O corpo no discurso da contemporaneidade

Maria Helena Cruz Pistori, Editora associada de Bakhtiniana, Pós-doutoranda na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil.

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No novo número de Bakhtiniana (17.4), os dois primeiros artigos, cuja temática se refere ao corpo, chamam a atenção do leitor, pois ambos têm como fundamentação teórica e metodológica a obra de Mikhail Bakhtin. O primeiro se intitula – Corpo e transgressão em Bakhtin e Bataille: um debate de excessos, e é redigido por Anderson Lopes da Silva (Grupo de Pesquisa USP/CNPq Linguagens e Discursos nos Meios de Comunicação, São Paulo, Brasil; Núcleo de Estudos em Ficção Seriada e Audiovisualidades, UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil).

Lopes da Silva parte de alguns aspectos comuns ao pensamento dos filósofos – o russo e o francês, como o destaque a noções de ambiguidade, efemeridade e ambivalência do excesso na produção de sentidos, para tratar do modo como veem o corpo em suas obras. O autor busca mostrar como, em campos próprios e partilhando visões algumas vezes similares e outras distintas, eles se baseiam especialmente em aspectos do excesso político e estético na compreensão da corporeidade, reportando-se também à sensibilidade e não apenas ao cognitivo.

Outro importante aspecto abordado por Lopes da Silva é ainda o diálogo que propõe entre Bakhtin e Bataille a respeito do papel da “transgressão como suspensão temporária das normas vigentes” na reflexão sobre o modo de superar interdições e barreiras relativas à corporeidade no tecido social. Nesse sentido, lembra os processos de carnavalização conforme compreendidos na obra bakhtiniana, afirmando que nela as questões de cunho moralizante têm sua importância rebaixada e a leveza, o cômico e o grotesco são tidos como algo apreciável, não são condenadas, mas, ao contrário, são elevadas ao patamar da naturalização da vida (Lopes da Silva, 2022, p.12).

Anderson Lopes da Silva entretece detalhadamente os fios dialógicos entre a carnavalização e a transgressão para abordar as noções de corpo e transgressão nos filósofos escolhidos, e isso pode ser constatado na leitura do artigo. Tal leitura pode, ainda, ser especialmente motivadora na compreensão do texto que segue, uma análise dialógica do corpo homossexual masculino.

Print do Twitter. Texto diz "tem coisa melhor que homem gordinho???" e três emojis com olhos de coração. Foto do corpo de um homem branco sem camiseta. No fundo pessoas conversando em roda.

Imagem: artigo / reprodução Twitter.

Rafael Lira Gomes Bastos (UFC) assina As disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso: um exemplo de análise dialógica. Sob um viés bastante contemporâneo, Bastos aborda uma questão social identitária de relevo sempre crescente: a homossexualidade. A análise dialógica que empreende mostra uma disputa discursiva na descrição e nomeação do corpo gay, num tom quase sempre irônico e crítico, em uma comunidade fechada do Facebook.

Bastos fundamenta teórica e metodologicamente sua análise em importantes trechos da obra bakhiniana que mostram a inter-relação entre alteridade – corpo – e valor, como nos dizeres abaixo:

Por isso, “o corpo não é algo que baste a si mesmo, tem necessidade do outro, de outro que o reconheça e lhe proporcione sua forma” (BAKHTIN, 1997, p.70; grifo no original). Essa forma, contudo, não é previamente dada, mas constituída pelas avaliações sociais, pelos valores. “É como se da minha unicidade” – afirma Bakhtin (2017, p.122) – “se irradiassem raios que, atravessando o tempo, afirmassem o caráter humano da história, iluminando com a luz do valor cada tempo possível e a temporalidade mesma enquanto tal” (Bastos, 2022, p.40).

Ao final, o autor defende a contribuição teórico-metodológica da Análise Dialógica do Discurso na interpretação de questões relacionadas a gênero e sexualidade, posicionamento que esses artigos corroboram e Dick McCaw (University of London) complementa ao afirmar algo sobre o qual nem sempre os estudiosos se dão conta: “[p]or toda sua carreira, Bakhtin escreveu sobre o corpo humano, desde seus primeiros textos mais filosóficos à sua magnum opus sobre Rabelais” (2021, p.57).

Referências

BAKHTIN, M. O autor e o herói. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão da tradução Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e de Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.

MCCAW, D. Por uma filosofia do corpo em movimento. In: BRAIT, B. and GOLÇALVES, J. C. Bakhtin e as artes do corpo. Tradução Larissa Cavalcanti. São Paulo: Hucitec, 2021.

Para ler os artigos, acesse

SILVA, A.L. Corpo e transgressão em Bakhtin e Bataille: um debate de excessos. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso [online]. 2022, vol. 17, no. 4, pp. 9-34 [viewed 23 December 2022]. https://doi.org/10.1590/2176-4573p57769. Available from: https://www.scielo.br/j/bak/a/NQRdTznFxmd77hySpBWRJwH/

BASTOS, R.L.G. As disputas de sentido envolvendo o corpo homossexual masculino caracterizado como urso: um exemplo de análise dialógica. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso [online]. 2022, vol. 17, no. 4, pp. 35-56 [viewed 23 December 2022]. https://doi.org/10.1590/2176-4573p58121. Available from: https://www.scielo.br/j/bak/a/gLZPrztS4f5dW7MKzSMVYrM/

Links externos

Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso – BAK: https://www.scielo.br/j/bak/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PISTORI, M.H.C. O corpo no discurso da contemporaneidade [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/12/23/o-corpo-no-discurso-da-contemporaneidade/

 

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