Benito Eduardo Araujo Maeso, Professor de Filosofia Política, Instituto Federal do Paraná e Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
O artigo Em busca do(s) deus(es) ausente(s): o modo de vida populista em Laclau e em Chaui busca a compreensão do modo de funcionamento desta categoria política (populismo), o que passa, em primeiro lugar, por entender qual o conceito de populismo que está sendo abordado. Consideramos que, na contramão dos que associam este regime político a uma característica picaresca de sociedades imaturas democraticamente, os modos de vida populista transcendem fronteiras e tem como cerne uma relação específica entre governantes e governados, passível de se reproduzir mesmo em países “democraticamente maduros” (contém ironia).
O populismo, além de um conjunto de práticas políticas, pode ser entendido como um regime de afetos que opera por identificação, mobilização e pertencimento permanentes, no qual as reivindicações sociais se plasmam palavras de ordem abstratas e à imagem de um guia que, ao mesmo tempo, é superior e igual àqueles que conduz.
Para começar a jogar luz neste processo, foram mobilizados os conjuntos teóricos de Ernesto Laclau e Marilena Chaui sobre o tema. Se há semelhanças conceituais entre eles ao observarem o populismo como o apagamento das estruturas de mediação nas relações entre o povo e o líder, a diferença existente nas formas pelas quais este apagamento ocorre leva-nos a refletir sobre a dinâmica interna entre populismo e democracia.
Para o pensador argentino, o populismo é uma técnica política na qual demandas sociais diversas se cristalizam provisoriamente em uma delas ou na figura de um líder, não dependendo de alinhamentos ideológicos. Já Marilena Chauí observa afinidades concretas entre práticas populistas e questões culturais numa sociedade, tendo foco no chamado “mito fundador” brasileiro e sua presença no imaginário coletivo.
Laclau considera que o populismo é constitutivo inclusive do processo democrático, ainda que recaindo em momentos de desejo ou prática de ruptura da dita institucionalidade. Bastaria, então, um funcionamento institucional eficaz, com o atendimento das demandas latentes em uma sociedade, para termos um antídoto contra a tentação autoritária da qual o populismo é tantas vezes acusado?
Para Chaui, crer que fatores estritamente racionais orientam as demandas (ou mesmo que os fatores emocionais mobilizados poderiam, com seu atendimento institucional, permanecer em suspenso), seria subestimar as pulsões conflituosas e violentas que atravessam, de cima a baixo, a constituição das relações ideológicas, culturais e sociais de uma população. Para ela, o alinhamento ou não das demandas de grupos – e sua cristalização em vetores diversos como slogans ou líderes – é mais efeito do que causa do processo populista.
O artigo avança, então, para entender de que forma a mentalidade ou o modo de vida populista estariam entremeados nas práticas sociais (o que abarca, por exemplo, a produção intelectual e cultural e se espalha por todo o campo político), tomando o Brasil como centro de análise. Do sequestro da estrutura institucional e do reforço de uma ideologia patriótica verdeamarelista até a busca por alternativas político-sociais embebidas na ideia da libertação dos oprimidos ou do resgate neorousseauniano por uma vida mais simples, paradisíaca, natural ou sobrenatural. Nossas formas de ação estariam tão embebidas por esta lógica que a reproduzimos mesmo quando buscamos rompê-la? A conferir.
Referências
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Para ler o artigo, acesse
MAESO, B.E.A. Em busca do(s) deus(es) ausente(s): o modo de vida populista em Laclau e em Chaui. Trans/Form/Ação [online]. 2021, vol. 44, no. 4, pp. 49-72 [viewed 10 January 2023]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2021.v44n4.04.p49. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/BWy9zVtPCcfQdqx6rbgTGDD/
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