Viviane Cristina Cândido, Docente adjunta do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde (CeHFi) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – Universidade Federal de São Paulo. Líder do Grupo de Estudos de Filosofia da Saúde (UNIFESP/CNPq), São Paulo, SP, Brasil.
Oneide Perius, em seu artigo A multiplicidade originária: uma leitura da filosofia de Franz Rosenzweig, apresenta a proposição, pelo filósofo, de um Novo Pensamento que, se opondo à ideia de totalidade, revele uma multiplicidade originária, destacando o tempo, a experiência e o pensamento renovado como categorias centrais nesta revolução filosófica proposta pelo filósofo de Kassel.
Neste comentário, A Filosofia experimentada no tempo e na diferença, Viviane Cristina Cândido, também estudiosa da filosofia rosenzweiguiana e das possibilidades de sua aplicação no campo da saúde, visando contribuir com esse importante desafio assumido por Perius, tece algumas considerações acerca de três conceitos fundamentais para Rosenzweig – experiência, tempo e finitude, além de tratar de sua condição como judeu.
Para o filósofo, a história da Filosofia se baseia na busca pelo conhecimento dos três grandes pilares Deus, Mundo e Ser Humano e, por preocupar-se com a essência, o resultado sempre foi a redução de um ao outro grande pilar, todavia, ao contrário, o que deles sabemos de modo mais exato, o sabemos com o saber intuitivo da experiência, e o que deles podemos conhecer é sua realidade efetiva, posto que a experiência mesma se dá na facticidade.
Trata-se da proposição de uma filosofia experimentada, a qual, ao invés de retirar Deus, Mundo e Ser humano de sua contingência, lançando-os ou para a supervalorização de suas individualidades, ao isolá-los, ou para a abstração, a que está fadado todo aquele que é retirado da contingência, entende que essas três potências só podem ser conhecidas em suas realidades efetivas – suas relações.
Tais relações, por sua vez, supõem um outro e, para o filósofo, esse outro é outro porque fala. Ao abordar a narrativa como método, destaca essa temporalidade do Novo Pensamento “Não o tempo em que algo acontece, e sim o que por si mesmo acontece”. No tempo, a pergunta de um é a resposta do outro, como enfatiza em seu O livro do bom senso saudável e doente – O Livrinho: “Sou questionado por pessoas” – ou seja, Rosenzweig aponta para a concretude, o que significa reconhecer o tempo da pergunta de um e resposta do outro – a relação, do que decorre a exigência de uma Filosofia capaz de tratar da multiplicidade, da pluralidade e, consequentemente, da diferença, ao contrário da modernidade, que reduz o real a uma perspectiva totalitária, bem como a uma pretensa igualdade.
É ao tratar da finitude que o pensamento de Rosenzweig resvala no campo da Saúde. Ele, que também estudou Medicina, entende que “Para um médico que está tratando um caso, o tratamento é o presente, a enfermidade é o passado e a constatação da morte é o futuro”. O homem sábio sabe que vai morrer e deixa que a morte caminhe ao seu lado e, por isso, é capaz da ação no tempo. A morte é empiria.
É com a compreensão da morte que podemos chegar à Vida, esse é o caminho de sua obra A Estrela da Redenção, tal qual o caminho de Brás Cubas, de Machado de Assis, que afirma que sendo um defunto autor começará pela morte e não pela vida, ao contrário do que acontece no Pentateuco, livro da Bíblia que se inicia pela criação. Para Rosenzweig o ser humano é porque é mortal: a finitude não é uma possibilidade, mas uma certeza e isso põe em xeque a totalidade – a morte é para o indivíduo, ou seja, quem morre é o homem solitário e não a totalidade, consequentemente, a filosofia que considera a totalidade não considera o homem. O homem morre, o todo não.
Finalmente, o comentário traz uma reflexão acerca do judeu Franz Rosenzweig que, se de um lado, afirma que sua obra, A Estrela da Redenção, não é um livro judaico, mas um sistema de Filosofia, de outro, podemos afirmar que uma perspectiva judaica é indissociável do seu pensamento, e nos perguntamos se isso deveria se constituir num problema, afinal, para tratar dos grandes temas que interpelam o vivente – a sua condição (humana), a dor, o sofrimento e a morte – seria a razão suficiente?
Referências
BATNITZKY, L. How Judaism Became a Religion: An Introduction to Modern Jewish Thought. Princeton: Princeton University Press, 2011.
BENJAMIN, W. O Narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Laskov. Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985. 197-221
BOURETZ, P. Testemunhas do futuro: filosofia e messianismo. São Paulo: Perspectiva, 2011.
CÂNDIDO, V.C. Imanência e transcendência em Franz Rosenzweig – contribuições da Filosofia da Religião para as Ciências da Saúde. Estudos de Religião [online]. 2020, vol.34, no.2, pp.151-176 [viewed 10 November 2022]. https://doi.org/10.15603/2176-1078/er.v34n2p151-176. Available from: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/ER/article/view/10723.
ROSENZWEIG, F. El libro del sentido común sano y enfermo. Madrid: Caparrós Editores, 2ª. ed., 2001.
ROSENZWEIG, F. El Nuevo Pensamiento. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2005.
Para ler o artigo, acesse:
CÂNDIDO, V.C. Comentário: A filosofia experimentada no tempo e na diferença. Trans/Form/Ação [online]. 2020, vol. 43, no. 4, pp. 271-276 [viewed 10 November 2022]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2020.v43n4.16.p271. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/tw8TyTXXZJ3bJ6Wt5QqfX8S/?lang=pt
Link(s) externos:
Grupo de Estudos de Filosofia da Saúde – GEFS: https://gefs.unifesp.br/
Franz Rosenzweig Minerva Center for German – Jewish Literature and Cultural History: https://www.minerva.mpg.de/centers/list/franz-rosenzweig-minerva-center-for-german-jewish-literature-and-cultural-history
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