Trajetórias Formativas de Musicistas Negros no Pós-Abolição (1890-1930)

Lurian José Reis da Silva Lima, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense, Professor de História da Música, membro do Grupo de Pesquisa Educação, Saberes e Decolonialidades(Gpdes/UnB/CNPq) e do Laboratório de História Oral da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil.

Ana Tereza Reis da Silva, professora Associada 3 da Universidade de Brasília (UnB), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UnB) e Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT/UnB), líder do Grupo de Pesquisa Educação, Saberes e Decolonialidades (Gpdes/UnB/CNPq), Brasília, DF, Brasil.

Logo do periódico Educação & RealidadeEm Trajetórias Formativas de musicistas negros no Pós-abolição, Lurian Lima e Ana Tereza Reis produzem um diálogo até aqui pouco audível na academia, entre a história da música a história da educação no Brasil. E este  traço diferencial do artigo fazem a partir da perspectiva de musicistas negros – entre os quais, alguns ícones da MPB, como Pixinguinha, Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara –, registradas em entrevistas orais à série Depoimentos Para a Posteridade do Museu da Imagem e do Som da cidade (1966-1991).

Os autores apresentam, analisam e contextualizam historicamente memórias situadas entre fim do século XIX e as primeiras três décadas do século XX, relacionadas ao tema da educação da população negra.

Originado da pesquisa de Doutorado que Lurian Lima empreendeu sobre e a partir desta série de entrevistas¹, o artigo consolida uma parceria intelectual entre os autores no âmbito do Grupo Educação, Saberes e Decolonialidades da Universidade de Brasília.

O primeiro objetivo do trabalho é visibilizar de forma positiva as visões de mundo dos musicistas que falam no artigo, entendidos assim como sujeitos de conhecimento. O artigo dá grande destaque à compreensão que eles e elas desenvolveram sobre suas experiências formativas dentro e fora das escolas, sobre o que significa “escola”, “educação” e, em perspectiva mais ampla, sobre o que significa “formar-se” como artista, como cidadão, como pessoa.

Composição. Imagens de musicistas negros em círculos, a maioria em preto e branco ou em sépia. No fundo, cor sólida branca e uma rede de linhas interligando todos.

Imagem: Lurian José Reis da Silva Lima.

Figura 1. Musicistas ouvidos pela pesquisa e citados no artigo.

Daí a noção de “trajetória formativa” que conduz o trabalho. O segundo objetivo, indissociável do primeiro, é lançar luzes sobre a questão do acesso à educação escolar pelas comunidades negra no pós-abolição – período marcado pelo rearranjo das técnicas de dominação racial após o fim formal da escravidão² – e sobre as estratégias de escolarização e formação empreendidas por essas comunidades. Como elas enfrentaram a desigualdade e o racismo para “formar-se”, adquirindo inclusive, mas não somente, saberes balizados pela escola?

“Trajetórias Formativas” se inscreve na interseção entre as historiografias do pós-abolição, da educação e do racismo na Primeira República. O trabalho se ancora, teoricamente e metodologicamente,  na noção de “protagonismo negro”³, que se impõem como forma de reparar as marcas do racismo na escrita da história, dando o devido destaque à agência negra; na noção de “redes interpessoais”, basilar para conceitos como diáspora africana e atlântico negro, que buscam evidenciar as experiências comuns e vínculos políticos partilhados pelos descendentes de africanos no mundo Atlântico⁴; e no destaque que vem sendo dado à memória na produção de uma história da educação da classe trabalhadora na Primeira República⁵.

Em consonância com tal universo analítico-interpretativo, os autores chamam atenção para a existência de múltiplas conexões entre as experiências educacionais dos musicistas estudados,  e as de outras infâncias negras do período abordado. Demonstram, além disso, que tais artistas foram relativamente exitosos em suas tentativas de aquisição de saberes escolares, mesmo quando a escola não esteve ao seu alcance, e jamais ignoraram a importância de tais saberes, a despeito da operação de poderosas barreiras sociorraciais que se opuseram ao seu acesso e permanência na escola.

O trabalho é, enfim, um convite à parceria entre historiadores da música, educadores e historiadores da educação na construção de caminhos antirracistas na produção do conhecimento histórico.

Notas

[1] LIMA, L.J.R.S. ‘Essa história você precisa ouvir!’: memórias do circuito de música negra do Rio de Janeiro (1887-1972). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de História. Niterói, 2022 [viewed 30 November 2022]. Disponível em: https://lurianlima6.wixsite.com/anexosteselurianlima

[2] Sobre o pós-abolição como problema histórico, ver RIOS, A.L. and MATTOS, H. Memórias do cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

[3] Sobre o tema, ver DOMINGUES, P. Protagonismo negro em São Paulo: história e historiografia. São Paulo: Sesc São Paulo, 2019.

[4] Ver GILROY, P. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência. São Paulo. Editora 34, 2001.

[5] SCHUELER, A.F.M. and MAGALDI, A.M.B.M. Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Tempo [online]. 2009, vol. 13, no. 26,  pp. 32-55 [viewed 30 November 2022]. http://doi.org/10.1590/S1413-77042009000100003. Available from: https://www.scielo.br/j/tem/a/KSZxRDV8gHqmvWNmnr8bNnf/

Referências

LIMA, L.J.R.S. ‘Essa história você precisa ouvir!’: memórias do circuito de música negra do Rio de Janeiro (1887-1972). Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de História. Niterói, 2022 [viewed 30 November 2022]. Available from: https://lurianlima6.wixsite.com/anexosteselurianlima

RIOS, A.L and MATTOS, H. Memórias do cativeiro. Família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

DOMINGUES, P. Protagonismo negro em São Paulo: história e historiografia. São Paulo: Sesc São Paulo, 2019, e-PUB.

GILROY, P. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência. São Paulo. Editora 34, 2001.

DE SCHUELER, A.F.M and MAGALDI, A.M.B. Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Tempo [online]. 2009, vol. 13, no. 26, pp. 32-55 [viewed 30 November 2022]. http://doi.org/10.1590/S1413-77042009000100003. Available from: https://www.scielo.br/j/tem/a/KSZxRDV8gHqmvWNmnr8bNnf/

Para ler o artigo, acesse

LIMA, L.J.R and DA SILVA, A.T.R. Trajetórias Formativas de Musicistas Negros no Pós-Abolição (1890-1930). Educ. Real. [online]. 2022, vol. 47, e116429 [viewed 30 November 2022]. https://doi.org/10.1590/2175-6236116429vs01. Available from: https://www.scielo.br/j/edreal/a/Dx6HkqN64K8PgdkTHrMRrFR/

Links externos

Redes sociais do Grupo Educação, Saberes e Decolonialidades: YouTube | Facebook | Instagram

Educação & Realidade – EDREAL: https://www.scielo.br/j/edreal/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

LIMA, L.J.R.S. and SILVA, A.T.R. Trajetórias Formativas de Musicistas Negros no Pós-Abolição (1890-1930) [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/11/30/trajetorias-formativas-de-musicistas-negros-no-pos-abolicao-1890-1930/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation