Luiza Bastos, jornalista, Belém, Pará, Brasil.
O que hoje conhecemos como regiões Norte e Nordeste do Brasil já estiveram unidas e separadas, física e politicamente por diversos períodos históricos desde a chegada oficial dos colonizadores ao país.
Desde as capitanias hereditárias do Período Colonial, passando pelas capitanias régias com domínio direto de Portugal, até às províncias do Império, as terras brasileiras foram distribuídas às mãos de civis, religiosos ou de membros de monarquias e forças militares a fim de garantir a administração e a exploração territorial sob o domínio português, não importando a nomenclatura adotada: Capitania do Maranhão; Estado do Maranhão ou Estado do Grão Pará.
No Segundo Reinado, a partir de 1850, as diferenças entre o Norte e o Sul do Brasil, começaram a mobilizar de maneira organizada as elites regionais da província do Grão Pará, em nome de um regionalismo político e em defesa da criação da nova região – Vale do Amazonas ou amazônica.
Roberg Januário Santos, historiador e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), revela mais profundamente as entrelinhas desses fatos no artigo científico O fim do Grão-Pará e a institucionalização da região amazônica: o papel dos liberais paraenses na mudança do status regional no século XIX, publicado no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Volume 18, número 1, de janeiro – abril de 2023, no qual também analisa a participação de políticos, imprensa e instituições alinhados ao Partido Liberal, principalmente da província do Grão Pará, na construção desse regionalismo político.
O autor possui experiência no estudo da História Moderna e Contemporânea, principalmente de temas ligados à História da Amazônia; História Regional; sertão; intelectuais e construção de espaços. Ele questiona “como, através do regionalismo político, foi institucionalizada uma postura e um discurso regional em torno do Vale do Amazonas e/ou da região amazônica em detrimento da província do Grão-Pará?” E as observações realizadas a partir daí, trazem uma grande contribuição à historiografia brasileira no que diz respeito ao surgimento da região amazônica.
Ao realizarmos uma rápida busca virtual sobre a origem da região amazônica ou sobre a etimologia da palavra amazônia, deparamo-nos com muitas informações superficiais. Ainda há um predomínio do lendário ataque de bravas guerreiras indígenas a Francisco Orellana. O episódio foi descrito por Carvajal – cronista que o acompanhava na primeira descida fluvial, do Peru em direção ao Atlântico, pelo rio que passou a ser conhecido como o “Rio das Amazonas” a partir de meados do século XVI.
Desde então, a ideia da existência de tais indígenas povoa o imaginário coletivo por terem sido comparadas às guerreiras amazonas da mitologia grega. Assim, surge o mito das “amazonas brasileiras” e confunde-se com a origem da região, fomentando repetições de nomenclaturas antigas e atuais, como: Rio das Amazonas, Vale do Amazonas, região amazônica, estado do Amazonas… lembrando ainda que, historicamente, essa mesma área já foi reconhecida como Santa Maria do Mar Doce, Terra dos Caraíbas, Eldorado, Maranhão, Pays des Amazones, Regiões Equinociais da América e Grão-Pará.
Pesquisador de performances históricas, políticas e sociais da Amazônia em geral, o autor do artigo científico trabalha com a concepção teórica da pesquisa no encontro da história com o pensamento geográfico e adota, inicialmente, o pensamento teórico do geógrafo político finlandês Anssi Paasi (2011). Para Paasi, a institucionalização das regiões seria o “processo segundo o qual as regiões podem ser entendidas como estruturas institucionais coletivas e, sobretudo, como construções sociais que são criadas a partir de práticas e discursos políticos, econômicos, culturais e administrativos” – como Roberg Santos comprova ter sido o caso da região amazônica.
Em citações a obras de autores do século XX, como Arthur Cézar Ferreira Reis (1906-1993), Eidorfe Moreira (1912-1989) e Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013), o artigo evidencia outras contribuições importantes para essa parte da América. Em “A invenção da Amazônia”, tese de doutorado em Teoria Literária de Neide Gondim, publicada como livro, em 1997, a autora “demonstra de que maneira e por quais artifícios a Amazônia foi inventada pelos europeus”, rompendo com as teorias das descobertas e analisando a invenção do espaço todo.
No entanto, ainda se fazia necessário “refletir que a Amazônia foi institucionalizada também no campo político e que a sua institucionalização, na condição de recorte regional brasileiro, passou pela adoção da nomenclatura para denominar a região”, esclarece Roberg Santos. O autor também analisa a configuração da região amazônica, pensando a construção da identidade política regional – processo acentuado a partir da segunda metade do século XIX e construído nas relações de força das elites locais com elites regionais e o Governo Central do Brasil.
