Kátia Oliveira, doutoranda (bolsista CAPES), Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), membro do corpo editorial, urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana.
No artigo Elementos para a compreensão do contemporâneo urbano amazônico na Bacia do Igarapé “Bela Vista”, Santarém, Pará (vol. 16, 2024), publicado pelo periódico urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, os autores observam que a urbanização na Amazônia segue dinâmicas distintas das metrópoles brasileiras, com ciclos de expansão e retração ligados à exploração de recursos naturais e a projetos desenvolvimentistas estatais e que, apesar dos altos índices recentes de urbanização, ocorre sem políticas eficazes de ordenamento territorial.
Como microcosmo representativo dessas dinâmicas é apresentado o caso da microbacia do Igarapé “Bela Vista”, na cidade de Santarém. A delimitação inédita da microbacia visa explicitar sua materialidade física, fomentar a articulação comunitária e indicar sua relevância no planejamento urbano.
Ao descrever a área de estudo, o trabalho destaca que a urbanização da microbacia do Igarapé “Bela Vista” teve início no final da década de 1980, com a expansão da cidade paraense em direção oeste, impulsionada pela integração aos eixos rodoviários regionais e nacionais, em detrimento da tradicional lógica fluvial da região.
O território abriga desde ocupações espontâneas até projetos habitacionais e loteamentos privados marcados por deficiências no licenciamento e na execução, que também é pressionado por empreendimentos como o terminal da multinacional Cargill, ilustrando a subordinação da legislação ambiental a interesses econômicos. Por outro lado, elementos naturais como o Lago do Juá e a Praia da Salvação revelam a importância socioeconômica e ecológica da microbacia, sendo fundamentais para a subsistência pesqueira e atividades turísticas populares.
A pesquisa adotou abordagem metodológica que combinou trabalho de campo realizado entre 2018 e 2023, entrevistas semiestruturadas com moradores, lideranças e autoridades locais, pesquisa bibliográfica, e análises espaciais baseadas em Sistemas de Informação Geográfica. Para delimitar a bacia e mapear a evolução da ocupação territorial, as análises espaciais utilizaram imagens dos satélites Landsat, RapidEye e Planet, além de modelos digitais de elevação.
Com o objetivo de verificar o reconhecimento jurídico da microbacia do Igarapé “Bela Vista”, foram analisados documentos de planejamento urbano ambiental de Santarém, como o Plano Diretor (2018), o Plano Municipal de Saneamento (2019) e a legislação da APA do Juá (2012). Também foram examinadas narrativas midiáticas sobre o bairro Vista Alegre do Juá, com foco nas tensões entre preservação ambiental e apropriação capitalista dos espaços comuns.
O modelo de análise proposto pela pesquisa parte da negligência histórica das políticas habitacionais, revelando como a marginalização ambiental e social das populações locais abre caminho para a posterior chegada de infraestrutura e mercantilização do território.
Foram identificados discursos amplamente difundidos e aceitos que evidenciam racismo ambiental, produzidos especialmente pela mídia de massa, pela sociedade local, por tomadores de decisão e produtores de conhecimento. Nesse sentido, a partir do discurso da “invasão” ocorre a responsabilização de comunidades locais pela degradação ambiental da área e a sua exclusão dos instrumentos de planejamento urbano ambiental. Contribuindo para que seja descartada qualquer menção à responsabilidade do poder público e da companhia de saneamento local na geração de poluição na microbacia e na não resolução em longo prazo desse problema.
As análises também evidenciam conflitos estruturais na produção do espaço urbano amazônico entre formas de vida baseadas no “bem viver” (Acosta, 2016) e as imposições da urbanização mercantil. O estudo, ao mesmo tempo que reconhece as resistências locais frente à apropriação capitalista do espaço, ilustra os conflitos entre lógicas coletivas e privatistas de ocupação, apontando a necessidade de um planejamento urbano contra-hegemônico, que valorize as práticas territoriais das populações amazônicas e a preservação ambiental, e contribua com a construção de cidades mais justas e adaptadas às realidades e aos desafios contemporâneos da região.
Para ler o artigo, acesse
CORTES, J.P.S. and LESS, D.F.S. Elementos para a compreensão do contemporâneo urbano amazônico na Bacia do “Bela Vista”, Santarém, Pará. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana [online]. 2024, vol.16, e20230369 [viewed 25 July 2025]. https://doi.org/10.1590/2175-3369.016.e20230369. Available from: https://www.scielo.br/j/urbe/a/483S3FqTXW8QMPXZ5xmPPvr/
Referências
ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Elefante, 2016.
SANTARÉM. (2019). Revisão do Plano Municipal de Saneamento Básico De Santarém – PA 2020 – 2023. Prefeitura Municipal de Santarém. 2019 [viewed 25 July 2025]. Available from: https://transparencia.santarem.pa.gov.br/storage/midias/anexos/86_plano_municipal_de_saneamento_ 2020-2023_semdec-seminfra_versao_final_2.pdf
SANTARÉM. Lei nº 19.206 de 28 de dezembro de 2012. Cria a área de proteção ambiental do Juá, no município de Santarém, estado do Pará e dá outras providências. Gabinete da prefeitura. 2012 [viewed 25 July 2025]. Available from: https://sapl.santarem.pa.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2012/164/164_texto_integral.pdf
SANTARÉM. Lei nº 20.534 29 de dezembro de 2018. Institui o Plano Diretor Participativo de Santarém. Gabinete da prefeitura. 2018 [viewed 25 July 2025]. Available from: https://sapl.santarem.pa.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2018/1610/lei_n_20 _534_de_17_12_2018_plano_diretor_participativo.pdf
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