Experiências sobre a materialidade do “lugar de corpo” em uma sala de aula remota

Marcelo Victor da Rosa, Doutor em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Campo Grande, MS, Brasil.

Tiago Duque, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campo Grande, MS, Brasil.

Logo do periódico Revista Brasileira de Estudos PedagógicosO artigo intitulado Estudos culturais e educação: processo de ensino-aprendizagem em Mato Grosso do Sul na pandemia da covid-19, publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (v. 103, n. 265), traz relatos de experiências pedagógicas durante a pandemia em dois programas de pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Para o estudo, foram consideradas as disciplinas “Tópicos Especiais em Educação: Introdução aos Estudos Culturais”, do Programa de Pós-Graduação em Educação do Campus do Pantanal, e “Tópicos Especiais em Estudos Culturais: Currículo, Pedagogia Cultural e Educação”, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais  que foram ministradas simultaneamente no mesmo ambiente virtual e de forma sincrônica.

As disciplinas possibilitaram diferentes estranhamentos àqueles que não tiveram acesso às temáticas e abordagens dos Estudos Culturais em Educação, frente à compreensão do alcance temático para além da instituição escolar que a disciplina ofereceu (STEINBERG, 1997; WORTMANN; COSTA; SILVEIRA, 2015).

Alguns(as) matriculados(as) tinham a expectativa de encontrar nos textos das disciplinas prescrições ou direcionamentos teórico-prático-políticos para transformar a realidade, seja da escola, dos movimentos sociais ou do contexto em que vivem. Ao invés disso, os autores, enquanto professores das disciplinas, buscaram as desconstruções de possíveis verdades ou prescrições para o agir.

O texto traz a experiência detalhada dos professores no ensino da política dos artefatos culturais (FERRARI; CASTRO, 2018) que comumente se relaciona com a luta dos diferentes sujeitos e grupos culturais nos espaços públicos e privados. Esta relação merece ser identificada e analisada não em busca de prescrições para o agir, mas de compreensões mais ampliadas sobre os seus efeitos.

Montagem: homem sentado olhando para o computador. Na tela, uma vídeo chamada com várias pessoas presentes e uma mulher apresentando um quadro com anotações.

Imagem: Adobe Stock.

Isso foi possível, segundo o relato, por meio da abordagem utilizada pelos professores. A partir de conceitos como “patriarcado”, “cis-heteronormatividade” e “racismo estrutural”, as discussões foram deslocadas para o agenciamento possível em meio às interseccionalidades dos marcadores sociais da diferença, sem negar experiências histórico-estruturais ou sistêmicas de opressão. Os autores afirmam que provocaram a reflexão a fim de que se pudesse compreender que a diferença não é, necessariamente, sinônimo de desigualdade (BRAH, 2006).

Durante as discussões, os participantes buscaram fugir de identitarismos, valorizando a corporeidade e a subjetividade de todos(as) os(as) presentes na sala de aula on-line. Em certa ocasião foram problematizadas as associações simplistas que relacionam um tipo de crítica à determinada identidade do(a) pesquisador(a).

Esse debate partiu de uma reflexão sobre o “lugar de corpo” (Duque, 2020), isto é, a materialidade (social) do corpo produzida contextualmente. Além disso, por meio dos marcadores sociais, foi possível também analisar a própria produção localizada das diferenças.

Durante as aulas e as pesquisas, a aposta das disciplinas foi pensar o corpo em campo, a partir do seu lugar de efeito na produção dos dados e, consequentemente, de análises. Portanto o corpo, seja ele de possíveis interlocutores(as), pesquisadores(as), discentes ou dos autores, em nada legitima ou qualifica alguém a falar criticamente ou fazer pesquisa sobre esse ou aquele tema.

As reflexões desenvolvidas pelos autores apontam que a disciplina, mesmo em período pandêmico e de forma remota, permitiu a vivência de experiências coletivas de processos de ensino-aprendizagem que impactaram na atuação e identidade dos autores-professores e de novos pesquisadores(as) que participaram das disciplinas.

Isso significa que, segundo as experiências vistas, mesmo frustrando momentaneamente expectativas teórico-políticas mais prescritivas, no que diz respeito a indicações de possíveis modos de agir, os Estudos Culturais em Educação cumprem um papel importante nos processos de ensino-aprendizagem: transformar o olhar e o modo de pensar diante das diferenças para melhor compreendê-las em suas próprias formas de serem produzidas culturalmente.

Referências

BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cad. Pagu [online]. 2006, no. 26, pp. 329-376 [viewed 27 March 2023]. https://doi.org/10.1590/S0104-83332006000100014. Available from: https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyTPDGwK8SxCPmhy/

DUQUE, T. Corpo de fala e pesquisa: autorreflexões sobre identidade e diferenças. In: NOGUEIRA, G., MBANDI, N. and TRÓI, M. (ed.) Lugar de fala: conexões, aproximações e diferenças. Salvador: Editora Devires, 2020.

FERRARI, A. and CASTRO, R.P. Apresentação: Debates insubmissos na educação. Revista Debates Insubmissos [online]. 2018, vol.1, no.1, pp. 101-103, 2018. https://doi.org/10.32359/debin2018.v1.n1.p101-103. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/debatesinsubmissos/article/view/236386

STEINBERG, S.R. Kindercultura: construção da infância pelas grandes corporações. In: SILVA, H., AZEVEDO, J.C. and SANTOS, E.S. Identidade Social e a Construção do Conhecimento. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, 1997.

WORTMANN, M.L., COSTA, M.V. and SILVEIRA, R.H. Sobre a emergência e a expansão dos Estudos Culturais em educação no Brasil. Educação [online]. 2015, vol. 38, no. 1, pp. 32-48 [viewed 27 March 2023]. https://doi.org/10.15448/1981-2582.2015.1.18441. Available from: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/18441

Para ler esse artigo, acesse

ROSA, M.V. and DUQUE,T. Estudos culturais e educação: processo ensino-aprendizagem em Mato Grosso do Sul na pandemia da covid-19. Rev. Bras. Estud. Pedagog [online]. 2022, vol. 103, no. 265, pp. 808-822 [viewed 27 March 2023]. https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i265.5288. Available from: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/Nq4hPTYpBBSSm5MJPfQcxFQ/

Links externos

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – RBEPED: https://www.scielo.br/j/rbeped/

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos: http://rbep.inep.gov.br/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

ROSA, M.V. and DUQUE, T. Experiências sobre a materialidade do “lugar de corpo” em uma sala de aula remota [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/03/27/experiencias-sobre-a-materialidade-do-lugar-de-corpo-em-uma-sala-de-aula-remota/

 

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