Alfabetização científica: aprender ciências para transformar a sociedade

Deborah Cotta, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGE/FaE/UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil.

Maíra Batistoni e Silva, Doutora em Educação. Professora Doutora do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IBUSP). Coordenadora do LaPPEC (Laboratório de Pesquisa em Práticas Epistêmicas e Científicas no Ensino de Ciências) IBUSP. São Paulo, SP, Brasil. 

Lúcia Helena Sasseron, livre docente em Educação. Professora Associada do Departamento de Metodologia de Ensino e Educação Comparada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (EDM-FEUSP). Coordenadora do LaPEF (Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física) FEUSP. São Paulo, SP, Brasil. 

Aprender ciências tem se tornado algo essencial para a vida em sociedade, em especial para atuação dos indivíduos em possíveis transformações sociais. Para isso, ensinar ciências, cada vez mais, demanda uma preocupação com a formação de sujeitos que compreendam a ciência como uma atividade social, que conheçam suas especificidades – práticas, padrões, normas e processos compartilhados – e que sejam capazes de tomar decisões, se posicionar e avaliar criticamente informações que circulam em um imenso (e crescente) volume nas mídias sociais digitais.

O artigo Alfabetização Científica e domínios do conhecimento científico: proposições para uma perspectiva formativa comprometida com a transformação social escrito por Maíra Batistoni e Silva e Lúcia Helena Sasseron apresenta fundamentos teóricos da Alfabetização Científica (AC) enquanto perspectiva formativa que considera o ensino de ciências como prática social com embasamento nos quatro domínios do conhecimento científico (DUSCHL, 2008; STROUPE, 2014): conceitual, epistêmico, social e material.

As autoras apresentam premissas da área de Educação em Ciências e, a partir delas, anunciam proposições para o desenvolvimento da alfabetização científica nas escolas. Elas dão início ao artigo indicando que os termos Letramento Científico e Enculturação Científica possuem definições similares à ideia de Alfabetização Científica, e que o uso de cada um deles parte de escolhas e afinidades teóricas. As autoras apoiam sua decisão ao compartilharem a concepção de alfabetização defendida por Paulo Freire.

A primeira premissa sintetizada a partir de trabalhos da área de Educação em Ciências é de que as relações entre diferentes visões de Alfabetização Científica não são excludentes, e sim complementares. Uma definição de AC ideal para o momento histórico que vivenciamos deve considerar a participação ativa dos sujeitos em debates sobre ciências e o engajamento em questões comprometidas com a transformação social. Não basta ter uma visão de que a ciência não é isolada e está vinculada à sociedade, é preciso uma ação comprometida com o bem comum, global e local.

Imagem: Maíra Batistoni e Silva.

A segunda ideia apresentada é de que as ciências naturais abordadas nas salas de aula são muito diferentes das ciências naturais enquanto forma de conhecimento humano. É preciso reconhecer que as ciências são uma prática humana colaborativa. Nessa premissa, se contrapõem o ensino tradicional, que exclui processos do desenvolvimento do conhecimento, e o movimento de garantir que os estudantes participem das aulas e vivenciem aspectos da atividade científica.

Esse movimento leva à identificação, na área de estudos, da terceira premissa: o entendimento do ensino de ciências como prática social (DUSCHL, 2008, STROUPE, 2014). A aprendizagem é inseparável da prática social (LAVE & WENGER, 1991), localizada em um contexto social e histórico, e é gerada a partir do engajamento e da participação dos estudantes enquanto sujeitos pertencentes a um grupo.

Considerando todo o cenário teórico apresentado, as autoras reconhecem que a alfabetização científica é resultado de intenções e ações didáticas planejadas e implementadas para tal e de proposições para o seu desenvolvimento em situações de ensino-aprendizagem.

A primeira proposição apresentada é de que o desenvolvimento da alfabetização científica para a transformação social exige a mobilização dos quatro domínios do conhecimento, de modo articulado, nos planejamentos e interações didáticas. A segunda proposta é uma análise do segundo eixo estruturante da AC, que trata da compreensão da natureza das ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam a prática científica (SASSERON; CARVALHO, 2008), entendendo sua complexidade e, por isso, ressaltando atenção a ele quando do planejamento didático.

É preciso que os domínios epistêmico, social e material do conhecimento sejam explorados de modo que o sujeito compreenda que o empreendimento científico é fruto de uma atividade social.

Esse artigo contribui com os estudos da Educação em Ciências ao explorar a Alfabetização Científica em uma perspectiva formativa e apresentar discussões teóricas importantes. As premissas e proposições apresentadas pelas autoras podem inspirar a organização de currículos, planejamentos e atividades didáticas em prol da formação de sujeitos alfabetizados para as ciências, conscientes e engajados na formação e transformação da sociedade.

Leia mais

DUSCHL, R.A. Science education in three-part harmony: balancing conceptual, epistemic and social learning goals. Review of Research in Education [online]. 2008, v. 32, no. 1, 268-291 [viewed 15 December. https://doi.org/10.3102/0091732X07309371 [viewed 15 December 2021]. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/10.3102/0091732X07309371

Lave, J., & Wenger, E. (1991). Situated learning: legitimate peripheral participation. New York: Cambridge University Press.

Sasseron, L. H., & Carvalho, A. M. P. (2008). Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em Ensino de Ciências, 13(3), 333-352. Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/cref/ojs/index.php/ienci/article/view/445

Stroupe, D. (2014). Examining Classroom Science Practice Communities: How Teachers and Students Negotiate Epistemic Agency and Learn Science-as-Practice. Science Education, 98(3), 487-516. https://doi.org/10.1002/sce.21112

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Para ler o artigo, acesse

SILVA, M.B. and SASSERON, L.H. Alfabetização científica e domínios do conhecimento científico: proposições para uma perspectiva formativa comprometida com a transformação social. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte) [online]. 2021, vol. 23, e34674 [viewed 15 December 2021]. https://doi.org/10.1590/1983-21172021230129. Available from: https://www.scielo.br/j/epec/a/ZKp7zd9dBXTdJ5F37KC4XZM/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

COTTA, D. and SILVA, M.B. and SASSERON, L.H, Alfabetização científica: aprender ciências para transformar a sociedade [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/12/16/alfabetizacao-cientifica-aprender-ciencias-para-transformar-a-sociedade/

 

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