Para a Teoria Bakhtiniana, corpus e objeto são correlatos, mas diferentes

Carlos Gontijo Rosa, Revisor responsável da Revista Bakhtiniana, Professor da Universidade Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC, Brasil.

Logo do periódico BakhtinianaNo artigo Corpus e objeto em perspectiva dialógica: uma análise em obras de M. Bakhtin, publicado em 2022 (Bakhtiniana, vol. 17, no. 2), a pesquisadora Maria Elizabeth da Silva Queijo apresenta parte de seus estudos doutorais (QUEIJO, 2022), tendo por objetivo a compreensão de aspectos do método dialógico utilizado por Mikhail Bakhtin em suas obras.

A autora busca compreender os conceitos de corpus e objeto através da análise dos enunciados concretos bakhtinianos em dois de seus textos, que ela classifica como teses: “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais” e “Problemas da poética de Dostoiévski”. Sua hipótese, comprovada no artigo, é que esses conceitos são correlatos, mas diferentes: o objeto nasceria do encontro, do diálogo entre o pesquisador e seu corpus, sendo que o próprio corpus só chegaria a uma conformação final a partir da delimitação do objeto da pesquisa. Haveria, assim, uma atividade retroalimentativa entre os dois elementos da atividade de pesquisa.

A pesquisadora inicia sua análise pela obra sobre Fiódor Dostoiévski, que ela considera “menos problemática” no sentido de que a análise daquele texto bakhtiniano corrobora o que o próprio Bakhtin afirma:

[…] a partir da explicitação de Bakhtin e do que observamos materialmente no texto de um ponto de vista metodológico […] o material proveniente das obras de Dostoiévski constitui o corpus de pesquisa e o discurso bivocal conforma-se, de fato, como objeto. (QUEIJO, 2022, pp. 96, grifo nosso).

A expressão destacada no excerto demarca a metodologia da pesquisadora: evidentemente ela considera o que o autor fala sobre seu próprio método; mas, como boa prática de pesquisa, o que o autor fala deve estar contemplado na materialidade discursiva. Esta questão, bastante bem resolvida em “Problemas da poética de Dostoiévski”, aparentemente se torna problemática no outro texto bakhtiniano, acerca de Rabelais.

Foto de Mikhail Bakhtin. Foto antiga, um pouco escura e em preto e branco. Mikhail olha diretamente para câmera e tem uma expressão neutra.

Imagem: Wikipedia.

Figura 1. Mikhail Bakhtin.

Nas seções em que se debruça sobre a tese bakhtiniana referente a Rabelais, Queijo identifica um “ruído” na tradução do título da obra para algumas línguas, como o português, espanhol, italiano e inglês. É a partir desse “ruído” nas traduções que ela apresenta “uma questão que envolve as fronteiras entre o que figura como corpus e o que figura como objeto na pesquisa de Bakhtin sobre, ou melhor, a partir da obra rabelaisiana”.

Emulando o próprio método que Bakhtin utiliza em “Problemas da poética de Dostoiévski”, Queijo parte para uma análise centrada (mas não exclusiva) nos títulos da obra e dos capítulos de “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais para, por meio deles, entender o que seriam o corpus e o objeto de Bakhtin.

Nessa busca, mais do que refutar o autor, o que a pesquisadora intenta (e consegue) é caminhar na sistematização do método dialógico e, ainda assim, mantê-lo tão flexível e maleável quanto é ontologicamente preconizado. Queijo conclui que

em perspectiva dialógica, o objeto não pode ser dado de antemão e que a relação de alteridade com o corpus é que fornece elementos para definir qual seja de fato o objeto de pesquisa. […] A determinação de um corpus é, por si só, tarefa interpretativa. O corpus, antes de ser corpus, é um enunciado concreto que faz parte da ininterrupta cadeia comunicativa. Somos nós, como autores-pesquisadores, tendo em vista determinados propósitos, que nos aproximamos, recolhemos e emolduramos os enunciados, deslocando-os a fim de configurá-los como corpus a ser analisado. (QUEIJO, 2022, pp. 114).

Brevemente resumida neste post, essa parte da pesquisa de Queijo motivou reflexões, e mesmo revisões, a respeito da própria pesquisa por parte de participantes de sua banca de doutorado, da mesma forma como já ocorrera em sua apresentação no 22º InPLA – Intercâmbio de Pesquisas em Linguística Aplicada, evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (LAEL/PUC-SP). Sem dúvida, é texto intrigante, uma leitura altamente recomendável a todo pesquisador da área do discurso.

Referências

QUEIJO, M.E.S. O método dialógico em obras de M. Bakhtin. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2022 [viewed 9 May 2023]. Available from: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/26099

Para ler o artigo, acesse

QUEIJO, M.E.S. Corpus e objeto em perspectiva dialógica: uma análise em obras de M. Bakhtin. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2022, vol. 17, no. 2, pp. 89-117 [viewed 9 May 2023]. https://doi.org/10.1590/2176-4573p56746. Available from: https://www.scielo.br/j/bak/a/qtw7fCQqt5jsyKfZwzpVptx/

Links externos

Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso – BAK: https://www.scielo.br/j/bak/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

ROSA, C.G. Para a Teoria Bakhtiniana, corpus e objeto são correlatos, mas diferentes [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/05/09/para-a-teoria-bakhtiniana-corpus-e-objeto-sao-correlatos-mas-diferentes/

 

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