, podem parecer superficiais ou irrelevantes, mas que em uma visão não branca ganham contornos para poder compreender práticas e hierarquizações sociais presentes na sociedade capitalista. Pensar e interpretar as relações sociais a partir da intersecção, tendo como norte o racismo que estrutura a sociedade, modifica toda a “lógica clássica” presente no campo acadêmico, que, na maioria do tempo, se estruturou a partir de cânones criados e construídos por uma lógica colonizadora e branca de indivíduo, sociedade e relação com o saber.
Nesse sentido, o artigo discute os desafios postos para as pesquisas das culturas infantis, destacando a necessidade de se pensar as produções das crianças associadas aos marcadores sociais que estruturam a nossa sociedade, bem como a problematização do modo pelo qual construímos as nossas pesquisas, pois o nosso local de fala socialmente construído interfere diretamente no modo pelo qual se interpreta e analisa os dados de nossas pesquisas. Existe uma diferença substancial que marca as experiências de pesquisas entre ser um pesquisador/pesquisadora negro/negra ou ser um pesquisador/pesquisadora branco.
A seguir, ouça o podcast de Flávio Santiago ampliando a discussão sobre o pensamento do feminismo negro como contribuição para a análise das culturas infantis.
Referências
COLLINS, P. H. The social construction of black feminist thought. In: MALSON, M.R., et al. Black women in America: social science perspectives. Chicago: The University of Chicago Press, 1990. pp. 297-325.
GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: SILVA, L.A.M., et al. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos. Ciências Sociais Hoje, Brasília, no. 2, pp. 223-244, 1983.
OLIVEIRA, M. R. G. O que não tem nome não existe! Feminismo negro e o percurso histórico do conceito de interseccionalidade. In: OLIVEIRA, L. Z.; CUNHA, J. M. and KIRCHHOFF, R. S. Educação e interseccionalidades. Curitiba: NEAB, UFPR, 2018. pp. 19-48.
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SANTIAGO, F. Eu quero ser o sol! Crianças pequenininhas, culturas infantis, creche e intersecção. 2. ed. São Carlos: Pedro & João, 2021.
SILVA, P.B.G. O sentimento, a compreensão de que se pertence à humanidade começa desde sempre. In: SANTOS, S.E., et al. Pedagogias descolonizadoras e infâncias: por uma educação emancipadora desde o nascimento. Maceió: EDUFAL, 2017. pp. 71-86.
Para ler o artigo, acesse
SANTIAGO, F. and FARIA, A. L. G. de. Feminismo negro e pensamento interseccional: contribuições para as pesquisas das culturas infantis. Educ. Soc. [online]. 2021, vol. 42, e239933. ISSN: 1678-4626 [viewed 05 May 2021]. https://doi.org/10.1590/es.239933. Available from: http://ref.scielo.org/cj92c5
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