O regionalismo político foi sendo desenvolvido na região amazônica e com maior intensidade a partir do Pará, especialmente por ter sido o centro da região por muito tempo e concentrado a maioria do movimento comercial e de circulação de produtos e pessoas, embora tenha sido historicamente representado por políticos de outras províncias e só no Segundo Reinado contando com uma predominância de deputados paraenses.
A construção do discurso do regionalismo político amazônico trouxe à tona outro tema principal: a abertura do Rio Amazonas à navegação internacional e o povoamento dessa parte do Brasil. Isto serviu também para iniciar a definição do recorte regional, mediante uma abordagem conectada à região amazônica. Esse regionalismo foi liderado no Pará por Sousa Franco, Tito Franco e Domingos Raiol – o Barão de Guajará – entre as décadas de 1860 e 1880, já no Segundo Reinado, e em um segundo momento efervescente da construção de posturas e discursos das elites da província pelo âmbito regional (o primeiro momento foi entre 1840 e 1850).
Aliada do movimento partidário, a imprensa paraense entrou no debate em defesa do regionalismo político e geográfico, assumindo parte importante do discurso determinante para a institucionalização da região amazônica. Os jornais O Liberal do Pará (1869-1889) e A Província do Pará (1886-2002), ambos do Partido Liberal do Pará, e o Diário do Gram-Pará, historicamente ligado ao Partido Conservador, exerceram papéis decisivos que, segundo Elias Palti (2020) e baseando-se no século XIX latino-americano, mostrou que “a ação jornalística passou a se configurar como uma prática de intervenção, pois, concomitantemente, se constituía como um modo de discutir e fazer política”.
O uso da nomenclatura “amazônica” nos jornais foi articulada pelos políticos liberais paraenses – do Vale do Amazonas, ou região amazônica –, ligados naquele momento às ideias de progresso comercial e sinônimo de espaço fértil, abundante e pronto para ser explorado pelas forças do capital.
Na década de 1870, O Liberal do Pará passou a usar a nomenclatura “amazônica” como referência ao espaço regional e foi o jornal que mais registrou a nomenclatura em detrimento dos demais jornais paraenses, conforme observado junto aos jornais disponíveis na Hemeroteca Digital, da Biblioteca Nacional (Brasil).
Referências
BAENA, A.L.M. Compêndio das eras da Província do Pará (Coleção Amazônica, Série José Veríssimo). Belém: Universidade Federal do Pará, 1838.
GONDIN, N.A. A invenção da Amazônia (2. ed.). Manaus: EDUA, 1997.
MOREIRA, E. Amazônia: o conceito e a paisagem. Rio de Janeiro: SPVEA, 1960.
RAIOL, D.A. Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos na Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835 (Coleção Amazônica, Série José Veríssimo, Vol. 2). Belém: Universidade Federal do Pará, 1970.
TAVARES BASTOS, A.C. O Vale do Amazonas: a Livre navegação do Amazonas, estatística, produção, comércio, questões fiscais do vale do Amazonas (3. ed.). Rio de Janeiro: Ed. Nacional/INL, 1975.
TORRES, J.C.O. A democracia coroada: teoria política do Império do Brasil. Câmara dos Deputados. Brasília: Edições Câmara, 2017.
Para ler o artigo, acesse
SANTOS, R.J. O fim do Grão-Pará e a institucionalização da região amazônica: o papel dos liberais paraenses na mudança do status regional no século XIX. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. [online]. 2023, vol. 18, no. 1, e20210099 [viewed 18 July]. DOI: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0099. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/LxSg6gZ6QKHXgNdGYVtyjLf/
Links externos
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – BGOELDI: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – Facebook: http://www.facebook.com/boletimgoeldiCH
Horrível incêndio. (1872, out. 03). O Liberal do Pará. 1872, ed. 222, oct. 03 [viewed 18 July 2023]. Available from: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=704555&pasta=ano%20187&pesq=%22amazonica%22&pagfis=3221
PAASI, A. (2011). The region, identity, and power. Procedia – Social and Behavioral Sciences [online]. 2011, vol. 14, no. 10, pp. 9-16 [viewed 18 July 2023]. DOI: https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2011.03.011. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877042811001819
Um bispo incendiário. O Liberal do Pará. 1873, ed. 28, feb. 04 [viewed 18 July 2023]. Available from: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=704555&pesq=%22amaz%C3%B4nic%22&pasta=ano%20187&hf=memoria.bn.br&pagfis=3597
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