Marcia Gobbi, Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada, EDM, São Paulo, SP, Brasil.
O artigo “Nóis” é ponte e atravessa qualquer rio*: notas sobre mulheres, crianças, coletivos periféricos e o comum” (ou, “Quando a pandemia é apenas mais um elemento”), publicado no periódico Cadernos Cedes (vol. 42, no. 118), teve como objetivo identificar práticas sociais de cuidado e educação entre mulheres e crianças periféricas considerando a existência de uma pedagogia da luta urbana pela moradia e de sua aproximação com o comum.
Tendo como base definições de Pierre Dardot e Christian Laval (2015), entendo que o comum é um princípio político e filosófico baseado em colaboração e autogestão dos comuns. Nas palavras desses autores, não se trata de bens-comuns, como a propriedade privada, mas princípios com os quais se constrói o comum, que é de todos, sem concepções privatistas. Os ativos das práticas do comum são aqueles que o produzem, neste caso, especialmente mulheres e crianças.
Além disso, várias relações são estabelecidas, incluindo práticas de empreendedorismo, economia solidária e coletividade, remetendo a reflexões sobre importantes princípios políticos de educação, produção espacial e demais práticas sociais, sobretudo, ensejados por mulheres em relação às crianças tensionando o modelo familiar burguês, o patriarcalismo, as relações de classe e aquelas já convencionalmente conhecidas entre adultas e crianças.
A construção do artigo deriva de levantamento bibliográfico sobre coletivos periféricos urbanos, escuta das pessoas que habitam as regiões abordadas e registros no formato de podcasts produzidos pelos e sobre esses coletivos contando com diversas entrevistas. O trabalho se concentrou em duas regiões periféricas da cidade de São Paulo, sendo elas, os extremos da Zona Leste e da Zona Sul, respectivamente nos coletivos Juntas na Luta e UniGraja, ao longo da segunda metade de 2020 e primeiro semestre de 2021.
O poema “Nóis é”, do poeta Marco Pezão, já falecido, e ex-morador do extremo da zona sul de São Paulo, usado de empréstimo no título do artigo, somou-se à importantes produções teóricas situadas na sociologia urbana, antropologia e educação e serviu como pontapé inicial para a produção de pensamentos.
Figura 1. Desenho realizado por Ana Vitória, moradora da ocupação Prestes Maia. Imagens de São Paulo: moradia e luta em regiões centrais e periféricas da cidade a partir de representações imagéticas criadas por crianças.
Marco Pezão define metaforicamente os periféricos e suas práticas solidárias como pontes que atravessam qualquer rio, em alusão às inúmeras formas de segregação existentes na cidade, em que estar de um ou outro lado das pontes define práticas, classes sociais e formas de organizar lutas cotidianas. Tais lutas denunciam a urgente necessidade de sobrevivência diante das agruras impostas por projetos de governo de caráter excludente e, ao mesmo tempo, apontam para outras possíveis organizações sociais, encontrando o possível dentro do aparente impossível gerado pelas diferentes desigualdades sociais e econômicas.
A pesquisa foi realizada em tempos que denotam as crises do capitalismo contemporâneo em que sentimos – uns muito mais que outros – as duras medidas tomadas para sua permanência em suas opulentas formas de exploração sem trégua e cada vez mais acirradas, em que “boiadas têm passado por muitas porteiras”, aproveitando-se cínica e perversamente da pandemia propositadamente mal administrada. Misérias irrompem diante de nossos olhos. Ao longo da pandemia ocasionada pela covid-19, observou-se a construção e aprofundamento de relações solidárias já existentes e ainda desconhecidas protagonizadas especialmente por mulheres, mães ou não.
O esforço empreendido neste estudo reside em apresentar notas para reflexões sobre coletivos, comuns e a covid-19 a partir de algumas de suas práticas em periferias urbanas situadas na cidade de São Paulo e visa contribuir com estudos da educação escolar de modo a compreender outras pedagogias existentes fora da escola, sobretudo em movimentos sociais, populares e entre coletivos.
É preciso ter coragem e olhar para o futuro pós-pandêmico, considerando-o junto ao passado e o que nele foi produzido. É preciso retomar nas mãos – agarrar pelas unhas – a urgência de mudanças estruturais em diferentes segmentos da sociedade brasileira. Já sabemos o que foi feito com o mundo e quais os resultados dessas ações. Não podemos repeti-las. Essa é nossa pretendida contribuição, provocar reflexões e somar com elas no caminho para as mudanças urgentes.
A seguir, ouça o podcast de Marcia Gobbi discorrendo sobre a atuação dos coletivos em tempos de pandemia.
Referência
GOBBI, Marcia. Desenhar e ocupar: crianças na Mauá, Ipiranga e Prestes Maia. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, IEA-USP, 2022.
Para ler o artigo acesse
GOBBI, M. “Nóis” é ponte e atravessa qualquer rio*: notas sobre mulheres, crianças, coletivos periféricos e o comum. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 359-372 [viewed 6 December 2022]. https://doi.org/10.1590/CC253004. Available from: http://www.scielo.br/j/ccedes/a/czDzHhHsDHQBjT77ML84PXD/
Links externos
Cadernos CEDES – CCEDES: http://www.scielo.br/ccedes/
Cadernos CEDES, Volume: 42, Número: 118: https://www.scielo.br/j/ccedes/i/2022.v42n118/
Podcast “em movimentos” – episódio 01 | Apresentação – Marcia Gobbi: https://youtu.be/E9SnU7d4-34
Site Entrimagens: www.entrimagens.com.br
Periferia em Movimento: UniGraja lança documentário, HQ e relatório sobre práticas educativas na quebrada
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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